sexta-feira, 13 de setembro de 2013

Vida, política e mídia: a construção da imagem pública de Wilma de Faria

Fagner Torres de França – UFRN
Life, politics and media: the construction of the public image of Wilma de Faria
Fagner Torres de França – UFRN
RESUMO
O presente artigo tem por objetivo identificar as estratégias utilizadas pela ex-governadora do Rio Grande do Norte Wilma de Faria na construção de sua imagem pública, conceito que vamos tomar emprestado de Wilson Gomes em seu livro Transformações da política na era da comunicação de massa (2004). Partiremos do princípio de que a imagem pública é baseada em pelo menos dois elementos que se cruzam: a trajetória estritamente política e a luta pela visibilidade. No percurso, focaremos em alguns aspectos político-midiáticos importantes em suas campanhas políticas, principalmente nos anos de 2002 e 2006.
Palavras-chave: Marketing político. Imagem pública. Wilma de Faria.
ABSTRACT
This article main to identify strategies used by the former governor of Rio Grande do Norte Wilma de Faria in building his public image, a concept that we borrow from Wilson Gomes in his book Transformações da política na era da comunicação de massa (2004). Will assume that the public image is based on at least two elements meet, the strictly political story and the struggle for visibility. En route, we will focus on some important aspects of political and media in political campaigns, especially in the years 2002 and 2006.
Keywords: Political marketing. Public image. Wilma de Faria.
INTRODUÇÃO
Wilma de Faria é, sem dúvida, uma das principais forças políticas da história recente do Rio Grande do Norte. Foi deputada constituinte, três vezes prefeita da capital e duas vezes governa­dora. Goste-se ou não, é impossível pensar ou fazer política no Estado sem levar em conta seus movimentos. Mas desde 2010, sua hegemonia encontra-se ameaçada. A derrota na eleição para o Senado deixou-a sem mandato, o que para um agente político pode significar perda de influência e ostracismo. Mas uma das características da sua imagem pública construída ao longo de anos é a capacidade de mudar a disposição do jogo a seu favor quando as condições parecem desfavoráveis. Sua determinação em enfrentar o que chama de “poderosos” rendeu-lhe a alcunha de “guerrei­ra”, uma jogada de marketing político assumida por ela como característica inata, uma máscara
VIDA, POLÍTICA E MÍDIA: A CONSTRUÇÃO DA IMAGEM PÚBLICA DE WILMA DE FARIA
Cronos: R. Pós-Grad. Ci. Soc. UFRN, Natal, v. 12, n.1, p. 131-147, jan./jun. 2011, ISSN 1518-0689
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aderida à própria pele. Nosso objetivo, portanto, nesse artigo, é tentar compreender alguns processos de construção desta imagem pública durante a sua carreira política, levando em consideração os aspectos político-midiáticos, principalmente em suas duas últimas campanhas vitoriosas.
Para analisar a construção da imagem pública de Wilma de Faria, a partir das eleições de 2002 e 2006, lançaremos mão do conceito de imagem pública, delineado no livro de Wilson Go­mes (2004), intitulado Transformações da política na era da comunicação de massa, com destaque para duas dimensões. A primeira diz respeito à personalidade e o desempenho individual do ator político, no nosso caso, Wilma de Faria. Nesse momento, faremos um apanhado histórico de sua trajetória política, o início, as condições, o contexto em que ela desponta como apta a galgar cargos públicos, seus embates políticos, posicionamento frente a questões importantes, modo de governar e problemas enfatizados em sua administração.
No segundo momento, veremos como sua imagem foi trabalhada, tanto pelos especialistas em marketing político e eleitoral quanto por ela própria, na forma de se conduzir na vida pública. Isto é, nos caminhos por onde passou, quais elementos foram deliberadamente ou não enaltecidos por ela própria no sentido de forjar uma imagem cujo traço mais profundo é aquele conhecido por “guerreira”? E de que forma os especialistas na construção da imagem absorveram esta ideia (entre outras) e a vêm reproduzindo por tantos anos? São algumas das questões que tentaremos percorrer.
A DONA DE CASA QUE QUERIA GOVERNAR
As bases históricas de uma vida são importantes para situar um contexto no qual as condi­ções herdadas restringem as possibilidades e os caminhos a serem seguidos, embora não absolva ninguém. Wilma Maria de Faria nasce sob a égide de uma família marcada por uma forte liderança política conservadora chamada Dinarte Mariz, primo legítimo de Morton Mariz, pai de Wilma de Faria. Nascida em Mossoró, viveu algum tempo em Caicó antes de transferir-se para Natal, onde construiria toda a sua carreira política. Foi inicialmente uma mulher preparada para casar, ser dona de casa e ter filhos. E cumpriu seu desenho. Casou com um homem bem sucedido, um médico, Lavoisier Maia, primo de Tarcísio Maia. Após criar os filhos, decidiu que deveria voltar a estudar, formando-se em educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte e onde posteriormente defenderia um mestrado.
Wilma Maia entra para a vida pública pela via discreta da primeira dama. Mas prefere ser chamada de professora Wilma, pois parece não gostar da sombra. Nessa condição toma gosto pela política, desenvolvendo um forte trabalho na direção do assistencialismo. Em 1982, ainda no contexto da abertura política nacional, acontece a eleição para governador. José Agripino Maia (PDS) vence o ex-governador Aluízio Alves (MDB), consolidando-se como uma das maiores lideranças políticas de direita do Rio Grande do Norte. Indicou para prefeito Marcos César Formiga, ex-secretário de Planejamento do Estado. Para a Secretaria de Trabalho e Ação Social (STAS) convida Wilma Maia. E é como secretária que ela se consolida nos dois primeiros anos, como administradora de progra­mas sociais, em contato constante com a população, desenvolvendo um intenso trabalho juntos às organizações comunitárias.
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No retorno às eleições diretas para prefeito, em 1985, José Agripino lança como candidata do seu grupo sua secretária de Trabalho e Ação Social. Seu principal adversário era Garibaldi Alves Filho que, pertencendo a um grupo político que apoiara o golpe civil-militar de 1964, com o tempo desloca-se para a oposição e passa a defender reformas políticas e sociais. Apesar de representar um partido conservador, de sustentação ao regime militar, a atuação na área social empresta a Wilma um perfil progressista. PCB e PC do B, principais forças de esquerda no momento, cerram fileiras com Garibaldi. A disputa tem ares de confronto histórico entre as forças contra e pró-regime de exceção.
Vence a oposição. Mas a derrota contém certo sabor de vitória. Wilma recebe um bom número de votos, para quem nunca havia sido candidata. Sai fortalecida por ter demonstrado combatividade, pois Garibaldi era tido como imbatível, o candidato dos pobres e dos funcionários públicos. Para valorizar sua desenvoltura como secretária, o slogan da campanha foi “ela sabe ad­ministrar”. Sua imagem adquire substância e relevo no imaginário popular a partir desta eleição. Destacamos aqui o primeiro elemento determinante, embora paradoxal, na construção da carreira política e da imagem pública da então Wilma Maia: a derrota para Garibaldi em 1985. O que fica, sobretudo, é o juízo de valor positivo. Fosse outra pessoa, a vitória de Garibaldi provavelmente seria muito mais acachapante.
Não obstante, uma questão de imagem queda obscura nessa eleição, o que talvez tenha traça­do novos parâmetros políticos posteriores com os quais Wilma embasaria seus próximos passos. A equipe de marketing do adversário trabalhou a imagem de Wilma demasiado justaposta à de Paulo Maluf, nome intrinsecamente ligado à ditadura militar. Até uma foto com a candidata recebendo o político paulista em sua casa foi utilizada na campanha, segundo o coordenador de marketing de Wilma em 1988, Cassiano Arruda Câmara (2009). Para não mais ter seu nome associado ao con­servadorismo, ao regime de exceção que havia comandado o país por mais de 20 anos, cuja ligação poderia ter selado sua derrota, escolheu o caminho da esquerda na bifurcação. E seguiu caminhando.
