Por Rangel Alves
da Costa*
Os episódios
da seca possuem audiência garantida na imprensa, na agenda política, nas
intenções eleitoreiras e em todos os canais que dela tirem algum proveito, seja
pela repetição dos discursos, seja pelos descaminhos percorridos pelas verbas
surgidas em épocas de estiagens. Paradoxalmente, aquele que mais a assiste é
quem menos gosta de vê-la, que é o próprio homem vitimado pelas intempéries.
Diferentemente
da película enlatada que vai perdendo a qualidade pelo tempo e repetição, o
filme da seca parece ganhar força e cor infinitamente, vez que tudo revisto com
uma nitidez impressionante, absurdamente realista, como se o mandacaru
acinzentado e a catingueira desnuda estivessem diante do telespectador. E
qualquer crítico diria que a profundidade sobrepujou a forma.
Não há como
negar a dor da seca para os seus personagens. No palco ou no cenário em que
vivem não há trégua para se pensar noutra história. E tudo se repete como num
teatro eterno onde a cada encenação padecem os mesmos heróis, sofrem os mesmos
protagonistas e se toma de aflição até a plateia mais distante. Baixada a
cortina e recolhidos os escombros, novamente terão de suportar a mesma
encenação no dia seguinte. E isso ano após ano, numa eternidade.
E não há como
apertar e desligar o botão da realidade. Não há como fugir da sina, desse
impiedoso destino sertanejo. A nova seca é a mesma de muitos anos atrás, desde
que sertão é sertão. O que se viu ontem e se terá amanhã já está escrito desde
muito. E não há remédio prescrito contra as forças da natureza que produza
efeito eficaz e permanente. Assim como a terra árida se espalha pelo chão é a
nuvem que se esconde para deixar que o sol escaldante a tudo esturrique.
Desse modo,
enquanto predisposição natural, o ciclo da seca continuará sendo visitante
rotineira. As chuvas somem por um bom tempo e produz as consequências tão
conhecidas. Mas já que a sabedoria humana não pode impedir a ocorrência desse
fenômeno climático, que ao menos aja para diminuir o sofrimento dos seres que
com ela convivem. E desde os tempos mais antigos que se repetem as mentirosas
promessas governamentais.
Mentirosas
porque jamais cumprem sequer um terço do prometido e alardeado a cada nova
estiagem, sem falar nas incoerências das ações. Ora, é inadmissível que o já
conhecido e previsto para acontecer só se torne objeto de atenção e preocupação
quando já se anuncia no horizonte. É um verdadeiro absurdo que os governantes
primeiro tenham conhecimento da aflição sertaneja para depois começarem com
seus discursos de repasse de esmolas.
Mas isso
também é novela antiga e reprisada a cada governo. E a dura verdade é que
novamente a seca é anunciada na grade de programação da vida. As chamadas já
ocorrem nos horizontes, a saga se anuncia impiedosa, voraz, talvez agora com
cenas inéditas, se assim fosse possível acontecer. Ora, o mesmo ontem
angustiante diante do olhar. Contudo, de tanto ser repetida, reprisada e
conhecida, surgirá a inevitável indagação: vale a pena ver de novo?
As respostas
serão muitas e quase todas no sentido de não mais querer testemunhar tantas e
tão conhecidas cenas de dor e sofrimento. Contudo, uma parcela, ainda que não
tenha coragem para responder claramente ou assumir sua expectativa, certamente
se mostrará exultante e feliz porque os episódios se repetirão. E talvez ainda
mais realistas e com maior dramaticidade.
Como aves
agourentas ou urubus carnicentos, alguns esperam ansiosamente que a tela
ressequida vá mostrando as paisagens acinzentadas, moribundas, a magrez ossuda
dos rebanhos, a lama do fundo do poço petrificar, os horizontes desesperançosos
e o homem da terra recurvado em preces ou com tez crivada de aflição. Eis o
cenário ideal para que políticos logo procurem tirar proveito da situação.
E não há nada
mais proveitoso que uma seca devastadora às vésperas de uma eleição. Enquanto a
imprensa noticia a iminência da catástrofe natural e o homem da terra já começa
a pensar na fome e na sede nos bichos e nos seus, o olho desumano da política
já se lança perante aqueles rincões. E assim que as candidaturas sejam lançadas
uma romaria de interesseiros chegará ao sertão oferecendo o fubá do dia e
dizendo que nada daquilo voltará a acontecer. Se eleito será Deus e acabará de
vez com as secas.
Assim, de
mentiras e mentiras vão iludindo os mais desesperançados, aqueles personagens
desse infindável folhetim ou drama de fim de mundo. Dentre todos, é o próprio
sertanejo o personagem que mesmo sabendo do seu final nessa história, ainda
assim sempre teme por desfecho ainda mais cruel. E tal temor o faz curvado e
submisso às promessas irrealizáveis dos aproveitadores de plantão.
E para que
tudo permaneça assim, há ainda o cuidado de não oferecer educação libertadora
ao homem do campo nem que este alcance os meios produtivos para rejeitar as
esmolas clientelistas.
Poeta e
cronista
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