Por Rangel Alves
da Costa*
Há um
provérbio judaico ensinando que “Não se aproxime de uma cabra pela frente, de
um cavalo por trás ou de um idiota por qualquer dos lados”.
Os provérbios,
ou sentenças morais, conselhos ou expressões populares de conteúdo simbólico,
são sempre recheados de sabedorias, ainda quando carregados de gracejos.
Pelos sertões,
lá nas distâncias matutas de onde vim, os provérbios vagueiam no passo das
gerações. Mesmo os modismos desenfreados não possuem o dom de afastar as lições
repassadas como precaução ou norteamento de conduta.
O velho
Leobino, ou simplesmente Velho Lió, talvez possa ser visto como o rei das
sentenças e dizeres matutos. Dizem que ainda possui, e devidamente guardado
debaixo do colchão de capim, um caderno repleto de sabedorias. E tudo criado
por ele mesmo.
Mas nada
escrito por sua mão. Continua analfabeto de pai e mãe, como se diz por lá. Vai
matutando sentenças e pede ao neto que coloque tudo em papel. E depois guarda o
caderninho com todo cuidado.
Certa feita,
perguntado por que guardava aqueles escritos se não sabia ler uma só palavra, o
Velho Lió simplesmente respondeu que sua falta de leitura não significava que
desconhecesse suas sentenças. Bastava lançar o olhar sobre qualquer uma e fazia
a leitura que bem entendesse.
E eis o que
ouvi certa vez, e logicamente depois que o convidei até um pé de balcão e
ofereci uma boa dose de casca de pau. Depois de duas talagadas da casca de
angico na infusão de muitos dias, o velho passou a palha de milho pelo lábio
ressequido, ajeitou o fumo, fez o cigarro de palha e depois começou a soltar
das suas.
“Gemido de
cancela é chegada ou partida. Mas se a estrada estiver empoeirando nem esquente
o café que o larápio já levou seu cavalo”.
“Mulher que se
arruma toda e se perfuma dos pés à cabeça e depois vai correndo pra janela ou
porta de casa, certamente que não está esperando que seu marido vá lhe dar um
cheiro. O coitado ainda fica pensando que ela está esperando a procissão
passar”.
“Cuscuz ralado
que não cheira e café torrado que não perfuma no ar, nem de pacote bom deve
ser. Bem assim é a bondade demais que depois vai tirando proveito de tudo.
Melhor não aceitar do que se finge de bom para não ter de retribuir a quem não
presta”.
“Quanto mais
velhos o pote e a moringa mais a água é doce de se beber. Mas também não
precisa quebrar a cuia nova se não estiver com fome. Melhor fazer como aquele
que só come quando está com fome de não mais suportar. Então come farinha seca
com rapadura de lamber os beiços”.
“Por tudo na
vida evite o político. Não lhe abra a porta, não lhe estenda a mão, evite
cumprimentá-lo, passe distante de onde um estiver bordejando. Nunca lhe prometa
nem diga que vai pensar em ajudar. Se não fizer assim nunca vai ter sossego na
vida e vai sentir remorso pelo resto dos tempos”.
“Moça velha
quando levanta a saia é igual a jumenta nova quando levanta o rabo. As duas
estão querendo coisa, só que a jumenta é menos afoita e perigosa, ainda que dê
coice de vez em quando”.
“Não sei por
que a pessoa embebeda. Se a primeira cachaça é do santo, a segunda é da pessoa
e da terceira em diante não sabe mais de quem é, então a danada da pinga devia
ficar espalhada e não pesar tanto no juízo de apenas um”.
“Quando o
mandacaru se dobrar de secura é sinal de que até o calango já morreu. E homem
que ainda estiver de pé é porque enlouqueceu pensando que sol é chuva”.
E assim vai o
Velho Lió na sua sina sentenciadora pelos sertões adentro. Faz pouco tempo que
tive o prazer de ouvir, num entardecer debaixo de pé de pau, sua última
criação: “Quem disse que o sertanejo é um forte não separou o joio do trigo.
Muito menos o homem de verdade daquele que se torna preguiçoso por uma esmola”.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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