Por Rangel Alves
da Costa*
Toda vez que
alguém chega a um mercado municipal ou feira livre, da mais modesta a mais
organizada, logo se torna envolvido por tamanha grandeza cultural que sequer
imagina. Por todo lugar a expressão máxima de um legado e do ofício de um povo,
e tanto no que está sendo exposto à venda como no que cada um daqueles típicos
feirantes carrega sobre si. É uma cultura que se manifesta de forma viva e
ainda despojada das influências negativas dos modismos e das imposições
midiáticas.
Praticamente
tudo é cultura nos mercados e feiras livres. Cultura enquanto arte de fazer, de
criar, de não relegar ao esquecimento as raízes do próprio povo. No retratista
ainda presente, no cordame pendurando cordel, nas plantas medicinais, nos
objetos moldados no couro e no barro, nos entalhamentos de madeira, no balaio
com temperos e folhas secas, nos tabuleiros de doces e iguarias, nos vidros com
remédios caseiros milagrosos, nas garrafadas com achados para a cura e a
imortalidade.
É uma cultura
de raiz, de chão, de crença, de sobrevivência e de preservação ancestral. Ano
após ano, desde o passado distante, os mercados e feiras oferecem aos
visitantes utilidades e suprimentos que são parte da história cultural de cada
geração. É da cultura nordestina a utilização de raízes e folhas de plantas
medicinais para o tratamento de doenças. E sempre elas serão encontradas
naqueles espaços. É da cultura popular o acompanhamento das sagas e dos grandes
feitos através da literatura de cordel. E os cordéis fazem parte do mundo
múltiplo das feiras livres.
Muitos,
geralmente acostumados a caminhar pelos locais objetivando apenas adquirir
produtos e alimentos, sequer atentam para o contexto cultural que os envolve e
a profunda significação ali presente. Imaginam que uma panela de barro é apenas
um utensílio moldado na argila e colocado à venda, que a rapadura é apenas um
tijolo açucarado de refugo de engenho, que a corda é apenas um trançado de cipó
com serventia de amarração, que a garrafada de mel com alho e outros
ingredientes é apenas um remédio caseiro para o combate da tosse. Não observam,
contudo, a cultura presente em cada um desses simples produtos ou objetos.
A moringa e o
pote de barro, por exemplo, remontam aos primórdios e ainda hoje estão
presentes nas feiras livres. São objetos de uso doméstico, mas também
utilizados como ornamentação. E não raro são adquiridos muito mais pela beleza
rústica do molde e do barro, e depois trabalhados ou envernizados para servirem
de enfeite às salas luxuosas. Não se devendo esquecer que desde os tempos mais
antigos que mãos rústicas apalpam a argila pegajosa num fazer cultural
silencioso e de continuidade no mesmo ritual. Quando estão prontos e colocados
à venda não se avista apenas o objeto de barro em si, mas a expressão da
cultura de um povo.
E assim porque
a cultura também é definida por essa tradição encontrada na feira, no espelho
tradicional que é o mercado e proporcionando significado a cada objeto e a cada
manifestação ali presentes. Tudo ali permeado de conhecimentos próprios ou
adquiridos de geração a geração, lastreado nas crenças, preservado através dos
hábitos e costumes. Tudo ali se caracterizando como acervo que foi enraizado no
fazer cotidiano de pessoas humildes e ganhando sobrevida e preservação através
da assimilação de outras pessoas.
Conceitualmente,
cultura significa tudo aquilo que é produzido pelo ser humano e se manifesta
através de seu conhecimento ou tradição. Envolve ideias, artefatos, costumes,
leis, crenças, hábitos e os mais diversos conhecimentos. Também a forma de
pensar, de agir e de se manifestar de cada grupo social. Daí se falar em
cultura indígena, em cultura nordestina, em cultura africana. E é no contexto
nordestino que se tem uma cultura própria se manifestando nas feiras e
mercados, em tudo ali existente e que pode ser observado ou adquirido.
Diferentemente
da denominada cultura erudita ou teórica, a dos mercados e feiras livres se
insere no contexto da tradicional ou popular. Existem elementos culturais
próprios que fazem parte da ambientação e a diferencia de outros conceitos. A
cultura da feira está visível e presente no convívio dos feirantes e
visitantes, nos produtos oferecidos, nas manifestações encadeadas pelos relacionamentos,
nos hábitos considerados, mas principalmente na riqueza das comidas
nordestinas, nos produtos artesanais, nos inusitados oferecidos pelos
ambulantes e pelas barracas tão antigas quanto às próprias feiras.
Não se faz
necessário alguém aponte onde está a cultura de feira. Ela está em tudo e por
todo lugar. E uma cultura viva na buchada de bode, no sarapatel apimentado, no
arroz doce e no mingau de puba, no bolo de milho e de leite, na cachaça com
raiz de pau, no boi de barro e no chapéu de couro, no santo de madeira e na
lembrança singela. E tanta cultura na expressão do anunciante de óleo de peixe
boi para todo tipo de dor, no velho vendedor de fumo de rolo. Quem vai querer,
grita um e grita outro. E assim a cultura vai passando da oralidade ao conhecimento
e fruição dessa riqueza maior de um povo.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário