Por: Rangel Alves
da Costa*
Quando saiu
ileso da chacina de Angico em 38, episódio que pôs fim ao cangaço e custou a
vida de Lampião, Maria Bonita e mais nove bandoleiros, o cangaceiro Cajazeira
começou a cimentar uma carreira pessoal tão própria dos jovens rebeldes e
sonhadores. Certamente não sabia que dali em diante viveria acossado e
perseguido e cerca de quinze anos depois teria que colocar cavalos para
enfrentar canhões.
Apelidado no
bando de Lampião como Cajazeira, caminho trilhado ainda jovem e acompanhado de
sua bela esposa Enedina, o seu nome de batismo era José Francisco do
Nascimento, também conhecido por Zé de Julião. Era filho, pois, de Julião do
Nascimento e Constância do Nascimento, família das mais abastadas da povoação
sertaneja de Poço Redondo, então distrito de Porto da Folha.
De tanto
presenciar a polícia volante maltratando pobres sertanejos, violentando
inocentes para que dissessem acerca do paradeiro do bando cangaceiro e
extorquindo impiedosamente os pequenos e grandes proprietários de terras e
rebanhos, o filho de Seu Julião tomou uma drástica decisão: iria entrar no
bando de Lampião precisamente para dar o troco àquela volante injusta e
desumana. E cumpriu com o prometido.

Estava
presente na Gruta do Angico na madrugada de 28 de julho de 38. Conseguiu fugir,
mas não conseguiu livrar sua esposa das balas famintas. Após a chacina,
cangaceiros foram presos e os fugitivos se viram rastreados pela polícia, e por
muito tempo. Cajazeira, ou Zé de Julião, desolado pela perda da esposa, decide
não se entregar e foge para o sul da Bahia. Contudo, não demora muito e toma o
caminho de volta para o seu Poço Redondo. Não sabia que o sanguinário sargento
Deluz, perseguidor voraz de ex-cangaceiros, está à sua espera.
O desalmado militar,
contudo, não consegue colocar as mãos no filho de Seu Julião. Mas era perigoso
demais continuar se escondendo. Seu destino foi o Rio de janeiro, onde foi de
servente a empreiteiro em pouco tempo. Contudo, recebe a notícia da morte do
pai e tem de retornar para resolver problemas de herança e dar um basta naquela
mania de perseguição do sargento Deluz. Dizem que “molhou a mão” do malvado e
resolveu a questão.
Retornou aos
negócios no Rio, mas já com a intenção de logo fazer o caminho de volta e colocar
em prática um sonho antigo: ser prefeito de sua terra natal. Mas isto só seria
possível quando a povoação fosse desmembrada das terras buraqueiras, o que
ocorreu em 1953. Portanto, já havia se passado cerca de quinze anos do fim do
cangaço quando Poço Redondo foi emancipado e Zé de Julião decidiu disputar a
primeira eleição para prefeito.
Bastou que
essa decisão fosse tomada para que as cinzas do cangaço crepitassem novamente e
as perseguições irrompessem com toda voracidade. Ora, um ex-cangaceiro não podia
afrontar as forças políticas regionais, segundo diziam as principais lideranças
interessadas na administração do novo município. Resoluto, o moço de Poço
Redondo não abriu mão de sua pretensão. Então os canhões adversários começaram
a abrir fogo.
O candidato
das forças políticas regionais era Artur Moreira de Sá, de Porto da Folha. E a
primeira estratégia de campanha foi espalhar o boato que Zé de Julião não
poderia ser candidato porque era um ex cabra de Lampião, perigoso e malfeitor,
um reles bandido, e ninguém podia aceitar um cangaceiro como prefeito. Mas o
ex-cangaceiro não se intimidou e enfrentou o candidato do poder. Deu empate:
134 votos para cada candidato. Mais velho, Artur Moreira acabou sendo
proclamado vitorioso.
Sentindo-se
cada vez mais forte, o poço-redondense resolveu disputar as eleições seguintes.
O prefeito já havia se bandeado para as hostes de Leandro Maciel, que havia
assumido o poder estadual. E a política leandrista era também conhecida pela
implacável perseguição aos inimigos. E Zé de Julião era seu inimigo político. E
como chegaria ao poder municipal um ex-cangaceiro, perseguido e inimigo do
poder estadual, quando todos sabiam que as mentiras e intimidações se
repetiriam? Com efeito, não só se repetiram como foram de imoralidade e
desonestidade sem precedentes.

Foi então que
Zé de Julião colocou cavalos contra canhões, e estes representados pela força
governamental que utilizava todo o aparato existente para derrotar as
pretensões dos oponentes. Desse modo, assim que souberam que o ex-cangaceiro
disputaria o pleito, logo cuidaram de não entregar os títulos a seus eleitores,
além de perpetrarem as maiores vilezas possíveis para barrar de vez seu
favoritismo.
Sabendo que
não teria qualquer chance de vitória diante da corrupção, da fraude, do suborno
e outras infâmias eleitorais, o ex-cangaceiro arregimentou alguns amigos leais
e juntos invadiram seções eleitorais na sede e no povoado Bonsucesso. E
roubaram as urnas montados em cavalos afoitos e corredores. Era a única forma
de mostrar a indignação contra a podridão do poder. E foi assim que os cavalos
enfrentaram os canhões.
Poeta e
cronista
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