Por Clerisvaldo B.
Chagas, 21 de novembro de 2014 - Crônica Nº
1.308
“Preparei-me para partir. Não tinha muita coisa para levar: algumas peças de roupa, algum dinheiro e a velha e espaçosa mala onde, mais uma vez, acomodara minha modesta biblioteca, tesouro do qual jamais me separaria. No ardor de meus 26 anos, três valores me eram inseparáveis. A coragem de tentar, a decisão de ‘vir para ficar’ e a convicção de que, um dia, atingiria o topo da montanha. Meus pais e parentes mais chegados tudo fizeram para que eu desistisse, mas uma força mais poderosa me arrastava, a correnteza era incontrolável...
Escritor
Floro e esposa Maria de Lourdes.
Aluguei a
boleia do caminhão do sr. Antônio Augusto e dirigi-me a Palmeira dos Índios,
numa reedição daquela primeira viagem. Sabia que, a 15 de dezembro, um navio
zarpava de Maceió com destino ao Rio de Janeiro, tocando nalgumas capitais do
Nordeste.
Dinheiro
pouco, minhas economias não bastavam para comprar uma passagem de primeira, nem
de segunda classe. O jeito foi adquirir uma de terceira mesmo! De certa foram,
foi bom, pois uma grande leva de nordestinos estava na mesma situação que eu, e
terminamos por alegrar-nos e apoiar-nos moralmente uns aos outros. Contávamos
piadas, cantávamos e ouvíamos a sanfona varando a noite e embalando nossa
saudade. A marujada gostava e, vez por outra, juntava-se a nós, dançando e
xaxando ao som alegre e ritmado.
Como a
confraternização era gostosa, os demais passageiros vinham “acompanhar de
longe”, e muitos acabavam por entrar na brincadeira. O comandante apreciava a
alegria contagiante do pessoal. A comida não era muito boa, mas dava para alimentar
o corpo.
O maior
problema era a dormida, devido ao frio, cortante e intermitente. Mas não nos
apertávamos: armadores não faltavam e cada um armava sua rede, todos irmanados
no mesmo desconforto. Pela manhã, podíamos subir ao convés e apreciar a imensidão
do mar, avistar os golfinhos em seu gracioso balé e tomar banho de sol.
Quantos
sonhos, quantos projetos, quantas ilusões! Cada um de nós era um desbravador
desconhecido, um guerreiro da esperança, um “Dom Quixote” a combater moinhos de
vento (...)”.
MELO, Floro de
Araújo. Vim para ficar”. Rio de Janeiro, Bolsoi, 1981.
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