Por Rangel Alves
da Costa*
Na verdade, o
sertanejo levanta mesmo antes que o galo desperte e comece a ensaiar seus
trinados. Quando o bicho vai anunciar a manhã, esta já é conhecida há muito por
quem pula da cama ainda com o tempo escurecido e vai preparando uma coisa e
outra para o longo dia.
Assim, ao
levantar não esquece o benzimento e a primeira oração do dia. E esta geralmente
se dá já lá fora no meio do tempo, quando a porta é aberta e os olhos procuram
os céus para pedir proteção. A mulher sempre prefere o oratório num canto da
casa.
Depois de
caminhar um pouco pelos arredores, na malhada da casa, retorna e vai até a
cozinha preparar um cafezinho. Café torrado, batido no pilão, e logo o cheiro
toma conta do madrugar sertanejo. Enche a xícara, coloca duas colheradas de
açúcar e vai bebericar da porta da frente adiante.
O tempo já
está mais claro, já se avistam os quadrantes da vida, a natureza ao redor, as
paisagens que murmurejam para dar bom dia. Aquela xícara de café serve apenas
para melhor despertar, pois dali a pouco tomará outra com alguma mistura.
A essa altura,
ainda em plena madrugada, a sertaneja já colocou o cuscuz de milho ralado no
fogão de lenha, colocou um pedaço de preá salgado na brasa e derramou o café no
bule. Dali a pouco o esposo chegará pra primeira sustança do dia.
No momento ele
está agachado segurando o peito da vaquinha para derramar o leite no balde. São
apenas três as vaquinhas que dão o leite para o uso familiar e para fazer dois
ou três queijinhos por semana. Leva uma caneca com farinha para experimentar um
leitinho quente ali mesmo.
Volta
apressado, senta à mesa e come pouco. Duas talhadas de cuscuz, uma perna de
preá, uma xícara de café, e pronto. Conversa com a mulher alguma coisa e se
prepara para começar os outros afazeres do dia.
Coloca nas
costas o alforje e o cantil, leva na mão a enxada e a foice e um facão preso ao
velho cinturão de couro cru. Está de alpercata e chapéu de couro também cru, de
roupa grossa e desgastada, vestimenta de todo dia para lidar com a terra, com
toco, com garrancho, com pedra e tudo o mais que vier pela frente.
Ajeita uma
cerca que foi derrubada por algum animal, se dirige até o cadinho da palma e
ali sai cortando duas carreiras, vai juntando tudo num só lugar pra mais tarde,
ao entardecer, levar pro gado se alimentar. Logo adiante, na outra parte do
roçadinho, está um trabalho mais duro.
O mato está
alto, crescido demais, com muitas ervas daninhas se alastrando por todo lugar.
Será preciso limpar a terra e prepará-la pra quando a chuva chegar e a semente
ser jogada na terra. Por isso que vai roçando, cortando, derrubando tudo,
deixando tudo ali mesmo pra secar e outro dia fazer coivara e queimar tudo.
O sol já está
alto, o calor se torna insuportável. Morde um pedaço de rapadura e bebe da água
do cantil. Retoma o caminho de casa porque já é hora de botar no bucho o que
tiver na panela. Se tiver, mas sempre tem qualquer coisa. Mesmo pouco, mas
sempre tem.
Depois do de
comer do meio dia não tem tempo nem de descansar, de tirar uma soneca
reparadora. Não demora muito e cela o cavalo magro para seguir até uma
propriedade mais adiante. O dono da fazenda precisa dos seus serviços pra
juntar um gado que se espalhou.
Faz o seu
serviço bem feito, coloca no bolso o ganho pela labuta no meio do mato, no
estropiamento pelas pontas de paus, e pega de novo o caminho de casa, voltando
cansado, porém contente e realizado.
Quando desce
do animal na frente da tapera já está quase escurecendo. Ao entrar em casa e
cumprimentar a esposa o faz para pedir que lhe sirva uma dose da casca de pau
apurada. Vira meio copo de aguardente na aroeira e somente depois se desfaz da
vestimenta sertaneja.
Dali a pouco,
depois do banho de cuia, o café com qualquer coisa e em seguida a noite para
viver e sonhar. Senta num velho tronco lá fora, olha tudo ao redor, agradece a
Deus por mais um dia e começa a afinar a viola.
E faz cantoria
até tarde da noite, até o olho cansar, o sono chegar e o herói completar com
honradez o seu dia.
Poeta e
cronista
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