Rangel Alves
da Costa*
Diante de
determinada situação, costumeiramente se ouve dizer que noutro tempo, em algum
lugar do passado, tudo era mais ou menos diferente. Assim, o tempo ido é sempre
relembrado como exemplo, e geralmente positivo, diante de uma situação negativa
que se tem na atualidade.
Observando os
desenfreamentos da juventude, logo os mais velhos afirmam que antigamente nada
acontecia assim não, pois havia respeito, consideração, os pais tinham a rédea
dos seus filhos e estes obedeciam cegamente. Se a notícia chega aos ouvidos
poucos instantes depois de o fato ter acontecido no outro lado do mundo, então
se diz que noutros tempos somente semanas após o povo tomava conhecimento
daquilo que nem tinha mais graça.

Talvez muitos
conheçam a história daquele soldado japonês que nunca soube que a segunda
guerra havia terminado e continuou escondido, fugindo de imaginários inimigos,
por mais de quarenta anos numa ilha. Quando foi descoberto e lhe contaram o que
havia acontecido, agora tanto fazia, pois ainda vivia noutros tempos. Mas se a
pessoa conhece o percurso dos acontecimentos tudo deveria mudar de aspecto.
Deveria porque
as pessoas parecem não sentir imediatamente as mudanças ocorridas. O que
acontece hoje só se mostrará em suas consequencias algum tempo depois. Do mesmo
modo, as feições do mundo de antigamente e suas mudanças só estão sendo
sentidas agora. E isto porque a ausência do ontem influi fortemente no hoje; o
passado ganha contornos de bom saudosismo todas as vezes que o presente negue
aquilo que se acostumava ter.
Daí se dizer
que tempos bons de viver era nos dias de antigamente, quando as cidades eram
muito mais humanas, mais pacíficas e pacatas, com pessoas se conhecendo e
tecendo amizades, havendo confiança e respeito entre todos, em meio a manifestações
de fraternidade e companheirismo. Logicamente que tudo isso querendo afirmar da
violência cada vez maior dos tempos atuais, do egoísmo comandando as pessoas,
do individualismo e das falsidades conduzindo as relações.
Os mais velhos
se espantam e se assustam com as novas realidades, ainda que os acontecimentos
não lhes cheguem assim tão surpreendentemente. Aceitam alegremente os avanços
tecnológicos, as conquistas da medicina, as facilidades que surgem para
descomplicar o dia a dia. Contudo, quando o assunto parte para a violência,
para os desencontros conjugais, a sexualidade pervertida, os pecados
rotineiramente cometidos, a total falta de ética e de moralidade, então buscam
refúgio nas lembranças antigas, num passado onde tudo isso acontecia sem ser
tão crescente e assustador.
Na verdade,
cada tempo possui a sua função de ser, sua característica própria, seu molde
diante do espelho da parede do progresso. Não há que se falar, por exemplo, que
ainda bem que o tempo do cangaço já passou. Ora, o cangaceirismo existia porque
o momento histórico predispunha. E cangaços mais violentos continuam existindo,
com muito mais ferocidade e vítimas.
Nos tempos
bíblicos era costumeira a imolação de animais como oferenda. Determinadas
religiões de raiz africana continuaram matando animais para oferecer às suas
entidades, mas já sendo prática combatida pela sociedade. Atualmente continuam
fazendo isso, mas driblando a lei, pois se constitui crime tal prática.
No mesmo
sentido as terras de eréu, que eram aquelas vastidões de terras sem dono, de
mataria sem demarcação, e que se tornavam propriedades dos senhores mais
poderosos de cada localidade. Hoje não é bem assim, até mesmo porque não há
mais terra sem dono. Há até dono da terra que é de outro. E também houve um
tempo onde o homem só beijava a mulher depois de casado; só namorava se fosse
diante dos pais da mocinha; havia promessa, aliança de compromisso, noivado e
casamento.
Realmente,
verdadeiros contrastes surgem quando há comparação das práticas atuais com as
mais antigas. Mas isto ocorre sem que o próprio tempo queira ou ajude que assim
seja. Quanto às aparências, estas permanecem estáticas. São os homens que se
transformam, e ao buscar mudanças descaracterizam os costumes, os hábitos, as
tradições.
Difícil de
acreditar, mas o que se vê hoje como algo impensável de acontecer, amanhã já
estará tão velho e ultrapassado que muitos terão saudades desses absurdos.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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