Por Rangel Alves
da Costa*
Era uma vez...
Sim, era uma vez porque toda história bonita deve começar assim, indicando que
algo alegre ou triste aconteceu e que precisa ser contado. Então conto o que me
contaram...
Era uma vez
uma menina muito pobre, vivendo num mundo distante da cidade grande, filha
única de uma família que mal tinha o alimento do dia a dia. Não estudava porque
a escola mais próxima ficava a meio dia de caminhada, não tinha amigos na mesma
idade porque não havia outra casa na vizinhança.
Aos três anos,
com muito esforço seu pai lhe presenteou com uma bonequinha de plástico. Dessas
toda nua e com cabelo que não suporta um puxão. Mas daí em diante a bonequinha
se tornou sua companheira inseparável. E com ela continuou até que o cachorro
segurou o brinquedo na boca e deu sumiço.
A menina
chorou dois dias e duas noites. Já estava com mais de cinco anos e os pais
ficaram num aperreio danado ao ver o sofrimento da filha. E o pior, não poder
fazer nada que a agradasse. O pai, desesperado com a tristeza da menina, logo
procurou alguma coisa que trouxesse de volta aquele singelo sorriso.
Caçou uma
borboleta de duas cores, mas a menina soltou-a num sopro entristecido. Trouxe
um passarinho do mato, mas a filha fez a mesma coisa. Cortou pedaço de pau para
uma casinha de bonequinha, mas foi pior. Não queria casinha de boneca se não
existia mais a boneca, disse a menina chorando.
O pai chamou a
esposa num canto e disse que tudo já tinha feito e agora não havia mais o que
fazer, a não ser deixar o tempo passar até que ele fosse até a cidade e ver se
sobrava algum tostão para comprar outra boneca na feira. Então tá certo, mas
ela precisa comer, disse a esposa.
Então o pai se
dirigiu até o roçado para catar algumas espigas de milho verde para colocar na
panela. A menina gostava de milho e talvez ela esquecesse um pouco o motivo do
sofrimento e comesse uma ou duas espigas. E depois certamente adormeceria para
acordar mais confortada.
Ao retornar do
roçado com uma braçada de milho verde, o pai cuidou de colocar as espigas num
tronco diante da casa e gritou para que a esposa fosse até ali para retirar as
palhas. Ao ouvir a voz do pai, a menina levantou a cabeça na janela e pareceu
não acreditar no que via.
Das espigas
colocadas no tronco, uma mais novinha se sobressaia pela verdura da palha e
pelos fiozinhos dourados que desciam feitos cabelos alongados. Uma boneca, uma
boneca, eu quero essa boneca pra mim, gritou a menina, já correndo na direção
das espigas.
Mas é só uma
boneca de milho novo, minha filha, muito diferente daquela que você tinha e que
era de plástico, disse a mãe. Mas eu quero essa pra mim, eu quero brincar com
ela, insistia a menina, enquanto recebia sua boneca de milho.
Como se sabe,
toda boneca de milho possui espiga molinha, cabelos que descem além da palha,
formando um brinquedo perfeito para quem gosta de se divertir com os encantos
inusitados da natureza. E aquela boneca era linda mesmo, só que com efêmera
duração de vida.
A menina não
sabia, mas se ela quisesse brincar com boneca de milho não havia lugar melhor
que no próprio roçado, junto às plantas ainda verdejantes. Aquela bonequinha
que tinha em mãos, por mais carinho e cuidado que recebesse, não duraria mais
que dois dias. Logo a palha começaria a secar, a espiga endurecer e os cabelos
caírem totalmente.
Os pais sabiam
que não duraria muito aquela alegria da filha. O temor maior era que o
sofrimento voltasse e ela novamente definhasse de vez. Mas era tão bonito e
festivo ao coração vê-la assim tão feliz e contente, sorrindo e conversando com
sua bonequinha, que o pai segredou à mãe o que poderia fazer para prolongar
aquele estado de felicidade.
E assim,
quando a noite caía e a menina dormia ao lado da bonequinha, o pai corria até o
roçado e trazia uma boneca de milho nova. Ao acordar e não percebendo nada, a
menina voltava ao encantamento. Mas numa manhã a menina achou sua boneca
diferente, maior e mais envelhecida.
É que como a
gente, a boneca de milho também cresce, vai envelhecendo, tentou justificar a
mãe. E disse isso já com o coração dolorido, pois sabia que não demoraria muito
para não restar uma espiga de milho sequer. O roçado já estava seco, as plantas
murchando, tudo esturricando.
Chegou o dia
que não havia mais nenhuma espiga de milho para ser reposta ao lado da filha. A
menina acordou com sua boneca com as palhas secas e tristes, com os cabelos
rareando e prestes a cair. Então, por instinto, ela foi tirando as palhas de
cima e deixando as mais novas. Até que não restava mais nenhuma palha e a
boneca, com grãos secos e sem cabelos, ficou completamente nua.
Diante da
boneca nua, a menina chamou os pais e disse que seu brinquedo estava muito
doente e que ia morrer. Mas pediu para ficar com ela assim mesmo, até que
sumisse de vez de suas mãos. E continuou, até que ela renasceu quando as chuvas
novamente caíram e os pés de milho brotaram da terra.
Poeta e
cronista
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