Por Rangel Alves
da Costa*
De vez em
quando me bata uma saudade danada. Lembrança ora boa ora angustiante de coisas,
fatos, pessoas, lugares, dos passos pela estrada. Mas nos últimos tempos tem
acontecido diferente, pois ando tendo muita saudade de mim mesmo.
Brincadeira
não, pois verdade escrita a fogo. E tudo acontecendo de modo tão estranhamente
bom, ainda que às vezes nostalgicamente triste e pesaroso. Mas prefiro assim
que ter de suportar as realidades perversas e desumanas do tempo presente.
Fugindo dessa
visão pavorosa do dia a dia, eis que procuro me situar numa fronteira precisa.
Posiciono-me nos limites entre o passado e o presente e sempre prefiro olhar
pra trás. E seguir os seus passos. Abdico dessa realidade e viajo no tempo.
Olhando para
trás encontro o passado e neste a minha história, minha caminhada, toda minha
vida até o instante da recordação. E neste baú reaberto, ou janelas que se
abrem para realidades muito diferentes, enfim posso abraçar a vida com o que de
melhor ela já pôde oferecer. Mas inevitável que na mente surjam situações
demasiadamente dolorosas.
E é assim que
passo a ter saudade de mim. Saudade do tempo ido e vivido, da infância e
adolescência, da maturidade e todas as idades existentes num ser, dos amores e
desilusões amorosas, das peraltices e traquinagens, do copo cheio e dos bons
amigos ao redor da mesa.
São
instantâneos da vida que jamais podem ser esquecidos. Sei que no passado,
naqueles momentos fazendo ou isto ou aquilo, tudo apenas na normalidade dos
dias, como se nada pudesse ter tamanha importância mais tarde. Mas somente
quando o futuro nada mais traz que seja ao menos parecido, então é tudo aquilo
se torna necessária presença.
E hoje sinto
tanta saudade de mim porque sinto a verdade contida na estrofe daquela velha
canção: Eu era feliz e não sabia! Realmente, eu não sabia a grandiosidade que
era viver naquela antiga Nossa Senhora da Conceição do Poço Redondo. Jamais
imaginava que mais adiante eu teria tanta saudade daquelas ruas empoeiradas,
daquelas casas empobrecidas, daquela minha gente tão humilde.
Eu era feliz e
não sabia! Eu não sabia quanta falta me faria mais tarde aquelas noites de lua
imensa, aquelas caminhadas nas beiradas do riachinho, as brincadeiras com meus
amigos sertanejos. Jogar bola de gude, correr veloz no cavalo de pau, cortar
estrada com carrinho de mão, juntar boiada de ponta de vaca, correr descalço
atrás de uma bola murcha. E o banho nu pelo meio da rua nos dias de chuvarada.
Apenas
vivenciado o momento, eu não sabia quanta felicidade naquela singeleza de vida.
Jamais me esquecerei dos amigos reunidos catando sacolas plásticas pelos
quintais para fazer redes para os fundos do gol. Ou fazendo jogador de botão
com forminha de leite ninho. Pinicava o plástico duro, despejava na forma e
depois colocava embaixo de brasas. Depois era só esperar esfriar, soltar o
molde endurecido e ralar pelas calçadas até ficar lisinho. E em seguida dar
nomes aos jogadores. Eis o que não pode ser esquecido.
E como eu era
feliz proseando com velhos sertanejos, sempre curioso para ouvir causos de lua
e de sol, de bichos na mataria e até de fogo-corredor. E mais tarde, ao pé do
balcão, mandar descer uma casca de pau e brindar com aqueles que fizeram a
história do meu lugar. Vaqueiros, roceiros, aboiadores. Quanta saudade deles!
Mas também com
outras saudades, muitas outras saudades. Saudade de minha cidade com praças
arborizadas, flores pelos canteiros e até fonte luminosa. Das festas de agosto
antigas, seus inesquecíveis forrós e seus bailes no mercado. Que eventos mais
grandiosos e esperados eram os bailes de agosto no mercado.
Tudo isso me
faz ter saudade, muita saudade de mim mesmo. Não deste que apenas luta para
sobreviver, mas daquele que vivia para viver. Até os meus versos são outros.
Escrevo alegria quando a poesia é tristeza.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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Um comentário:
Excelente crônica sobre você mesmo, Rangel.
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