segunda-feira, 27 de abril de 2015

A MENINA E A BONECA DE MILHO

Por Rangel Alves da Costa*

Era uma vez... Sim, era uma vez porque toda história bonita deve começar assim, indicando que algo alegre ou triste aconteceu e que precisa ser contado. Então conto o que me contaram...

Era uma vez uma menina muito pobre, vivendo num mundo distante da cidade grande, filha única de uma família que mal tinha o alimento do dia a dia. Não estudava porque a escola mais próxima ficava a meio dia de caminhada, não tinha amigos na mesma idade porque não havia outra casa na vizinhança.

Aos três anos, com muito esforço seu pai lhe presenteou com uma bonequinha de plástico. Dessas toda nua e com cabelo que não suporta um puxão. Mas daí em diante a bonequinha se tornou sua companheira inseparável. E com ela continuou até que o cachorro segurou o brinquedo na boca e deu sumiço.

A menina chorou dois dias e duas noites. Já estava com mais de cinco anos e os pais ficaram num aperreio danado ao ver o sofrimento da filha. E o pior, não poder fazer nada que a agradasse. O pai, desesperado com a tristeza da menina, logo procurou alguma coisa que trouxesse de volta aquele singelo sorriso.

Caçou uma borboleta de duas cores, mas a menina soltou-a num sopro entristecido. Trouxe um passarinho do mato, mas a filha fez a mesma coisa. Cortou pedaço de pau para uma casinha de bonequinha, mas foi pior. Não queria casinha de boneca se não existia mais a boneca, disse a menina chorando.

O pai chamou a esposa num canto e disse que tudo já tinha feito e agora não havia mais o que fazer, a não ser deixar o tempo passar até que ele fosse até a cidade e ver se sobrava algum tostão para comprar outra boneca na feira. Então tá certo, mas ela precisa comer, disse a esposa.

Então o pai se dirigiu até o roçado para catar algumas espigas de milho verde para colocar na panela. A menina gostava de milho e talvez ela esquecesse um pouco o motivo do sofrimento e comesse uma ou duas espigas. E depois certamente adormeceria para acordar mais confortada.


Ao retornar do roçado com uma braçada de milho verde, o pai cuidou de colocar as espigas num tronco diante da casa e gritou para que a esposa fosse até ali para retirar as palhas. Ao ouvir a voz do pai, a menina levantou a cabeça na janela e pareceu não acreditar no que via.

Das espigas colocadas no tronco, uma mais novinha se sobressaia pela verdura da palha e pelos fiozinhos dourados que desciam feitos cabelos alongados. Uma boneca, uma boneca, eu quero essa boneca pra mim, gritou a menina, já correndo na direção das espigas.

Mas é só uma boneca de milho novo, minha filha, muito diferente daquela que você tinha e que era de plástico, disse a mãe. Mas eu quero essa pra mim, eu quero brincar com ela, insistia a menina, enquanto recebia sua boneca de milho.

Como se sabe, toda boneca de milho possui espiga molinha, cabelos que descem além da palha, formando um brinquedo perfeito para quem gosta de se divertir com os encantos inusitados da natureza. E aquela boneca era linda mesmo, só que com efêmera duração de vida.

A menina não sabia, mas se ela quisesse brincar com boneca de milho não havia lugar melhor que no próprio roçado, junto às plantas ainda verdejantes. Aquela bonequinha que tinha em mãos, por mais carinho e cuidado que recebesse, não duraria mais que dois dias. Logo a palha começaria a secar, a espiga endurecer e os cabelos caírem totalmente.

Os pais sabiam que não duraria muito aquela alegria da filha. O temor maior era que o sofrimento voltasse e ela novamente definhasse de vez. Mas era tão bonito e festivo ao coração vê-la assim tão feliz e contente, sorrindo e conversando com sua bonequinha, que o pai segredou à mãe o que poderia fazer para prolongar aquele estado de felicidade.

E assim, quando a noite caía e a menina dormia ao lado da bonequinha, o pai corria até o roçado e trazia uma boneca de milho nova. Ao acordar e não percebendo nada, a menina voltava ao encantamento. Mas numa manhã a menina achou sua boneca diferente, maior e mais envelhecida.
É que como a gente, a boneca de milho também cresce, vai envelhecendo, tentou justificar a mãe. E disse isso já com o coração dolorido, pois sabia que não demoraria muito para não restar uma espiga de milho sequer. O roçado já estava seco, as plantas murchando, tudo esturricando.

Chegou o dia que não havia mais nenhuma espiga de milho para ser reposta ao lado da filha. A menina acordou com sua boneca com as palhas secas e tristes, com os cabelos rareando e prestes a cair. Então, por instinto, ela foi tirando as palhas de cima e deixando as mais novas. Até que não restava mais nenhuma palha e a boneca, com grãos secos e sem cabelos, ficou completamente nua.

Diante da boneca nua, a menina chamou os pais e disse que seu brinquedo estava muito doente e que ia morrer. Mas pediu para ficar com ela assim mesmo, até que sumisse de vez de suas mãos. E continuou, até que ela renasceu quando as chuvas novamente caíram e os pés de milho brotaram da terra.

Poeta e cronista
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