No ano seguinte vem a sua primeira consagração nas urnas. Nas eleições parlamentares de 1986, foi eleita deputada constituinte pelo PDS com 144 mil votos, proporcionalmente a maior eleição de um deputado federal à época, sendo a primeira mulher a eleger-se deputada federal no Rio Grande do Norte. Em toda sua carreira política posterior, três características vão sempre ser chamadas ao seu favor em suas campanhas políticas: a afinidade com o social, a desenvoltura na administração e a questão do gênero, seu protagonismo feminino, haja vista a sociedade de características machistas na qual ela construiu sua carreira política.
Contra o slogan “Três de uma só vez”, irmanando na disputa João Faustino, Lavoisier Maia e José Agripino, conhecidos como João, Lavô e Jajá, as urnas elegem João, Lavô e Wilma, cuja votação demonstra o desabrochar de uma liderança política. Em depoimento a Lindijane de Souza Bento Almeida (2006, p. 145), ela diz: “foi aí que começou realmente a minha vida pública de independên­cia, porque eu tinha um mandato. Cheguei lá na constituinte e disse: ‘bem, agora eu vou me definir ideologicamente, vou ver para onde eu vou’”.
Durante o Congresso Constituinte, explica Íris Maria de Oliveira (2005), Wilma surpreende o bloco PDS/PFL “e até mesmo as lideranças e parlamentares de oposição e de esquerda no Rio Grande do Norte” (p. 150), assumindo o discurso e a postura progressistas, votando cláusulas sociais em benefício dos trabalhadores e em defesa da cidadania. Salientamos aqui o segundo elemento
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determinante na construção e consolidação da imagem pública e da carreira política de Wilma de Faria, qual seja, a atuação progressista e “autônoma” que assumiu no Congresso Constituinte de 1986.
Wilma busca, dessa forma, descolar-se do grupo político ao qual era filiada e configurar para si uma imagem de independência. O que não deixou também de gerar certa ambivalência, pois no plano local suas ligações eram de direita, enquanto no plano nacional apresentava-se como de esquerda. Para centralizar a imagem dissonante aproxima-se de Brizola e filia-se ao PDT. Tal fato acabou provocando uma crise interna dentro do partido e a consequente deserção de alguns de seus quadros mais importantes, que acabaram fundando o Partido Socialista Brasileiro no Rio Grande do Norte.
Em plena constituinte, Wilma torna-se um “produto” acabado, considerado pronto para dis­putar uma função majoritária. Reedita a aliança PDS/PFL em torno de seu nome e se lança prefeita para um acerto de contas com a oposição. Se na eleição passada ela havia enfrentado um candidato considerado imbatível, dessa vez o desafio não era menor. A envergadura dos adversários pode acabar valorizando uma vitória, contribuindo para sua repercussão. Disputa a vaga com Henrique Eduardo Alves, maior estrela do PMDB, com este tendo na retaguarda todo um aparato. O pai era ministro e amigo do presidente da República, José Sarney, na época com popularidade em alta, enquanto no plano local a família possuía uma rede de comunicação com rádio, jornal e televisão.
“GUERREIRA”: O NASCIMENTO DA MARCA
Wilma Maia adquirira popularidade tanto no Congresso Constituinte quanto na eleição que disputara em 1985 contra Garibaldi Alves, cuja derrota projeta positivamente seu nome no imaginário político local relacionado à marca da ousadia. Mas a deputada persegue com afinco o objetivo de tornar-se estrela de primeira grandeza do universo político potiguar. Em 1988 convida para produ­zir os programas de televisão de sua campanha um repórter de destaque do programa Fantástico, da Rede Globo, chamado Hélio Costa, que posteriormente viria a ser ministro das Comunicações. Uma pesquisa realizada pela equipe de marketing apontou que a característica mais admirada na candidata pelos natalenses era sua combatividade.
