Por Rangel Alves
da Costa*
Nunca fui
folião, nunca brinquei ou pulei carnaval. Acho bonito e assisto via televisão
as escolas de samba de São Paulo e do Rio e me dou por satisfeito. Ouço falar
de famosos carnavais nos grandes salões e de foliões mascarados pelas ruas, num
tempo de confetes, serpentinas e lança-perfumes. Hoje praticamente não existe
mais nada disso.
Nos meus
tempos de infância interiorana, nas distâncias do sertão do São Francisco, as
brincadeiras eram bem mais autênticas. Havia o entrudo, quando a pessoa se
escondia para jogar água em outra quando estivesse passando ou sentado na porta
de casa, bem como o lançamento de pó nas pessoas. E também as marchinhas que
ainda hoje são cantadas saudosamente.
Aqui em
Aracaju quase não há mais carnaval de rua nem de salão. Uns poucos grupos se
organizam e fazem suas folias em recintos fechados. Restaram alguns blocos que
ainda possuem programação, mas cujas festas não passam de aglomerações
agressivas e ouvindo músicas que nada têm a ver com carnaval. Tudo num misto de
festa junina, micarana e festejo qualquer de rua.
Por isso mesmo
que neste período são lançadas campanhas turísticas convidando para a paz
aracajuana todos aqueles que desejem fugir dos festejos de outras capitais. Não
sei se continua assim, mas na orla praiana era terminantemente proibido
qualquer trio elétrico ou carro de som que importunasse o sossego dos turistas.
Ora, se estão em Aracaju é porque desejam ouvir apenas o som das ondas e da
ventania balançando os coqueirais.
Gosto que seja
assim. Gosto do silêncio e da paz desses dias. Grande número de pessoas viaja
para as cidades interioranas e as ruas da capital se tomam de uma tranquilidade
indescritível. Apenas de vez em quando alguns imbecis passam com seus carros
com malas abertas e sons em alturas insuportáveis. Realmente não sei como
conseguem suportar aquela barulheira toda seguindo aonde vão. A decadência, a
total decadência humana, já sintetizou um desalentado amigo.
Resguardo
esses dias para o silêncio, para a solidão, para a busca da paz, para a meditação,
para a escrita. Não deixo que nada interfira nesta programação. E assim, desde
a madrugada quando levanto até a noite já alta, sempre estarei ou sentado na
minha espreguiçadeira, passando a vista em algum livro, escrevendo, aguando
minhas plantas, organizando textos ou simplesmente olhando o horizonte da
calçada.
Tenho alguns
esboços na memória que preciso lançar ao papel. Escrevo todos os dias, mas
alguns temas precisam ser mais trabalhados cuidadosamente, com maior fôlego. E
talvez estes sejam os dias ideais para o desenvolvimento de projetos antigos. O
único problema é que a escrita não obedece a momento nem ao desejo do escritor,
mas ao seu próprio despertar. Não adianta ter uma ideia boa se o dia ou
instante não traz consigo a inspiração.
Creio que o
silêncio almejado só chegará após o meio-dia deste sábado. Antes disso a rua
ainda estará barulhenta e com feição de dia qualquer. Será preciso, pois,
esperar que a tarde traga consigo instantes de paz e de distanciamento daquele
cotidiano brutal e apressado dos centros urbanos. E também que se alguns gritos
de carnavais existam que ecoem distantes e se percam nos seus próprios ecos.
Resta ainda
torcer para que surjam algumas nuvens de chuva e pingos d’água caiam ao menos
da noite ao amanhecer. Nada melhor que ouvir a chuva caindo nos momentos de
maior silêncio, nada melhor que se sentir um pouco molhado também nesses tempos
de secura e desolação. Em instantes assim, mesmo mais melancólico e
entristecido, sempre encontro maior inspiração para a escrita.
Então, que os
dias de carnaval se prolonguem. E tão longe vão que eu possa esquecer que a
realidade medonha da vida existe.
Poeta e
cronista
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