segunda-feira, 26 de janeiro de 2015

JERDIVAN NÓBREGA DE ARAÚJO E A IRMANDADE DOS NEGROS DO ROSÁRIO DE POMBAL

Por José Romero Araújo Cardoso

Jerdivan Nóbrega de Araújo vem despontado como uma das mais brilhantes revelações no campo da História local das última décadas, tendo nos presenteado com obras importantíssimas quem vem enriquecendo a historiografia do velho rincão sertanejo, conhecido como “Terra de Maringá”.

Bacharel em Direito, pesquisador da História de Pombal, membro efetivo do grupo de estudos Benigno Ignácio Cardoso D´arão, vinculado a mais que cinquentenária Coleção Mossoroense, por onde publicou dois valiosos títulos – “Quando se falou bem de Pombal” e “A pequena biografia do Senador Rui Carneiro” – Jerdivan Nóbrega de Araújo fez a apresentação do Volume VIII da biografia de Vingt-un Rosado, Jerdivan é autor ainda de outros importantes trabalhos, a exemplo de “A saga da cabocla Maringá”, “O crime da Rua da Cruz”, etc.

Publicado em primeira edição no ano de 2014 pela Editora Imprell, de João Pessoa/PB, a recente produção historiográfica de Jerdivan, intitulada de “A Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal” destaca-se pela análise extremamente oportuna acerca de uma das mais importantes e significativas confraria Pombalense, a qual, em depoimento do Agrônomo e Historiador Verneck Abrantes de Sousa, no prefácio do livro, ao lado da Igreja de Nossa Senhora do Rosário exponencializa-se “pelo seu significado histórico, cultural, religioso e folclórico”.

Indubitavelmente sensibilizado pelo sangue negro que corre nas veias, Jerdivan Nóbrega de Araújo imprime viés extremamente humanista em sua obra, diferindo radicalmente de autores como Raimundo Nina Rodrigues (1862 – 1906) e Silvio Romero (1851 – 1914), entre outros, que enxergaram as manifestações afro-brasileiras com olhares indiscutivelmente racistas. Nina Rodrigues em sua obra “Os Africanos no Brasil” não poupou esforços em taxar negros e mestiços como marginais, sendo estes os verdadeiros responsáveis pelo subdesenvolvimento do país.

No trabalho de Jerdivan Nóbrega de Araújo sentimos a ausência de um sumário que pudesse permitir ao leitor melhor desenvoltura no encaminhamento da compreensão do livro.

Depois do prefácio e da introdução o livro destaca as “Origens da Devoção a Nossa Senhora do Rosário e a Criação das Irmandades”, frisando a importância do Dominicanos que enfatizaram a primeira ordem em Colônia, na Alemanha, dedicada ao culto dos brancos ao Rosário. Em Lisboa foi criada a primeira fraternidade de africanos libertos.

O culto ao Rosário tomou impulso após a vitória cristã na batalha de Lepanto em sete de outubro de 1571, quando duzentos e oito galés e seis galeaças cristãs enfrentaram duzentas e trintas galés turcas. Miguel de Cervantes, célebre autor de “Dom Quixote de la Mancha”, participou dessa batalha.
Em seguida o autor enfatiza capítulo intitulado de “A Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal”. Alicerçado em documentação fornecida pela Profa. Dra. Alba Cleide Calado Wanderley, constante nos agradecimentos da obra, destaca-se que a confraria de negros pombalense em adoração ao Rosário foi criada, através da Lei N. 858 de 10 de Novembro de 1888, ou seja, pouco depois da abolição da escravatura. Destaca ainda a gênese da formação dos grupos folclóricos que integram a Irmandade.

Informações orais, como as que prestou o Sr. João Raimundo da Silva (João Coremas), aventam a hipótese de que a tradição de adoração ao Rosário anteceda ao final da década de oitenta do século XIX. Jerdivan faz menção de que estas possam estar ligada às manifestações culturais incentivadas pela Confraria de Nossa Senha do BomSucesso.

Conforme Jerdivan destaca na introdução “o primeiro compromisso da irmandade dos negros de Pombal foi sancionado pelo presidente da província da Paraíba, Pedro Francisco Corrêa de Oliveira, através da Lei civil número 858, de 10 de novembro de 1888, compondo-se de sessenta artigos, distribuídos em 12 capítulos”.

O terceiro capítulo enfatiza a figura mítica e lendária de Manoel Cachoeira (Manoel Antônio de Maria Cachoeira), fazendo indagações, entre outras, sobre sua procedência, provavelmente um branco do algodão, denominação essa direcionada aos negros libertos que alcançaram certa projeção econômica graças à cotonicultura.

Conforme a tradição oral, Manoel Cachoeira realizou três viagens a Olinda, intuindo conseguir autorização do Bispo para criar a confraria, sendo ele o primeiro juiz oficial, depois de aprovado o Compromisso em 1888.

O quarto capítulo tem o título de “O Compromisso Clérico da Irmandade de Pombal não é de 1895”, pois até então tinha-se como oficial o datado do dia 18 de julho de 1895, publicado pela primeira vez no livro “Velho Arraial de Piranhas – Pombal”, autoria do historiador Wilson Seixas.