10 anos antes, em 1978, a cantora mineira Clara Nunes (1943-1983) lança o disco Guerreira, com mais de um milhão de cópias vendidas. A música de mesmo nome fez muito sucesso, e guer­reira virou quase sinônimo de Clara Nunes pelo resto de sua vida. A identificação foi facilmente cimentada pelo fato da cantora ter tido uma vida cheia de dissabores, entre eles o assassinato de um namorado, três abortos e a violência do marido. Na esteira do sucesso da cantora, o coordenador de marketing de Wilma Maia à época, o jornalista Cassiano Arruda Câmara, resolveu fazer esta asso­ciação. A ideia era realizar a transferência de capital simbólico, ou seja, emparelhar mulheres que, não obstante as dificuldades pelas quais passaram, conseguiram vencer na vida. “De início ela não quis assumir”, afirma Câmara (2009), o ex-coordenador. O jingle de campanha foi intitulado “Wilma é nossa guerreira”. Ressaltamos este traço como o terceiro elemento indispensável à construção da sua imagem pública, aliás, o que mais foi retomado durante toda a sua vida política. Sobre o slogan de “Guerreira”, Emanoel Barreto (2004, p. 165) destaca que “ela assumiu o papel à perfeição”. Foi o 134
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mesmo coordenador de campanha que também teve a ideia de grafar seu nome com “V” e não com “W”, como no original, para aproximá-lo do povo e facilitar manobras de efeito propagandístico, como a identificação com o V da vitória na escrita e na simbologia dos dedos médio e indicador levantados.
Mesmo com todo o apoio político e o aparato midiático dando cobertura ao candidato do PMDB, Henrique Alves, Wilma vence a disputa. Destaca-se no cenário político nacional como a primeira mulher a exercer o cargo de prefeita em Natal. Também faz disso um trunfo na construção de sua imagem pública. João Emanuel Evangelista (2006) destaca este como um momento crucial de sua carreira política, pois, “a partir daí, como prefeita de Natal, consolida-se como principal liderança na capital do Estado” (p. 212).
Para Barreto (2004), Wilma é uma personagem complexa. O desenvolvimento e solidificação de sua imagem pública advêm não do fato de ser ela um quadro inovador, carregado de uma política construída sobre bases transformadoras, possuidora de um novo paradigma, detentora de uma nova mentalidade no tocante à administração da res publica. Na verdade, “ela imbricou a si, mediante um persistente trabalho de marketing e à boa avaliação de desempenho daí decorrente” (p. 151).
Prematuramente Wilma vislumbra uma estrutura na qual os dois principais pilares de sus­tentação passam por um processo de corrosão e obsolescência, dando margem à entrada de um terceiro ponto de resistência no cenário político. Ajudada pela conjuntura e aliada aos novos aparatos midiáticos, os quais muito cedo soube fazer uso, deu início à mobilização social em torno de seu nome, no estilo renovado do mito do líder. Um discurso erguido principalmente no âmbito da visi­bilidade midiática, com uma linguagem simplificada, atrativa, facilmente incorporada ao repertório cognitivo de todos os segmentos da população. Nas palavras de Barreto (2004, p. 152),
esse discurso ela soube levar adiante, massificando uma imagem de arrojo e compromissos com o social. Tanto que, ao longo de sua vida pública, um dos slogans de campanha voltava-se para apresentá-la como capacitada para um trabalho eficaz na administração pública e convocava: ‘Vamos com Wilma: ela sabe administrar’. O uso da mídia, que lhe permitiu ajustar seu discurso a expectativas sociais, positivou-a e foi o seu grande palanque, estabelecendo, com êxito, nexo entre poder e comunicação. Seu trabalho de comunicação não foi instrumento, foi processo ambivalente à política e cumpriu objetivos programados.
