Por Rangel Alves
da Costa*
A mesmice
entedia. Fazer sempre o mesmo enferruja o poder de mudança e a vontade de
transformar, de fazer diferente. Urge sair da rotina, abrir outras portas,
caminhar outras estradas, sonhar diferente.
Ora, toda
pedra grande é avistada sempre tristonha porque não sai do lugar. O ferro
pesado corrói e vai sumindo porque sempre permaneceu naquele lugar. A bela flor
vai murchando e morre sem encantar corações porque não saiu do lugar. É
preciso, pois, mudar para se renovar.
Por isso de
vez em quando há que se fazer diferente, arriscar, modificar atitudes, buscar
outras possibilidades. A roupa precisa ser trocada, a casa varrida e arrumada,
os móveis desempoeirados, o jardim aparado, e por que não fazer o mesmo com
você?
O sol se
esconde para a lua aparecer. Um dia é de céu aberto e outro com nuvens
carregadas. O sol queima tudo, mas depois a chuva vem. A primavera se
transforma em outono, as flores nascem e morrem, e as folhagens também.
Então por que
também não faz diferente, deixa de ser noite e experimenta o dia, deixa de ser
lágrima e tenta um sorriso, sai do quarto fechado para abrir a porta? Talvez
você não conheça a cor da manhã, as ondas chegando à areia, a última revoada do
entardecer, o perfume da brisa debaixo da lua.
Então tente
mudar, tente fazer diferente, ser outro sem sair de si mesmo, voar sem sair do
chão, sonhar acordado. E não há tempo nem idade para ser passarinho, para fazer
o que o desejo pede, para perfumar o corpo tomado das durezas da solidão. Porta
foi feita para ser aberta, estrada para ser caminhada. E os pés, as mãos e os
desejos para serem guias.
Por isso, de
vez em quando tome banho de chuva, no meio da rua de braços abertos, deixando
as águas se fartarem em você. Cante, pule, corra, chame alguém para valsar na
chuva, celebre o momento como uma infância que nunca é tardia. Quando estiver
sozinho no quintal agora murado da casa, corra pra debaixo de uma biqueira com
a nudez mais sem roupa que existir.
De vez em
quando leia um livro. Muita gente sequer passa da primeira página, mas tente ir
dialogando com a história página a página. Também leia e escreva poesia. Todo
mundo é poeta e tem versos guardados no caderno da mente. Então escreva tudo no
papel, mostre seu amor ou sua desilusão, sua esperança ou sua solidão.
De vez em
quando suba à montanha e lá encontre o templo de sua fé. Experimente meditar lá
no alto, tenha olhos para o que acontece ao redor, converse com o silêncio,
reflita sobre sua condição humana. Certamente encontrará uma feição que chega
na luz e uma voz que fala pelo sopro da brisa.
De vez em
quando vá conhecer enfermos, visitá-los no seu leito de solidão. Não há remédio
mais eficaz para um doente do que um gesto atencioso, uma palavra amiga, um
instante de compartilhamento. Mesmo que a saúde seja sonho sem volta, mais
ainda ele necessitará de uma presença que valorize cada instante que lhe resta
da vida.
De vez em
quando vá caçar borboletas, correr pelos campos, caminhar pela mata, colher
flores de beira da estrada, conversar com bichos e passarinhos. Sente no alto
de uma pedra e com ela converse como bons amigos. A pedra escuta, tem
sentimentos, e logo chegará o sono para você repousar ali mesmo. Então virá o
sonho com a voz da pedra e ela dizendo: Desejos são asas e asas foram feitas
para o voo.
De vez em
quando ouça as lições dos mais velhos, preste-lhes atenção nos seus modos de
vida. A sabedoria passada é livro eterno e em cada um encontrará o que tanto
precisa saber. E retribua com a promessa de que chegará àquela idade com a
mesma flor cheia de vida que avista naquele jardim de muitas primaveras e
outonos. Sublime é o encontro entre os primeiros passos da estrada e aqueles
que já conhecem o caminho.
De vez em
quando faça diferente e ouça quem lhe deseja falar, fale o que deseja que
ouçam. Diga sim e diga não, aceite, conteste, reconheça o erro ou lute pela
prevalência de sua verdade. Mas não esqueça que todo ponto de vista é apenas um
ponto de visão e que há um horizonte bem maior que pode estar com a razão.
De vez em
quando faça assim, faça diferente. Acenda a luz do quarto e a que está em você.
Abra a janela e aviste o mundo. E siga a nuvem que tem o seu nome.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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