O quinto capítulo destaca que “Dois Compromissos: O Civil e o Eclesiástico organizam a Confraria de Pombal”. No artigo primeiro do compromisso Eclesiático referenda-se que fica instituída a irmandade de Nossa Senhora do Rosário. Ambos são estatutos de criação da confraria negra pombalense. 

O sexto capítulo vai enfatizar a forma como a administração da confraria está estabelecida, sendo que ambos os compromisso se intercalam divergindo em alguns aspectos, pois o civil existe a previsão de cargos e mais os femininos. O sétimo capítulo trata da presença da mulher na irmandade, enquanto o oitavo e o nono, respectivamente, destacam os reis e rainhas do rosário nos últimos 126 anos.

O décimo capítulo, o qual traz o título de “Estudo de Ata de Reuniões”, foi severamente penalizado pela falta de clarividência de alguns, pois o autor não obteve a necessária autorização para efetivar estudo sobre todas as atas de reuniões da Irmandade dos negros do Rosário de Pombal, mas, mesmo assim, com o que dispôs, realizou impecável análise sobre a documentação disponível, destacando as formações da confraria.

No décimo primeiro capítulo Jerdivan Nóbrega de Araújo se detém sobre a História da Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Pombal, a qual inicialmente esteve ligada a Nossa Senhora do BomSucesso, da primitiva capelinha ao suntuoso tempo em estilo barroco que nos dias de hoje enriquece o patrimônio Histórico e Arquitetônico de Pombal.

O décimo segundo capítulo intercala o grupo folclórico negros dos pontões ou dos espontões e a confraria, frisando que, dos três grupos apenas este está intimamente relacionado à irmandade e à devoção ao Rosário, pois, formados desde as origens em relação direta com a família Rufino, aventa a hipótese que Manoel Cachoeira integrasse esse clã negro pombalense.

À semelhança com o grupo folclórico pombalense, outras localidades espalhadas Brasil a fora apresentam também os negros dos Pontões, para os quais o mestre Câmara cascudo definiu nomenclatura própria em seu dicionário do folclore brasileiro, denominando-os de negros dos Espontões e Dança dos Espontões.

Finalizando a parte dedicada aos capítulos, Jerdivan frisa que o Rosário adorado pelos negros de Pombal é o Tecebá Mulçumano, ou seja, marca indelével do sincretismo religioso no qual o principal da adoração tem relação intrínseca com a expansão islâmica pela áfrica negra.

Muitos negros chegados ao Brasil como escravos traziam consigo os preceitos do AlCorão. Ainda hoje verificamos a presença islâmica na cultura brasileira, como os turbantes ostentados pelas baianas.

Episódios importantes negados pela História oficial, como a revolta dos Malês, ocorrida no ano de 1835 na Bahia, estavam marcados pela importância da Jihad, a guerra santa dos mulçumanos.

Tecebá é o Rosário dos Malês, de meio metro de comprimento e 99 contas de madeira, terminando em uma bola em vez de cruz. Incorporado à adoração da confraria de negros pombalenses, o Tecebá dos negros islamizados afirmam a exponencialidade do sincretismo cultural que permeia um dos mais significativos marcos culturais do Estado da Paraíba.

A obra traz também anexos importantíssimos, como o Compromisso da Irmandade do Rosário de Nossa Senhora do Rosário da Cidade de Pombal, Província da Paraíba, ou seja a Lei Civil Número 858 de 10 de Novembro de 1888, o compromisso Eclesiástico da Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal, listas dos Reis do Rosário de 1888 a 2013, das rainhas do Rosário de 1948 a 2012, dos irmãos mesários da Confraria de 1949 a 2014 e da presença das mulheres, finalizando com riquíssima iconografia, com destaque para raríssima fotografia de 1948 do Rei Manoel Cachoeira e da Rainha Joaquina da Vassoura.

Referências bibliográficas extraordinariamente bem aplicadas encerram o trabalho de fôlego do grande e eminente pesquisador Jerdivan Nóbrega de Araújo, as quais dão conotação científica à oportuna obra sobre a Irmandade dos Negros do Rosário de Pombal.

Patrimônio imaterial do povo paraibano, a festa do Rosário de Pombal está intimamente relacionada à Irmandade dos Negros do Rosário. Faz-se mister assinalar que o sagrado e o profano que se intercalam no rito de resistência da confraria negra pombalense nem sempre tem sido visto com bons olhos pela oficialidade católica. Padre Acácio Rolim foi um dos que desestimularam à exaustão a tradição pombalense personificada na grande festa negra de adoração ao Rosário.

Intelectual irrequieto que vem se notabilizando além das fronteiras estaduais, Jerdivan Nóbrega de Araújo foi felicíssimo ao trabalhar objeto de estudo que urgia análise pormenorizada, não obstante percalços apresentados, como a impossibilidade de se deter sobre importantes documentos referentes às reuniões da confraria negra pombalense, mas que, no conjunto da obra, enfatizou com galhardia o que a História feita pelos donos do poder tem relegado, na maioria das vezes, ao obscurantismo, quer seja, a importância negra em nosso processo de construção sociocultural.

José Romero Araújo Cardoso. Geógrafo. Escritor. Professor-Adjunto IV do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente. Contato: romero.cardoso@gmail.com. Celulares: 084-9702-3596 (Tim) – 084-8738-0646 (Oi).

Enviado pelo professor e pesquisador do cangaço José Romero Araújo Cardoso

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