Dona de um estilo personalista e autoritário de fazer política, não obstante seu esquema de marketing conseguiu suavizar e mesmo deslocar o eixo dessa representação, transformando-a em uma líder aguerrida, aglutinadora dos anseios sociais. A campanha de 1988 contou com o respaldo da população porque Wilma chegava a ela com a imagem positivada, de pessoa decidida e corajosa, capaz de contrariar a família e seguir caminhos distintos na política, enfrentar adversários tidos como imbatíveis e manter um processo de aproximação com as comunidades mais pobres, sendo tudo isso decisivo na construção de um imaginário público, municiando os argumentos de marketing que realçaram “as conotações positivas da palavra ‘guerreira’, que passou a ser utilizada como um adjetivo apenso à sua imagem” (BARRETO, 2004, p. 171).
No final desse mandato, um fato estritamente pessoal, mas devidamente publicizado, garante a Wilma Maia alguns créditos na soma de seu capital simbólico: o rompimento de seu matrimônio 135
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com o ex-governador Lavoisier Maia. Passa a se chamar Wilma de Faria e carrega o peso de ser uma divorciada em uma sociedade tradicional e conservadora, abandonando um futuro seguro ao lado de um então senador da República. As manchetes nos jornais nos dias que se seguiram à divulgação do episódio estampavam a afirmação da então prefeita de que “tinha o direito de ser feliz de novo”. A situação ganha relevo porque Wilma não sonegou a informação ao público, pelo contrário, comentava abertamente. Além disso, não havia se separado de um anônimo, mas de um ex-governador conhecido por sua honestidade, correição e que, aos olhos do povo, havia feito um governo realizador.
Em suas administrações, Wilma consolidou no imaginário social a imagem da mulher inde­pendente e capaz de romper paradigmas. Primeiro, a tradição patriarcal, ao separar-se de um polí­tico do estilo tradicional, coronelístico; segundo, a tradição partidária, deixando uma agremiação de direita, conservadora, e alinhando-se progressivamente à esquerda. Neste sentido, seu próximo passo é filiar-se ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), “em postura dissonante de parcela significativa dos políticos nacionais, adicionando o indispensável teor de credibilidade ao seu projeto político, sobretudo junto ao eleitorado dos centros urbanos do Rio Grande do Norte” (EVANGELISTA, 2006, p. 212).
Em 1992 a prefeita lança como candidato à sua sucessão, de forma ousada, o até então desco­nhecido secretário de planejamento Aldo Tinôco (PSB), um quadro técnico sem experiência política anterior e que vence Henrique Alves de forma surpreendente no segundo turno com uma diferença de menos de mil votos.
Em 1994 Wilma se candidata pela primeira vez ao governo do Estado, amargando um quarto lugar. Mas mantém sua influência sobre a prefeitura. Porém, durante o mandato, Tinôco inicia um processo de distanciamento de Wilma, descumprindo os acordos firmados com a ex-prefeita. Per­cebendo o erro tático cometido por ele, volta a candidatar-se ao cargo dois anos depois, desta vez para derrotá-lo. E varre as ruas pela segunda vez como a “guerreira”, vestindo vermelho e branco, mas desta vez acrescenta à sua caracterização o epíteto subliminar de justiceira, num movimento de mão dupla: pretende justiçar o eleitor, traído em suas aspirações e, ao mesmo tempo, ser jus­tiçada, pois havia confiado em Aldo, que a atraiçoou. Segundo observação de Evangelista (2006), nesta eleição opera-se uma transformação fundamental na dinâmica política do município, entre outros motivos, pela afirmação da candidata Wilma de Faria “configurando um projeto de poder que combina marketing político, personalismo, clientelismo e contato direto com as camadas sociais mais populares, sobretudo dos bairros periféricos” (p. 214).
