Por Rangel Alves
da Costa*
Parecemos
viver nos limites desejáveis, mas quase sempre estamos nos abismos e nas superfícies.
E tudo ou tão profundo ou tão aparente.
Abismos fazem
pensar em profundezas, precipícios, buracos, escuridão. Mas também grandes
dificuldades, ruínas e caos. E ainda as trevas que assombram os seres.
Por sua vez,
superfícies implicam pensar nas partes visíveis e exteriores dos corpos,
naquilo que se apresenta externamente. Diz-se daquilo que está por cima de
algo, daquilo que se pode ver. O que está apenas aparente se mostra
superficialmente.
E por que,
ainda que permanecendo nos limites, também estamos nas superfícies e nos
abismos? Ora, quanto às profundezas, simplesmente porque não nos distanciamos
de nossas culpas, nossos medos, nosso doloroso passado.
E quanto às
nossas aparências exteriores, simplesmente porque tudo fazemos para demonstrar
situações que nos tornem distantes ou esquecidos dos abismos, aparentemente
resolvidos e com semblantes que expressem estados de felicidade e
encorajamento.
A pessoa tudo
faz para ultrapassar seu limite e tornar visível apenas aquilo que seja
enxergado positivamente pelo outro. Por isso aparenta contentamento,
tranquilidade, paz de espírito, comunhão com o que há de melhor na vida.
E sorri, e
canta, e dança, e parece querer voar. Ainda que não tenha motivos para estar
assim ou agir assim, tudo faz para repassar uma imagem de superfície positiva e
cheia de exultação.
Mas terá
validade uma superfície assim, apenas aparente, quando internamente, nas
profundezas do ser, tudo se mostra diferente, medonho, destruidor? Contudo,
impossível que os abismos estejam tomando o lugar da aparência. A pessoa sabe
que está mentindo para si mesma.
Mas então
surge outra questão: Mesmo reconhecendo seus abismos, suas lástimas interiores,
deverá a pessoa optar por abdicar do fingimento bom, que ao menos lhe dá
esperança de renovação, para entregar-se de vez ao que lhe aflige na outra
dimensão?
Dependendo da
pessoa, questão fácil ou difícil de ser resolvida. Fácil porque talvez não
deseje abrir mão de sua felicidade, ainda que frágil e apenas superficial, e
por isso mesmo luta contra seus abismos até não mais suportar.
E difícil
porque pode correr o risco de complicar ainda mais a situação. Ao desejar
enfrentar seus monstros interiores sem sair da superficialidade que lhe
sustenta e dá força, a pessoa certamente não enfrentará aquela dura realidade
com a determinação que deveria ter.
Por isso mesmo
comumente se diz que é preciso cair para aprender levantar, é preciso padecer
para encontrar soluções. Ciente da ilusória felicidade que estampa no rosto, e
objetivando alcançar uma paz duradoura, não há outra coisa a fazer senão descer
de vez ao seu abismo.
Descer,
reconhecer os erros e as culpas, sofrer se preciso for para, enfim, alcançar a
luz. Quem tem consciência desse seu próprio abismo e não teme encará-lo com
todas as forças, certamente fará da dor e do sofrimento aprendizados essenciais
para a posteridade.
Eis que
abismos interiores não surgem para que as pessoas desçam pelas escadas dos
erros e infortúnios e procurem submergir ainda mais. Surgem como espelhos, como
oportunidades para que as pessoas aprendam com os desatinos e depois emirjam,
ressurjam vitoriosos, prontos para a real felicidade.
Daí que os
nossos abismos, nossos problemas interiormente profundos, sempre provocam mais
lições proveitosas que as nossas superficialidades. Ademais, as aparências
enganam tanto que a pessoa pode mesmo deixar de se reconhecer. E numa situação
assim nada poderá ser resolvido, nem as dores da alma nem a mísera face do
fingimento.
Poeta e
cronista
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