Por Rangel Alves
da Costa*
Acabei de
avistar as vizinhas na calçada. Aqui mesmo no trecho da rua onde moro, um pouco
mais adiante de minha casa, basta a noite chegar e logo uma parte da calçada é
tomada por cadeiras para as mesmas pessoas da vizinhança, todas mulheres e
sempre com proseados na ponta da língua, pois ali permanecem por muito tempo.
Um bom momento
para saírem do verdadeiro forno que estão as residências nesta época. Ninguém
suporta o calor durante o dia, e na noite não é muito diferente. Após o
anoitecer ainda é possível sentir uma aragem vinda da boca da barra, mas ainda
assim prevalecendo a quentura de fazer suar. E dizem que o calor redobra em
mulheres acima dos quarenta.
Na verdade,
são três irmãs que sentam do lado de fora para receber as amigas, e assim vai
chegando uma, depois outra, mais outra e assim por diante. Quando passo sempre
brinco dizendo que a tempestade já está se formando na barra e não vai demorar
muito pra mandar todo mundo de volta às suas casas. Prossigo no meu passo e
elas prosseguem nos seus proseados.
Não é difícil
saber o que tanto conversam. As irmãs não possuem fama de fofoqueiras nem vivem
sendo chamadas de olheiras da vida alheia, por isso mesmo creio que não
permitem nem estimulam na sua porta o dissecamento injurioso da vida dos
outros. Pressuponho, assim, que fartamente proseiam sobre assuntos femininos,
sobre situações cotidianas e uma gama de capítulos que somente as mulheres
sabem buscar nos baús.
Certamente que
um assunto puxa o outro e de repente já estão indo além das meras observações
rotineiras. E logicamente sempre fazendo considerações acerca de quem passa,
como passa, que roupa veste, com quem vai acompanhado, além de um ouvi dizer
que acaba entrando na esfera da pessoalidade e da boataria. Na verdade, só
mesmo Deus na sua onipresença para saber o que de oleoso e aquoso por ali se
derrama.

Mas acho
bonito e nostálgico encontrá-las ao anoitecer naquele local. Os centros
urbanos, principalmente as capitais, aos poucos vão perdendo o senso de
vizinhança, de amizade, de encontros como o que acontece com aquelas amigas. A
grande maioria das pessoas vive de portas fechadas e quando a noite cai não
aparece sequer na janela. Talvez o medo da violência ao redor e por todo lugar
seja o fator principal para o recolhimento nas horas mais escurecidas.
Infelizmente
não são apenas os grandes centros urbanos que deixaram de apresentar paisagens
noturnas com pessoas nas calçadas, senhoras recordando os idos nas suas
cadeiras de balanço, caminhantes pelas ruas na apreciação da luz do luar. Houve
um tempo em que a noite era propícia aos passeios no clima ameno. Mas as
mudanças não ocorrem apenas nas ditas cidades grandes, pois as regiões
interioranas também passaram a ressentir dessa transformação nos
relacionamentos, do distanciamento de vizinhos e do forçado enclausuramento.
Mas não só a
violência para afastar as famílias de suas calçadas. Os jovens sempre preferem
buscar ambientes de diversão a estar conversando com seus familiares ou pessoas
mais velhas; homens e mulheres aproveitam a noite para se prostrar em vigília
defronte às televisões; e são poucos os que ainda colocam uma cadeira do lado
de fora ou saem em rápidas caminhadas. Daí que não só as calçadas perdem as
noturnas reuniões, como as ruas e praças se veem praticamente desertas.
Recordo de um
tempo sertanejo aonde mulheres chegavam às calçadas com cestos de feijão para
debulhar, com espigas de milho para tirar a palha, com almofadas de bilros para
tecer suas rendas. Ou simplesmente para sentar nas cadeiras de balanço e
esperar a chegada da aragem boa e com cheiro de lua. E de repente o sono
chegando e, ali mesmo na calçada, os sonhos bons com tempos que não voltam
mais.
Poeta e
cronista
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