Após a separação, procura mostrar-se como uma força política alternativa. O objetivo do seu marketing político era dar destaque a imagem de mulher independente, capaz de romper com os paradigmas tradicionais, uma pessoa “guerreira, corajosa e com uma história de coerência” (OLIVEI­RA, 2005, p. 185). O sucesso de sua administração em 1988 foi o principal instrumento utilizado pela equipe de comunicação para a divulgação da candidatura, procurando destacar “as obras realizadas, sua experiência, sua competência, [e] a avaliação positiva com a qual terminou o mandato (92% de aprovação)” (OLIVEIRA, 2005, p. 185). Dentre as frases mais repetidas durante todo o processo elei­toral em suas peças de marketing estavam: “Vilma fez e vai fazer muito mais” e “Natal me conhece”.
A partir de 1999, Wilma rompe a aliança tradicional com o PFL e consolida uma parceria po­136
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lítico-administrativa com o governo estadual de Garibaldi Alves Filho. A parceria canaliza recursos federais e estaduais para a realização de grandes obras em Natal, o que levou o jornalista Cassiano Arruda Câmaraa dizer que o maior mérito de Wilma foi pôr suas digitais nas obras de Garibaldi, que a ajudaram a projetar seu nome para o Rio Grande do Norte. 
Nesse ínterim, a parceria administrativa se transforma em parceria política. Fica acertado que o grupo político ao qual se junta a prefeita, a Unidade Popular, não lançaria nome para disputar o cargo ocupado por Wilma, nas eleições de 2000. Pelo contrário, apoiaria a sua reeleição. Um acordo fundamental para sua vitória sobre a candidata Fátima Bezerra ainda no primeiro turno, segundo Alan Lacerda e Bruno Oliveira (2004/2005, p. 283), “devido à transferência de votos dos eleitores simpatizantes do PMDB”. A contrapartida é a aceitação de um nome do PMDB para a vice-prefeitura e o apoio ao candidato do grupo para a eleição majoritária estadual em 2002, à época Henrique Alves. Com um membro da família na chapa, os Alves tentavam se prevenir de uma futura traição da então prefeita: caso ela renunciasse para concorrer ao governo do Estado, Carlos Eduardo Alves (PMDB), primo do governador, de quem era secretário do Interior, Justiça e Cidadania, assumiria a prefeitura.
A marca de “guerreira”, utilizada desde sua primeira campanha é retrabalhada pela equipe de marketing. Entre os méritos do responsável pelo marketing de Wilma de Faria desde 1996, Alexandre Macedo, está o de perceber a força desta representação e mantê-la em evidência. “Essa denomi­nação ficou muito assemelhada a um temperamento. Ela realmente é uma pessoa brigona pelas coisas que ela advoga, ou seja, ela luta mesmo. Eu não tinha porque, tecnicamente, abandonar isso aí” (MACEDO, 2009).
Uma pesquisa Fiern/Consult realizada em junho de 2000 trouxe consigo o mote que a equipe de marketing precisava para trabalhar durante o processo eletivo. Os números apontavam que “que mais de 70% dos entrevistados estavam satisfeitos com o trabalho desenvolvido por Vilma, os quais classificaram a administração da prefeita como ótima (24,88%) e boa (45,38%)” (ALMEIDA, 2001, p. 22). Dessa forma, foi fácil traçar as diretrizes da campanha: o objetivo seria apresentar o terceiro mandato como um desejo da sociedade para que a “guerreira” permanecesse mais quatro anos à frente do executivo municipal. Segundo Almeida (2001), essa marca apropriada pelo marketing político se organizou ao nível da prefeitura, tanto nas ações desenvolvidas pela administração mu­nicipal quanto nas inserções midiáticas de divulgação destas mesmas ações. Entre elas está o pro­grama Nosso Bairro Cidadão, criado na terceira administração de Wilma. Durante três dias por mês o projeto levava atendimentos básicos de saúde às populações periféricas, além de oferecer serviços como confecção de documentos, palestras e minicursos. Mas o mais importante da iniciativa era a aproximação do poder público com as lideranças comunitárias e a população, na forma de debates e reuniões. O evento contava sempre, na abertura, com a participação de secretários e detentores de cargos eletivos, como deputados e vereadores. Em entrevista à Almeida (2001), o então secretário de Comunicação da Prefeitura, Aluísio Lacerda, avalia o alcance do programa:
Segundo depoimento prestado ao autor, Cassiano Arruda Câmara e Wilma de Faria são inimigos políticos, situação que transborda para o âmbito pessoal. A separação entre ambos data de 1988. 137
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Se você quiser considerar um instrumento de marketing é perfeito. Antes os prefeitos recebiam as lideranças comunitárias no gabinete, Vilma está recebendo lá nos bairros. Numa grande audiência comunitária [...] onde estão todas as lideranças, associações de bairro, clubes, conselhos comunitários e ali, diante da comunidade, diante dos secretários e da prefeita a comunidade expõe os seus problemas, e de contrapartida a prefeita diz quais os recursos próprios da administração, recursos arrecadados pela prefeitura (p. 96).
