Por Rangel Alves
da Costa*
A
sobrevivência humana, da mais lastreada na riqueza econômica a mais humilde,
deve ser pautada na obediência a leis. E regras no sentido de norteamento de
conduta, de dar sentido útil ao pouco ou muito que se tem. Em muitos casos,
como ocorre com a opulência material, há maior flexibilização na observância
dos princípios. O mesmo não ocorre perante aquelas pessoas mais humildes,
empobrecidas mesmo, que não podem fugir aos ditames impostos a cada dia sob
pena de comprometer a própria existência.
No sentido da
pobreza, diversas são as leis que permeiam o próprio sentido da vida. Há um
postulado chamado lei da compensação, segundo a qual as pessoas, ainda que
materialmente empobrecidas no percurso da sobrevivência, são enriquecedoramente
recompensadas noutros aspectos da mesma sobrevivência. O que falta na mesa pode
recompensado no encorajamento para o trabalho. A rusticidade da moradia é
reparada pela felicidade que reina no lar.
Há outro
primado denominado lei da equivalência, e o mesmo diz que nenhum elemento pode
ser perdido, aumentado ou diminuído sem que os outros elementos restantes se
equivalham. Quer dizer, uma situação deve corresponder à outra e dentro das
mesmas proporções. A pobreza, por exemplo, deve estar amoldada às condições de
sobrevivência das pessoas, sem mascarar a realidade vivenciada ou mostrar-se
além do comumente suportável.
Tanto a
compensação como a equivalência implicam, com relação à pobreza e ao modo de
vida das pessoas mais carentes, no surgimento de um princípio maior, e este
considerado como lei da sobrevivência. Mas esta não no sentido da
competitividade animal, e sim da busca dos recursos disponíveis à manutenção da
vida. Esta sim, esta é a lei por excelência que rege toda a vida de uma classe
esquecida pelos governantes, desprovida do reconhecimento e valorização,
entregue à própria sorte e à própria força.
A lei da
sobrevivência implica em reconhecer que alguns seres humanos, muito mais que
outros, vivem em constante luta não só pela sobrevivência, mas também para a
continuidade da existência no dia seguinte. Diante da urgência da vida, da
necessidade do pão, sequer se tem como relevantes aspectos como dignidade
humana, proteção social e exercício da cidadania. O que sempre se sobressai a
quaisquer outros aspectos é a preocupação em garantir os meios necessários à
simples e humilde existência.
Também não há
que se falar em mais fortes e mais fracos, presas e predadores, na necessidade
de submeter o outro para sobreviver. Ninguém faz armadilha para que o próximo
sirva como alimento. O inimigo maior a ser vencido, subjugado, é sempre a
carência. Como a pobreza não pode ser vencida de um instante para outro nem
camuflada em nome da fartura e abastança, o que move o instinto do povo
empobrecido é simplesmente a necessidade da vida, de continuar sobrevivendo.
Jamais cada um para si; quase sempre a comunhão que modestamente divide o pão.
Neste aspecto,
haveria de se reconhecer a existência de uma lei do casebre. Ou mesmo da
choupana, do barraco, da tapera, da casinha de sapé, no arremedo erguido com
barro batido e cipó entrelaçado. Os reflexos vivos da lei da sobrevivência aí
estariam plenamente visíveis, avistáveis na nudez do olho que não teme desafiar
os sentimentos da alma. E a lei do casebre poderia ser definida como a relação
do homem perante sua condição, cuja soma equivale ao que realmente se dispõe
para sobreviver.
E lei que
implica a observância de diversos fatores. Em primeiro lugar, a pobreza não é
uma negação da vida nem um mal que denigre socialmente o ser. Em segundo lugar,
a aceitação da condição de pobre não implica em aceitar viver nesta condição,
mas numa busca desenfreada para reverter ou melhorar tal situação. Em terceiro,
deve-se reconhecer o bem do qual se dispõe como riqueza maior, tudo fazendo
para que a fortuna sempre reste no dia seguinte. Por último, saber conviver com
a situação, reconhecendo a carência e lutando para eliminá-la.
Implica também
na adoção de diversas estratégias. E dentre estas o saber reconhecer alimento
naquilo que outras pessoas não valorizam na panela e na mesa; reconhecer o
valor de cada grão, de cada gota de água, de qualquer pedaço de pão, de tudo
aquilo que possa alimentar os seus; ter o alimento conseguido não como algo que
deva ser consumido com gulodice, mas apenas na medida suficiente para afastar a
fome, vez que a sobra talvez seja o que reste para o dia seguinte. Daí que a
fartura maior é o próprio pão do instante.
Assim a lei do
casebre, que outro primado não é senão a da dura e penosa luta pela
sobrevivência. Mas onde pessoas não são encontradas pelos cantos choramingando
o destino ou entregues à desdita do espreguiçamento. O reconhecimento da
pobreza as torna cada vez mais altivas, orgulhosas de seus ofícios de lutas e
esperanças, sempre carregando nos semblantes o sorriso terno da humildade e uma
auréola inafastável da imensa religiosidade.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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