sábado, 18 de abril de 2015

NA NOITE SEM LUA

Por Rangel Alves da Costa*

Agora é noite. E ela está lá fora e também aqui onde estou. Uma noite escura, fechada, sem lua, querendo chover.

Ainda o mormaço quente do dia. Nenhuma brisa sopra da barra e vem nesta direção. Uma noite quente e solitária, enegrecida e triste.

Sempre triste é a noite sem lua e sem as faíscas estreladas na imensidão. Uma poesia que se faz inversa e canta somente a desolação.

De vez em quando saio lá fora e cato lá em cima uma réstia de lua. 

Mesmo sem avistá-la sinto a lua em mim, tão imensa e grandiosa como a minha saudade.

Sim, um misto de saudade e nostalgia, vontade de reencontrar quem só resta na fotografia. Um dia caminhamos na noite e nos prometemos jamais temer a escuridão.

Mas ela se fez. A escuridão se fez e nada mais foi como o prometido, ao menos para mim. Temi a solidão como o lobo subindo para o uivo na estepe.

E a lua grande me faz recordar a magia que sempre existia em noites assim. Os mistérios noturnos ainda povoam meu pensamento e minha saudade.

Mais uma vez segui até o portão e olhei para o alto. Avistei a noite com todo o seu nome. O véu escurecido desceu sobre mim e reconheci na sua face uma poesia de dor.

Não quero sofrer além do merecido. Que a poesia triste desapareça na escuridão. Prometo escrever um poema de vida, ainda somente restos recaiam no papel.

As ruas esvaziam rapidamente, as portas e janelas se fecham, as pessoas se recolhem para os sonhos e pesadelos. Um gato passa adiante. Alguém vira e esquina e some.


Não sei por que a noite está desse jeito, vazia demais. Mais cedo os meninos brincaram, correram, fizeram algazarra, viveram seu mundo. Mas tudo sumiu de repente.

Logo após o portão e a meninada chutando bola de lado a outro, falando alto, quase gritando. Quando a mãe de um gritou que já estava na hora, então os demais se dispersaram.

Talvez me falte agora esse barulho festivo, essa vida pujante da meninada. O silêncio profundo vai abrindo a carne até surgir o grito. E não gritarei senão debaixo da lua.

Mas não tem lua, não se avista um tiquinho sequer de lua. As nuvens avançam e encobrem tudo. O ar abafado torna ainda mais desalentado o momento.

Mas o que eu faria se a noite estivesse diferente, com a lua brilhando lá em cima, estrelas fulgurantes ao redor, e a escuridão apenas como pano de fundo sem afastar a magia?

O que eu faria se o luar parecesse descendo ao redor e eu fosse esperá-lo de braços abertos? Apenas o sonhador, o romântico, o poeta, o nostálgico diante de sua lua.

E certamente o misto de encanto e sofrimento debaixo da lua. A beleza da lua não consegue afastar o sofrimento pela ausência de alguém querido, pela saudade aflorada.

A força da lua é tamanha que o ser humano se transforma completamente debaixo de sua luz. A alegria de repente se transforma em dor e o olhar festivo se transmuda num rio.

Contudo, pior ainda é a noite sem lua, apenas noite enegrecida e triste. E assim é o momento dessa lua ausente e da escuridão que desce do alto e se alastra no sentimento.

A coruja não pia seu mau agouro nem o gato preto passeia seu desatino. Não há a lua, apenas noite. E somente os seres humanos sobem nos telhados para o doloroso uivo.

Talvez não haja mais lua nessa noite. Talvez caia chuva mais tarde e as águas lavem as ruas e as almas tão escurecidas e solitárias. E amanhã renasça a esperança de uma noite com luz.

Já se faz tarde demais. Não porque já passado o momento de recolhimento para o repouso. Simplesmente porque nada se avista além da noite sem outra cor.

Por isso fecho o portão e sigo até o quintal antes do recolhimento. Um último olhar para a lua inexistente e certeza que a noite dormirá comigo. Dentro de mim.

Poeta e cronista
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