Por Rangel Alves
da Costa*
Já desde uns
cinco anos que não tenho o imenso prazer de chegar num pé de balcão sertanejo e
pedir uma cachacinha da boa, uma pinga com raiz de pau, uma aguardente
preparada com mistura da terra. Disse imenso prazer porque não há nada mais
prazeroso que derramar um pingo pro santo e depois deitar goela abaixo uma boa
relepada de cana.
Contudo,
bebedor que se preza gosta de ter na mão o quebra fogo da pinga. Daí que quando
o vendeirim não coloca no balcão uma cuia com umbu, cajarana, pilombeta ou
perna assada de preá, será preciso que o bebedor já chegue com seu
acompanhamento. Por mais que a pinga desça a seco, verdade é que ninguém
dispensa um sabor diferente para tirar a arripunação.
Em boteco de
luxo o acompanhamento é na base do tira-gosto, sortido e a preço alto. Ali se
pode escolher desde pratos com carnes variadas a camarões e lagostas.
Costumeiros são os caldinhos de mariscos, de feijão com carne seca desfiada, ou
as invenções que têm mais preço que sabor. Ora, basta abrir o cardápio e a
carteira e tudo está resolvido. E com fartura.
Do mesmo modo,
a cachaça desses botequins não se compara em nada com a verdadeira pinga de pé
de balcão. Em primeiro lugar, porque é geralmente destilada, cheia de química e
impurezas. Em segundo, porque não desce macia nem vem acompanhada - quando se
deseja - da casca ou da raiz de pau, que não só dá sabor inconfundível e cheiro
aromático, como possui serventia de remédio. Lógico, se bebida com moderação.
Dito isso, não
há como se duvidar das qualidades da cachaça sertaneja. Acaso o cabra deseje
tomar ela pura, e dependendo da confiança que tenha no vendeirim, certamente
que estará desfrutando de uma aguardente de engenho, de feitura manual e do
mesmo modo que era produzida desde séculos atrás. Daí seu perfume
inconfundível, forte, estonteante. E gostoso demais.
Mas no
botequim, através da alquimia bodegueira, a cachaça pura vai se transformando
segundo a vegetação da região. Adentrando na mata de facão afiado, vão enchendo
aiós e bornais das recolhas da umburana, quixabeira, angico, bonome, cedro e
toda uma mataria. No preparo, há utilização das cascas, folhas ou raízes, bem
como das lascas da madeira em si.
Dependendo da
mistura, o mato ainda verdoso é pinicado e colocado na garrafa. Depois esta é
bem lacrada e colocada embaixo do balcão e aí fica apurando de dois a três
dias. Quando sai da toca para ser servida já está com coloração diferente,
afogueada ou amarelada. Mas noutras ocasiões, é a folha, a raiz ou casca que
primeiro tem de secar para depois ser misturada à branquinha. Muito vendeirim
aproveita a casca seca e rala para utilizar o pó como mistura. De qualquer
modo, sempre uma delícia autêntica e sem frescura.
Antigamente
existia muito, mas hoje está cada está cada vez mais escasseando. Falo daqueles
copos pequenos e convidativos que eram utilizados para servir cachaça no
balcão. Encurtados, de fundo raso, já vinham com a marca do meio para o fundo.
Quer dizer, a medida indicava a dose que devia ser servida.
Mas como tal
medida sempre foi vista como irrelevante para uma gente com tanta sede,
geralmente o sertanejo mandava passar o pau. Quer dizer, encher o copo. E bem
cheio, eis que com a incumbência de ofertar um tiquinho ao danado do santo
beberrão que vive de boca aberta no pé do balcão. E esperto também, eis que
depois de beber se afasta rapidamente da cusparada.
Mas o que não
pode faltar é o acompanhamento para depois da talagada. E vale de tudo, desde a
fruta da estação, principalmente umbu e caju, ao pé de galinha afanado da
panela. Quem chega do mato logo coloca a mão no bornal e puxa um achado da
terra. E faz a festa entre a talagada e o mordiscar.
Certa
feita, um sertanejo amigo, lá da querida Nossa Senhora da Conceição de Poço
Redondo, chegou ao pé de balcão com um umbu verdoso. Bebeu uma dose, beijou o
umbu e ficou por ali assuntando. Verdade é que ficou completamente bêbado sem
chegar ao caroço, se contentando em passar os beiços para sentir o sabor.
Ainda hoje é
chamado de beijoqueiro de pé de balcão. Imagine um homem desses embaixo dum
umbuzeiro. E tendo de lado um barril de cachaça da boa. Vixe Maria!
Poeta e
cronista
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