Por Rangel Alves
da Costa*
Tudo que diga
respeito a sertão assume logo lugar de destaque nas manchetes, principalmente
quando se trata do sofrimento do seu povo, das estiagens devastadoras e demais
intempéries tão próprias da região. Os livros também gostam de pincelar a
ossatura humana e a vegetação esquelética e desgrenhada. E de boca em boca,
principalmente naqueles que estão distantes, o retrato desenhado é de moldura
carcomida e feia.
Logicamente
que há um realismo exagerado, mas nem de todo inverídico. Do mesmo modo, não há
situação retratada que já não seja conhecida desde os tempos mais distantes.
Como a seca é problema endêmico, jamais terá fim, igualmente as descrições e os
relatos acerca de suas incidências. A carcaça do bicho, a planta morta, o barro
rachado, a desolação, tudo isso apenas se renova por cima do mesmo cenário de
outros tempos.
Mas o sol e a
seca do sertão também motivam relatos que vão além das situações tão
conhecidas. O próprio sertanejo de repente começa a descrever situações
verdadeiramente inacreditáveis para muitos. Não fosse a palavra honrada do
homem da terra logo se diria ser pura invenção. Mas não, tudo verdade. Ou quase
tudo. Desde a história do calango engolido vivo ao relato do ensopado de pedra
com folha seca de catingueira. E muito mais.
Contam que
havia um menino que mal começou a caminhar e já dizia com precisão se a
chuvarada iria cair ou não. Ainda meninote e já tido como verdadeiro profeta
sertanejo, sendo cotidianamente visitado por muitos querendo saber se havia
alguma esperança de terra molhada. E ele olhava as cores do horizonte, a feição
das folhagens e o voo dos passarinhos, para em seguida sentenciar: Quem tiver
com sede guarde cuia d’água. Ou: É bom ir tirando o grão da cumbuca. Ou ainda:
Amanhã mesmo vai ter bafo de chuva encobrindo tudo. E que cheiro forte vai ser!
Não demorou
muito e uma estiagem danada começou a tomar conta de tudo. E uma verdadeira
peregrinação diariamente acorria até a casa do menino na expectativa que desse
alguma notícia boa. De início até que ele encontrava encorajamento para falar a
verdade e dizer que não via sinal de chuva de jeito nenhum. Mas depois,
sentindo que o povo não aceitava mais sua resposta, querendo a tudo custo que
anunciasse trovoada com brevidade, foi ficando cada vez mais calado. Até que
não respondeu mais a ninguém. E emudeceu de vez.
Completamente
mudo permaneceu por três anos seguidos. E este foi exatamente o tempo que durou
uma das maiores secas da região, até hoje tida como a devoradora de bicho e homem.
Mas num entardecer, enquanto revirava pedra para ver se encontrava algum bicho,
eis que olhou pra cima e disse: Ela já vem, a chuva já vem! E se danou a gritar
que a trovoada seria das grandes.
A ficção e o
memorialismo também servem para ilustrar o drama nordestino e assim já ganhou
pujança pelas mãos de Rachel de Queiroz, Graciliano Ramos e Jorge Amado, dentre
outros. Portinari igualmente transpôs para as telas, com pinceladas de nudez
cortante, a saga dos retirantes, o entristecimento nas faces esqueléticas e a
morte sendo carregada nos braços. Num dos meus livros também tomo a seca como
pano de fundo para abordar a fragilidade do homem perante as forças da
natureza.
Tudo está
descrito num conto chamado “O menino que nasceu verde”. Como sugere o título,
conta a história de um pequenino sertanejo que nasceu com tez esverdeada. Mas a
cor do menino não significa quase nada diante do que o destino lhe reservara,
eis que sua vida, igualmente uma planta sertaneja, dependia das condições
climáticas. Assim, se a chuva caísse o menino tinha sua seiva alimentada e
desenvolvimento normal, mas, ao contrário, o surgimento de qualquer estiagem
sinalizava perigo de existência, fazendo com que começasse a definhar como uma
folha seca.
Numa situação
tal, logicamente que os pais do menino se viam numa situação difícil de
resolver, pois sabendo que a vida do filho dependia das chuvas. Ou chovia e sua
cor esverdeada ganhava força e viço, ou se tornava de um marrom acinzentado,
frágil demais, quase sem esperança de sobreviver. E eis que uma seca medonha
começou a tomar conta de toda a região. Aos poucos foram ficando sem água até
para encher a cuia e ir derramando por cima do filho. E sem água seria morte
certa.
Pobres demais,
os desesperados pais até que pensaram em subir num pau-de-arara e tomar o rumo
de qualquer lugar onde caísse chuva e seu filho pudesse ser salvo. Mas não
havia tostão para nada. E a cada dia o pequenino secando, esturricando, em
tempo de se tornar num graveto de chão. Quase não se movimentava, sequer abria
totalmente os olhos. Tomados de aflição, sem mais saber o que fazer, os pais se
entregavam dia e noite às preces e orações, implorando a todos os santos que
uma nuvem de salvação derramasse a vida sobre seu filho.
Aquela seca
foi impiedosa demais. As estradas eram tomadas por beatas em procissão, todas
as promessas eram feitas, os santos eram exortados e até enterrados na terra
seca. Mas nenhum pingo d’água. E o menino? Não precisou nem ser enterrado. Seus
pais juntaram os restos da folha seca e jogaram ao vento.
Poeta e
cronista
http://blograngel-sertao.blogspot.com.br/2014/11/historias-de-sol-e-seca.html
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