Por Rangel Alves
da Costa*
O Brasil é a
pátria do miolo de pote. Aliás, o pote é meio de sobrevivência de políticos,
governantes, autoridades e todos aqueles que vivem de promessas. Sendo o miolo
de pote a conversa fiada, o engodo, a mentira, então os gestores públicos vão
matando a sede das pessoas com o inexistente, com a falsidade, com o
contorcionismo verbal. Por saberem que o povo acredita até em mula-sem-cabeça e
lobisomem da meia-noite, então vão discursando o que não foi feito e prometendo
o que nunca será, num jogo de encenação geralmente aplaudido euforicamente.
O pote é
também tábua de salvação para quem não gosta da verdade e vai buscando
justificativas vazias para seus embustes. A verdade é que dificilmente alguém
já não foi acusado de estar fazendo uso do pote para fugir de suas
responsabilidades. E quem não tem o que dizer e fala somente besteira também se
serve do cumbuco de barro vazio. É por isso que o linguajar interiorano cunhou
expressões como “Zé Loroteiro acha pouco colocar chifre em cabeça de cavalo e
ainda vem com conversinha mole de miolo de pote”, ou “O cabra é tão mentiroso
que nem miolo de pote mata sua sede”. E por aí vai.
E só mesmo na
terra brasilis para que um mero vaso forjado no barro tenha serventia muito
além do que simplesmente guardar água. Mas o uso feito é com ele totalmente
vazio, seco, oco, sem líquido no meio nem barro embaixo, apenas o espaço do
nada. E assim porque é no vão do nada que muitos se dão ao trabalho de encher
com deslavadas mentiras, invencionices sem pé nem cabeça, lorotas, conversas
pra boi dormir. E como o povo é mestre nesse enchimento, na colocação do nada
onde nada existe.
Mas o pote de
miolo oco, vazio, sem nada por dentro, vive assentado numa pilastra mais que
propícia para que subsista e tenha cada vez mais importância, pois logo
reconhecível no reino do faz de conta, que foi outra denominação dada às
antigas terras de Vera Cruz e hoje mais conhecido por outro nome. Contudo, não
são poucos os que preferem o reino do faz de conta a qualquer outro nome, e
justificam bem sua preferência.
Dizem que
reino do faz de conta resume bem como as coisas acontecem nessas bandas do
além-mar português. Nada parece ser sério, nem povo nem governantes; nada
parece comprometido com a verdade; nada parece nascido de um povo mentalmente
civilizado. É tudo no faz de conta mesmo. Faz de conta que o povo é socialmente
protegido, faz de conta que a sociedade cobra do governante, faz de conta que
um se compromete com seriedade e faz de conta que o outro acredita. É tudo na
festa, na brincadeira, no circo, na fanfarronice.
Pois é neste
reino que o pote está devidamente assentado. E alguém já observou – e com
justíssima razão – que nunca se viu um utensílio ser mais útil a um reino do
que um pote vazio cujo povo acredita no seu miolo. Não só acredita como bebe de
seu nada e se enche do inexistente. É um povo contente com tudo, fácil demais
de ser enganado, submetido, achincalhado. É um povo eternamente adormecido no
berço esplêndido do seu reino, com nada parecendo incomodar, ainda que a cada
dia seja chacoteado pelos detentores do poder.
O miolo de
pote faz parte da cultura nacional e por isso mesmo deve ser cuidadosamente
preservado, já disse um político famoso. Impossível se governar sem o miolo do
pote, afirmou um governante. E acrescentou: Como a gente podia prometer, mentir
ao povo, repetir e repetir o que não existe e depois se fazer de esquecido se
não fosse o miolo de pote? Ora, o povo acredita mais na existência do miolo de
pote do que no próprio governante, e por isso mesmo é preciso dar ao povo o que
ele merece.
A vida
política do reino é, pois, toda construída no oco do pote. Basta ver quantos
vazios são citados nos discursos dos governantes. Promessas de que vão dar
tratamento diferenciado às questões que envolvem educação, saúde e segurança,
acabam se confirmando que não passam de miolo de pote. Retóricas floreadas
prometendo o fim da corrupção, a investigação e punição de culpados e não
aceitação de que os mesmos lamaçais se repitam, não passam de miolo de pote.
Palavras bonitas prometendo um novo tempo de progresso não passam de miolo de
pote.
Quer dizer, o
reino praticamente vive do que tem dentro do pote vazio. São promessas tão
repetidas que se tornam lama endurecida. Só mesmo no reino do faz de conta para
que se acredite em tanta lorota, em tanta fantasia, tanta conversa fiada. E há
quem duvide que o miolo do pote jamais seja preenchido com aquilo que a
sociedade precisa para matar sua sede: viver com dignidade e respeito e não ter
como esmola aquilo que lhe é de direito.
Certa feita o
Coronel Pantoja, já não suportando mais tanto miolo de pote vindo da autoridade
governamental de então, resolveu acabar de vez com a afronta. E enviou-lhe uma
missiva dizendo que tinha o remédio certo para acabar com aquela conversa de
dar um jeitinho em tudo sem dar jeito em nada. Ou o governante cumpria o
prometido ou seria colocado em cima de um pau de sebo na próxima vez que
aparecesse ali. E seu pote seria quebrado até aparecer o miolo.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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