Por Rangel Alves
da Costa*
Com poucas
diferenças de uma região sertaneja para outra, principalmente com relação ao
povoamento e aproveitamento da terra, mas todo o sertão possui características
comuns. Daí ser um sertão comum, desde a beira da estrada aos escondidos nas
lonjuras do mundo.
Basta que o
citadino imagine a terra árida, encoberta de secura e espinho, vegetação
arbustiva de galhos frágeis, catingueiras tortas e outras árvores se
sobressaindo em meio a cactáceas, certamente estará avistando algum sertão.
Aquele mesmo de lua fascinante e sol escaldante.
Em algum lugar
do sertão estará o facheiro, o velame, a macambira, o galho espinhento, a rama
e o cipó, a palma, o xiquexique, o graveto da planta morta, o mandacaru, a
cabeça-de-frade, a loca de pedra escondendo bicho, o calango e o preá correndo
de canto a outro. Houve um tempo de onça, tamanduá, caititu e muito mais.
Sertão de
árvores solitárias e nuas, do calor e do mormaço, do bicho magro ruminando seu
sofrimento por cima da terra em brasa. Mas também do bafo quente subindo do
chão e da paisagem verdejante depois de qualquer chuvarada. E com o retorno das
folhagens os trinados passarinheiros alegrando a vida. As flores enfeitando as
copas fazem até esquecer o outro sertão.
Não há sertão
sem casa de cipó e barro, sem tapera e sem casebre, sem ruínas dos tempos idos.
Moradias empobrecidas, quase sem porta e quase sem vida, apenas com a família e
sua luta pela sobrevivência. Uma terra onde ainda a fome está na panela vazia,
na mesa sem pedaço de nada, na barriga grande e faminta do menininho.
Muito existe
que é a própria feição do sertão. A rapadura, o boi e o cavalo moldados no
barro, o cena sertaneja retratada na lama visguenta, o cordel pendurado no
barbante, o repente tirado da boca de violeiros, o fole roncando nas salas de
reboco em noites de animação, a buchada de carneiro gordo, o capão de mulher
parida, a galinha de capoeira de enlouquecer qualquer um.
O sertão do
couro no chapéu, na sela, no arreio, no embornal e em toda vestimenta da
vaqueirama e do pegador de boi valente. E no ecoar do canto dolente do
aboiador, na toada de pé de balcão e de qualquer lugar sertanejo. Quase sempre
a história triste de um vaqueiro que cavalgou para jamais voltar.
Em algum lugar
pelo sertão a fé, a religiosidade e a devoção estarão perceptíveis desde a
porta da frente às dependências da moradia. Num canto de quarto o velho
oratório, as imagens sacras tomando as paredes e as figuras de santos reunidas
na mesinha. Flores de plástico, fitas de padroeiros, talvez um escrito sagrado
aberto num salmo. E também o Padre Cícero Romão e o Frei Damião vindos
diretamente do Juazeiro para abençoar e proteger a família e todo o sertão.
Sertão de
terra rachada, de barro na estrada e no fundo do tanque, do riacho sem pingo
d’água, da biqueira sem serventia. Um pote que nunca recebe água boa, limpa,
juntada da chuva. Uma moringa com a boca tão sedenta quanto a do viajante que a
avista esperançoso na janela. E uma lata velha na cabeça, um balde em cada mão,
uma procissão desvalida à espera da ferrugem do carro-pipa.
Assim, o
sofrimento e a agonia da vida em cada sertão, em qualquer sertão. Não bastassem
as estiagens, as secas de todo sempre, e com elas a fome, a sede, o fim do
mundo a cada ano, ainda tem de suportar o trato desumano do próprio homem.
Fazem da carência sertaneja um meio de submissão política, de fortalecimento do
poder local e até de enriquecimento com a pobreza.
Em algum ou em
todo sertão sempre haverá um político, um gestor público, um líder local,
rogando para que não caia chuva de jeito nenhum. Urubus sobrevivem de carniça,
e sabem muito bem que quando o desvalido se dobra é hora de tirar o máximo
proveito. E então começam a usar o sofrimento humano como forma de
beneficiamento próprio. Lamentável, mas assim acontece em qualquer sertão.
E toda e tanta
história em algum lugar do sertão. Caminho do Conselheiro e de seus fanáticos
seguidores, abrindo veredas e construindo igrejas. Destino e passagem da
cangaceirama e da volante, as batalhas travada pelos arredores, as cruzes ainda
testemunhando um tempo de lutas sangrentas debaixo do sol. E de boca em boca a
permanência do Capitão Lampião e seu bando.
O cangaço é
sertão e por todo lugar no sertão. De sua história ainda sopra a honra
destemida do sertanejo, em grande parte do povo ainda cultivada a memória
daquela sina de final mais triste. Por isso que não mataram Lampião, ainda
dizem. É o próprio sertão que deseja sua eternidade. E ninguém consegue tornar
em esquecimento aquilo que alimenta o aguerrido orgulho de um povo.
Assim em algum
lugar no sertão ou por todo o sertão. Esteja onde estiver o sertanejo, no
casebre ou na cidade, calçado em roló ou pisando em espinho, sempre estará na
presença de um retrato único: ele mesmo na sua singela grandiosidade. Assim todo
filho da terra de algum sertão.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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