Por Rangel Alves
da Costa*
Após o labor
do dia, de tanto trabalho e agonia, vai chegando o entardecer e o descanso por
merecer, quando o sertanejo regressa ao que muito lhe interessa, que é arriar a
enxada e lá fora a caminhada esperando a bela noite, tão bela e enluarada.
O calor vai
amainando, uma brisa boa soprando, e enquanto olha o horizonte, do dia pra
noite a ponte, os olhos cansados se abrem, saudades que agora invadem, e
recorda o seu sertão como terra de promissão. Mas a promessa se faz com o que o
homem é capaz, e se não veio o esperado jamais ficou magoado, pois tem força
pra lutar e a filharada criar.
Olhar marejado
em espírito confortado. O por do sol vai sumindo e o sombreado surgindo, o dia
se vai no açoite e abre a porta para a noite. Ainda um som de passarinho, um
canto em qualquer ninho, a bicharada afoita se entocando na moita, na paisagem
sombreada o sono da mata cansada.
Mas nada dorme
na mata e logo um som se desata, a folhagem vai cantando, os seres encantados
chamando. O que parece adormecido está acordado e atrevido. Vai chegando a
caipora, o fogo-corredor a qualquer hora; vai chegando a mula-sem-cabeça, a
alma com sua terça; ouve-se o barulho do saci e mãe-da-lua por ali. São os
seres da floresta ou daquilo que ainda resta.
O sertanejo
acostumado, apenas se finge assustado. Respeita todo ser encantado e fica
admirado que ainda apareça na noite e pelo sertão pernoite, como querendo
avisar que tem dono no lugar e aquele que abusar e a caatinga derrubar, com ele
vai se acertar.
O sertanejo
vivencia tudo como um relampejo. De geração a geração e essas histórias no
sertão. O povo antigo do desconhecido era amigo, e tudo se torna eterno mesmo
no homem mais moderno. É a crendice popular que continua a encantar, com o
homem no seu lugar e o encantado a encantar.
Ouve um pio da
coruja. Eita bicha mais intruja. Ninguém gosta desse canto e muita gente tem
espanto. Da noite é a maldição, assustando o sertão. Mas medo mesmo que
estraçalha só mesmo a rasga-mortalha.
Seu agouro na escuridão é defunto no
caixão. Tudo acontece na noite, e naquela imensidão seu acoite.
Aos poucos o
silêncio recai na sombra que se esvai. O que era apenas marrom já vai tomando
outro tom. Ao redor escurecido, adiante enegrecido, a paisagem escurece, mas
outra luz aparece. É a luz da lua que vai chegando nua, toda radiante como bela
amante que vai abrindo os braços para os abraços.
A lua
sertaneja acaricia e beija. Dourada, a mais bela namorada. Cada ponta de luz
acaricia e seduz. E lentamente vai descendo, pela imensidão tudo envolvendo até
jogar todo o seu véu em cada canto, déu em déu. É o instante mágico do sertão,
é lua e coração, auréola que seduz e causa devoção.
E com a lua
chega a saudade, retratos antigos voltam sem piedade. Quer beijar a lua como
uma face, mas prefere guardar tudo em disfarce. E pega a viola para cantarolar,
música caipira pra rememorar, e vai dedilhando todo amor que há. E ao redor
tudo vira festa, o silêncio se torna seresta, um som de nostalgia revivendo
outro dia.
Pelo ar um
cheiro de café. No oratório o santo e a fé. A luz do candeeiro já está acesa e
o prato de cuscuz colocado na mesa. O menino corre querendo comer, só resta aquilo
e não pode escolher. Mas o que importa é matar a fome, pois barriga vazia tem
outro sobrenome. E a noite avança nessa vida singela, com o candeeiro de luz
amarela e lá fora a lua de luz a mais bela.
A viola é
guardada, é hora de entrar, precisa de um café e depois descansar. Amanhã é a
mesma peleja, tudo novamente na vida que traceja. Acena pra lua com olhar
contente, espera que seu brilho seja a semente a vingar na terra um amanhã
reluzente.
E a escuridão
a lua corteja. Um eterno amor na noite sertaneja. Assim sempre foi, assim
seja...
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre !"Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Nenhum comentário:
Postar um comentário