Por Rangel Alves
da Costa*
Meus olhos já
conhecem a vida, já conhecem o mundo, já conhecem o tempo. De tanto avistar
paisagens, mirar horizontes e descortinar cenários, já conhecem as cores e as
molduras, as mudanças e as permanências.
Meus olhos já
espelharam as águas da fonte na minha infância, já brilharam a mesma imensidão
da lua iluminada do meu rincão, já se encantaram e choraram por cima das pedras
do rio que não passa pela minha aldeia.
Meus olhos já
avistaram a fome e a sede, e como ainda dói recordar as entranhas do meu
sertão; já miraram a secura da terra e a lindeza da semente brotando; já
esturricaram as lágrimas diante de mil sóis caindo no meu quintal. Tudo, ou
quase tudo, os meus olhos já viram, e por isso mesmo já sem aquele brilho
próprio dos encantamentos com o novo encontrado.
Meus olhos
eram amigos dos lenços, das mãos enxugando lágrimas, dos cantos que escondiam
as tristezas. Também eram amigos do sorriso, do aperto bom de felicidade, da
nobreza ao emoldurar aquilo que tanta alegria trazia à alma. Mas tudo noutro
tempo. Hoje meus olhos apenas veem.
Apenas veem,
mas de vez em quando querem se fechar de saudade. Quando recordo os tempos
idos, os passos percorridos pela estrada, as cancelas ultrapassadas, as
conquistas na alma e no coração, meus olhos logo sorriem. Mas em seguida,
apertam, sufocam. E começam a lacrimejar.
Lacrimejam com
as saudades e as recordações, choram diante de retratos e fotografias,
verdadeiramente naufragam quando penso em faces, feições, sorrisos, gestos, situações.
Mas se derramam em vazante quando o meu pensamento se distancia da realidade e
vai em busca de uma paisagem que jamais esquecerei.
Sim, jamais me
esquecerei daquela paisagem com pedra, espinho e flor. Sim, jamais será
esquecida no baú de minha memória aquela paisagem sertaneja com pedra, espinho
e flor. Debaixo do sol escaldante ou da lua mais bela e plangente, aquele
cenário emoldurado pela terra ressequida e tendo ao centro a pedra o espinho e
a flor.
Basta seguir
pelos caminhos sertanejos, por estrada de chão ou vereda aberta na mata, e logo
surgirão os elementos tão característicos daquelas distâncias. E adiante o
mandacaru, o xiquexique, a macambira, a palma, a aroeira, a catingueira, o
angico, o cedro. Também a vaca magra, o boi esquelético, o tanque lamacento ou
completamente petrificado.
E adiante
também o calango, a cobra, talvez um preá, uma nambu, uma rolinha fogo-pagô. As
plantas espinhentas se espalham de canto a outro, os galhos perfurantes ameaçam
os desatentos, as pedras pontiagudas ameaçam os solados, as tocas e moitas
escondem ameaças infindas. Tudo típico, tudo a própria vida do sertão.
Mais adiante
um casebre, um velho carro de bois, um jegue debaixo de um juazeiro, um tronco
de pau servindo com assento diante da choupana. Avista-se um cachorro magro,
sente-se no peito o calorão da estiagem, revira-se a moringa na janela e nada
encontra para matar a sede. Que vida, a desse sertão!
Mas ali também
a beleza da paisagem com a pedra, o espinho e a flor. A pedra grande escondendo
nas suas entranhas impensáveis raízes, pois dela vai brotando flores
amareladas, violetas ou avermelhadas, e nela também o nascimento da
cabeça-de-frade e sua auréola aveludada e tingida por incrível coloração. E
fazendo despontar pequeninas e lindas flores. E tudo nascido da pedra, na
dureza da pedra.
Também a
flores do mandacaru nascendo no alto de seus braços longos, encurvados e
espinhentos. Espinhos grandes, ameaçadores, mas dizem que nasceram e estão ali
não para ferir pessoas ou animais. São assim pontiagudos para proteger aquelas
flores dos raios do sol, pois apaixonados são por aquelas flâmulas amareladas
do jardim sertanejo.
E é por isso
que o sol não resseca o mandacaru. E também é por isso que vivo aflitivamente
saudoso daquela paisagem com pedra, espinho e flor.
Poeta e
cronista
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