Por Rangel Alves
da Costa*
Coronel
Cupertino Sucupira mandou a negra velha passar o ferro em brasa com ele já
vestido no terno de linho branco. Depois, também já calçado em botina, chamou o
negrinho pra deixar o couro brilhando. Derramou por cima da cabeça quase meio
frasco de loção, colocou o chapéu, segurou o charuto entre os dedos, e saiu.
Não sem antes pentear e ajeitar cuidadosamente o bigode.
Tinha destino
certo: Cabaré Cacau Dourado, sob o comando de Madame Juju das Camélias, nome de
guerra da maior cafetina da região, porém respeitadíssima como dona e
administradora de bordel. De batismo era Jurema das Mercês, mas tornada Juju
quando um capataz afamado, depois de tirá-la da casa dos pais ainda menina,
abusá-la como bicho de chicotada, foi deixada só com a roupa do corpo numa beira
de estrada.
Assim, Jurema
se fez Juju no primeiro cabaré que encontrou. Mas foi uma quenga de sorte.
Bonita, ainda novinha, de pele jambeada como o cacau dourando, caiu nas graças
de um velho e poderoso coronel. Nunca o poderoso conseguiu ir aos finalmente na
bela flor de açucena, mas sentia confortado apenas com a visão do paraíso.
Morreu na cama do bordel, ao lado de Juju, feliz e com um documento na mão. Era
a escritura do cabaré, passada em nome dela, e com a garantia de muitos contos
de réis para levar o negócio adiante.
Daí em diante
Juju se fez quenga de poucos homens, geralmente de coronéis, políticos e
governantes. Muitos destes saíam das distâncias para se ajoelhar aos pés da
bela Juju e implorar por um momento de amor, ainda que nem o sexo propriamente
dito fizesse parte do rico cardápio. Mas eis que um dia lhe aconteceu o que
menos desejava. Lançou o olhar na direção de um jovem filho de coronel, que no
cabaré fora levado pelo próprio pai para apreciar os encantos raparigueiros, e
se viu completamente apaixonada.
Coitada da
Juju. Confortavelmente iludindo aquela velharia endinheirada, dona de bordel, e
agora tomada de arrepios de moça casta e solteira. A paixão foi tanta e tão
repentina que começou a definhar quando o velho pai informou que o filho
preferiu viajar pra Europa a fazer uma besteira. E confessou-lhe qual besteira:
havia desejado Juju muito além do normal.
Depois dessa
notícia a bela rapariga resolveu fechar o balaio de vez. Nem por pacotes e mais
pacotes de dinheiro aceitava mostrar o seu corpo para a poderosa clientela. E
prometeu que se preservaria intacta para qualquer dia que o destino fizesse
aquele coronelzinho entrar novamente pelas portas do cabaré. E passaram-se mais
de vinte anos para isso acontecer.
Depois da
morte do velho pai, o agora já casado e pai de filhos, futuro coronel de
patente de linho, retornou para tomar posse da herança. E numa daquelas tardes
resolveu visitar o Cabaré Cacau Dourado. E teve de correr para amparar nos
braços uma mulher que não suportou a visão do reencontro e desmaiou com feição
de felicidade. Ao abrir os olhos, Juju se deparou com os olhos do seu coronel
molhando os seus com águas de mar.
Desse dia em
diante se fizeram amantes. Duas vezes por semana o coronel entrava pela porta
dos fundos do cabaré, adentrava na alcova da ainda bela rapariga e ali se
entregava aos prazeres carnais. Os anos foram passando e o mesmo compromisso
entre os dois. Só que as visitas foram rareando e os encontros eram mais para
diálogos juntinhos na cama. Eis que somente ao lado de Juju ele se encorajava
para desabafar e falar de suas alegrias e angústias.
Mas naquele
dia o Coronel Cupertino Sucupira havia decidido ir até lá para fazer o que
jamais tinha feito durante todos aqueles anos. Iria confessar à amante o seu
lado cruel, perseguidor, violento, tudo nos moldes das monstruosidades
atribuídas aos coronéis da região. Confessaria que ele não era apenas mais um,
mas talvez o mais sanguinário, o pior. E ainda que estava resolvido a deixar
essa vida de crueldades e retornar à cidade grande com sua família.
Juju ouviu
tudo atentamente, com feição tranquila e calma, e depois falou: Nada disso é
novidade, Cupertino. Todo e qualquer coronel dessa região se mantém pelo temor
que representa e pela crueldade que pratica. Toda essa riqueza foi construída
com o sangue jorrado de inocentes, com as lutas entre poderosos, com as
disputas de poder, e assim desde antes de seu pai. O seu erro foi querer
permanecer coronel e tudo fazer como um coronel. Não precisa ser violento para
ter poder e nem precisa matar inimigo para assegurar a posse da terra. E se lhe
dói tanto agir assim é porque você não gostaria que fosse assim. E como você
gostaria que fosse? Basta ser do outro modo que você gostaria. Ainda há tempo
para ser rei sem fazer do trono uma crueldade. Ainda há tempo de ser apenas
você. E sendo apenas você, haverá o tempo que nos resta para nós.
E foi a última
vez que o Coronel Cupertino Sucupira ostentou aquele engomado terno de linho
branco.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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