Por Rangel Alves
da Costa*
Não sei se
escrevo ou se grito. Talvez o silêncio. Mas não há meio termo para expressar
sentimentos. A poesia ilude o instante, a palavra distorce a realidade. Talvez
o silêncio. Mas a mudez também pode possuir uma voz de grito. E gritar.
Pensei em
escrever sobre o tabuleiro de quebra-queixo que avistei numa calçada do centro
da cidade. Porém não tenho coragem de dizer qualquer coisa acerca daquele
adolescente, debaixo do sol escaldante, oferecendo sua cocada. Mais tarde, de
retorno, tive a infelicidade de vê-lo indo embora com quase nada vendido.
Não pergunte
se comprei algum pedaço. Também não me pergunte sobre a feição do jovem diante
do seu tabuleiro nem como estava no momento de ir embora. Mas se quiser pode me
perguntar como me senti diante daquela situação. Por isso mesmo não sei se
escrevo ou se grito.
Grito de
espanto, de medo de amanhã encontrar mais jovens naquela situação e ter de me
perguntar o que estão fazendo com nossa juventude, qual a educação que lhe
estão proporcionando, quais as oportunidades ou esperanças que pode ter na
vida.
Também não me
pergunte se chorei. Ademais, muito rio chorado corre por dentro escondido sem
que eu precise encher os olhos de lágrimas. Vivo temporais e tempestades me
esforçando ao máximo para manter a mesma feição de sempre. Mas somente sei o
rio, o mar, o oceano querendo me jogar à deriva.
Mas também
pensei em escrever sobre o pássaro que não avistei, o ninho que não vi, o
cantar passarinheiro que não ouvi. Nunca mais vi revoada, manhã de passarinho
voando de canto a outro, borboleta descendo até o umbral da janela. É triste e
difícil viver assim. Nem quintal tenho mais. Apenas um muro cimentado e feio.
.
Abrir a porta
do fundo da casa e não encontrar um quintal é como abrir a porta da frente
diante do mundo estranho. Meus olhos sorriam diante de goiabeiras, mamoeiros,
umbuzeiros, plantas medicinais, galinheiro, pedaços de paus juntados num canto.
Mas duvido que acostume com o chão de cimento e nada por cima.
Menino do meu
sertão, eu tinha no quintal o grande motivo para viver, o imenso parque para
brincar, o local ideal para ser realmente criança. Ali estavam minha fazenda de
ponta de vaca, minha árvore frutífera, meus brinquedos de pau e pedra, meu
amigo calango, a liberdade e a pureza da vida. Que saudade de meu cavalo de pau,
de minha bola de gude.
Contudo,
igualmente à história do menino e seu pé de laranja lima, um dia também
cortaram a árvore do meu sertão e tive de vim sofrer na cidade grande. Nesta
mesma sem quintais, sem janelas de alvorecer, sem revoadas, sem passarinho.
Apenas com a juventude vendendo quebra-queixa no centro comercial, além de
outras mazelas ainda maiores. Coisa de rasgar coração.
Jamais irei
acostumar com essa vida apressada, em meio a desconhecidos, entre ignorantes e
atrevidos, jogado à sorte do acaso. Sei que a violência e a desumanização estão
por todo lugar, e inevitável não ter de conviver com os maiores absurdos. Mas
continuo não aceitando tal realidade. Guardo o dom da indignação, da revolta.
Mesmo forçado
a conviver, jamais aceitarei o ódio no olhar da maioria das pessoas, a
arrogância no tratamento, as injustiças confirmando as desigualdades. Jamais
pactuarei com a cegueira do poder nem com a covardia dos que o mantém. Não
nasci para esquecer minhas paisagens sertanejas e ter de acostumar com o
dantesco a cada passo.
Não sei se
amanhã ou outro dia encontrarei novamente o jovem vendedor de quebra-queixo.
Mas sei que encontrarei outros, muitos. E também meninas bonitas oferecendo o
seu corpo por qualquer moeda. E tantas outras e outros com olhos inflamados
pelas drogas, pelo desencanto com a vida. E tudo num país onde se diz que tudo
vai bem, onde a miséria absoluta não existe mais.
A miséria não
é apenas aquela da fome, da falta de assistência, da pobreza. Miséria é também
o que encontro ao abrir a porta ou quando tenho de caminhar por aí. E é a
miséria nessa realidade repugnante que me deixa sem saber se silencio ou grito.
Ou choro.
Poeta e
cronista
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