Por Rangel Alves
da Costa*
Os tempos são
outros. E dias sem janelas abertas ao entardecer, sem moça faceira debruçada à
janela, cadeiras nas calçadas, sem folhagens secas fazendo seus percursos na
ventania. Quanta beleza na poesia das folhas ao vento.
A menina bela
já não se encharca de lavanda, veste roupa bonita de chita, coloca flor no
cabelo e abre a janela esperando seu príncipe passar. Houve tempo em que a
mocinha tristonha esperava que a nuvem se abrisse e de lá irrompesse seu
príncipe encantado montado num cavalo alazão.
Desapareceram
os eternos poetas, os apaixonados dos jardins, os escritores de versos e
bilhetes arremessados na janela entreaberta. Versos curtos, palavras ligeiras,
rimas pobres para um rico amor. Juntando amor e dor, beijo e desejo, e lá ia o
coração caindo por cima da cama, pelos cantos do quarto, na esperança de uma
leitura e uma aparição na janela com semblante sorridente de aceitação.
Errantes,
noctívagos, poetas de lua e estrela, vates das noites solitárias e tristes,
amigos das noites chuvosas e de postes com suas luzes se derramando nas pedras
molhadas. Um último trago, um banco vazio num jardim entristecido, um olho que
mira uma janela em busca de avistar um grande amor. Ou a ilusão de todas as
noites. E o passo bêbado seguindo adiante.
Altas horas da
noite, e noite mais enegrecida pela nudez dos becos, pelas janelas e portas
entreabertas para a furtivamente chegada dos amantes. Passos lentos, leves, num
silêncio adúltero e apressado, com o corpo exalando a avidez do sexo roubado,
do sexo traído, do sexo na pressa do relógio do medo da descoberta, da chegada
de alguém. E um salto adiante ou um passo a mais e os corpos se encontrando
numa avidez de cio e de lascívia.
Colher flores
do campo para um buquê e presentear flor com flor. O amor verdadeiro pedia
reconhecimento, demonstração do quanto se expressava intimamente. E com o buquê
adornado, levando o presente quase escondido, seguia o apaixonado em direção à
casa de sua linda donzela. Sorte poder bater à porta e esperar seu sorriso,
dádiva também poder entregar sua lembrança ali mesmo na janela. Mas sempre uma
dolorosa aflição quando o buquê, pela dúvida da aceitação, tinha de ser deixado
no umbral da janela ou diante da porta.
Mesmo
desiludido, mesmo com coração dilacerado, ainda assim o nome da amada era
escrito nos muros da cidade, nas árvores que encontrasse, nas folhas das nuvens
e no pensamento. Como gostaria de desenhar um coração e dentro dele escrever os
dois nomes ou ainda abrir na casca do umbuzeiro, talhado a canivete, o símbolo
do amor demais. Ou mesmo riscar a fogo, numa tabuleta de madeira, o nome dela
por cima de um coração. O dele também já estava marcado com o fogo da paixão.
E as
serenatas, as cantorias, os versos em flor cantados debaixo da lua, no entorno
das janelas ou debaixo do cortinado. Uma voz e um violão e tanto amor no
coração. Voz amorosamente trêmula ecoando na noite, jogando pétalas
sentimentais, na esperança maior que ela acendesse a luz, afastasse as cortinas
e, entreabra a janela, mostrasse no semblante ruborizado e carinhoso sua
aceitação pelo gesto amoroso. Mas não chamando a polícia ou arremessando balde
de água, como tantas vezes aconteceu.
E lá vai o
menino levando uma maçã do amor, um pirulito, uma fruta colhida no quintal do
vizinho ou uma flor afanada num jardim qualquer. Lá vai o menino com seu olhar
de inocência apaixonada, seu segredo bonito, seu amor exalando primavera. A
semente do desejo espalhada como um brinquedo e colhida no encantamento da
idade. E como era bom amar assim.
Ao entardecer
e a voz do carteiro chamando ao portão. Entrega o envelope, parece perfumado,
um cheiro tão conhecido. Mãos duvidosas, hesitantes, colocam o envelope diante
do olhar quase lacrimejante. É ele, é dele. E corre ao quarto para abri-la
entre sorrisos e lágrimas. E alguém muito distante diz: Estou com saudade,
desculpe a pressa em dizer que te amo...
Poeta e
cronista
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