Por Rangel Alves
da Costa*
Sol de rachar
panela de barro, os passos cansados se aproximam da porta tosca e dá duas
batidas.
“Oi de casa,
oi de dentro, é gente de bem que está aqui. Humilde viajante para mais ir, mas
muito cansado e afadigado. Uma caneca d’água pra matar a sede deste sem chão
nem parede...”.
Sons de passos
são ouvidos lá dentro. Alguém caminha e para rente à porta, e pelas frestas
certamente cuida de divisar o forasteiro que chega.
“Oi de casa,
oi de fora, já vou abrir sem demora, mas primeiro comece a falar como chegou
neste lugar, o que faz de rompante nesse sertão distante...”.
Então o
forasteiro, muito mais esperançado, estendeu ao chão o carcomido embornal para
falar sem pressa.
“Por Nosso
Senhor lá do céu, digo a verdade sem véu. Sou de um sertão bem distante, além
da serra e mais adiante. Dois dias cortando estrada, desde o dia à madrugada.
Mas nem sei bem aonde vou, bem como não sei bem onde estou. Só sei que vou
caminhando, um trabalho procurando, na sina me esperançando...”.
Lá dentro um
silêncio repentino, mas logo o barulho da mão dobrando a chave. A porta
continuou fechada até a pessoa de dentro pronunciar mais algumas palavras.
“Seja você
quem seja aqui não se teme pessoa ou peleja. A casa é abençoada, é defendida
por Deus e pela Virgem Sagrada. Também não há o que se temer, nada aqui tem
além do nada ter. Uma casa empobrecida, com pouca água e comida, mas com a
riqueza da vida: a fé que é desmedida...”.
Do outro lado,
o forasteiro ouvia respeitosamente cada palavra, porém preferia mesmo que a
porta fosse aberta para matar a sede.
“Sou de paz,
sou bom cristão, nenhuma maldade no coração. Se chego sem ser convidado é
porque sou precisado. Mas não tenha medo não, sou filho desse sertão e respeito
todo irmão, seja de qualquer condição...”.
A porta,
enfim, se abriu, mas primeiro um tiquinho, depois mais um tantinho, até lá
dentro aparecer o dono do casebre ainda desconfiado. Sem reação de temor ou
surpresa, apenas olhou no olho do outro para falar.
“Achegue-se,
pode entrar, faça como seu esse lugar. Desculpe pela pobreza, pelo pão que não
tem na mesa nem luxo ou miudeza que se alastre em correnteza. Sou pobre, vivo
sozinho e tudo que tenho é esse cantinho e uma terra esturricada pela seca
malcriada...”.
O viajante
estendeu-lhe a mão e cuidou de mostrar confiança. Não precisava mais que uma
caneca d’água e um tamborete pra descansar um pouquinho. Ademais, talvez o dono
daquela casa estivesse com a mesma fome que ele. Então se pôs a falar.
“Sou homem de
poeira e espinho, cortando légua sozinho. Vim de longe e vou seguir até um
trabalho surgir. A seca tirou meu sustento e isso o que mais lamento. Agora sou
retirante dessa vida de levante...”.
O dono da casa
mostrou-lhe um tronco de madeira que servia de cadeira. Em seguida deu conta de
uma moringa e cuidou de arranjar um pedaço miúdo de preá assado com farinha
seca. E tudo se mostrou como fartura aos olhos do retirante.
“Louvado seja
Deus pela água e pelo pão, comida melhor não há em todo o sertão. Mas por favor
queira aceitar o que eu posso lhe dar. É coisa muito modesta, mas juro que
alegra o coração e a isso bem se presta...”.
Em seguida
tirou do embornal um velho rosário bento e o entregou ao dono da casa. Ao
avistar a relíquia religiosa, os olhos deste lacrimejaram. Quis falar, a
palavra não veio. Estava emocionado demais.
E o viajante,
de coração agradecido pela acolhida, se despediu para seguir viagem. Da porta,
o velho senhor acenava tendo à mão o rosário que sustenta a fé e a vida do
sertanejo.
Poeta e
cronista
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