Além disso, havia “os programas de rádio e televisão que a prefeita faz diariamente, procuran­do passar a ideia de que a sociedade participa do governo, sendo que a um custo muito alto para o município” (ALMEIDA, 2001, p. 95). A prioridade do âmbito publicitário na administração de Wilma à frente da prefeitura pode ser atestada pelos dados coligidos por Almeida. A verba destinada ao investimento em visibilidade era dividida entre cinco agências que prestavam serviços ao executi­vo municipal: Briza, Faz, DoisA, Raf e Antares. “No balanço geral de 1999, a prefeitura gastou com propaganda, em números exatos, R$ 3.014.317, 42, muito mais do que em alguns programas da área social”, analisa Almeida (2001, p. 95).
Wilma vence as eleições de 2000 já no primeiro turno, contra a candidata do PT, Fátima Be­zerra. Os anúncios da TV não dispensavam a presença de sua imagem, discorrendo com suposta propriedade sobre todas as realizações governamentais, reforçando a marca de um servidor incan­savelmente dedicado ao trabalho. Segundo Barreto (2004), o próprio andamento das produções demarcava este propósito, seguindo o ritmo dos clips televisivos, “onde a tônica era uma sequência de imagens que mostrava uma cidade totalmente em obras. Havia toda uma reconstrução do real, tendo a então prefeita como apresentadora” (p. 173).
O privilégio de manter o mesmo coordenador de campanha desde 1996, Alexandre Macedo, facilita a articulação entre ambos no sentido de continuamente aperfeiçoar propostas que vêm co­lhendo resultados abundantes. Os projetos sociais desenvolvidos pela prefeita Wilma não eram de todo inovadores. O que ganha novos contornos são as formas de explorar a identificação entre eles e a prefeita, como algo a que só ela seria capaz de levar a cabo, na forma de estreitamento do espaço entre povo e governo. Pois o poder se exerce também em sua visibilidade, enquanto o marketing não está inscrito apenas nos manuais: faz parte de uma intuição política, no sentido de “uma forma extra-racional de conhecimento dos objetos e fenômenos” , segundo ensina Flávio Eduardo Silveira (2000, p. 139).
O bom momento à frente da prefeitura e uma imagem torneada e fortalecida incitam Wilma a mais um enfrentamento. Do alto de sua popularidade, como indicavam várias pesquisas de opinião à época, vislumbra um cenário não tão hostil, e ela prepara o rompimento com seu grupo político, a Unidade Popular, cujo candidato até então era Henrique Alves. Com a debandada do senador Fer­nando Bezerra, em conversas adiantas com José Agripino, inicia-se a implosão do projeto acordado dois anos antes. No inicio de 2002, é a vez de Wilma desligar-se da Unidade Popular. Henrique Alves, que se licenciara do cargo de deputado federal para assumir uma secretaria no governo de Garibaldi, no intuito de acompanhar de perto as movimentações do quadro político e ter seu nome aproximado da população, desiste da disputa. Para o seu lugar é escalado o vice-governador Fernando Freire, 138
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que assumiu o posto principal nove meses antes da eleição. O titular, Garibaldi, havia renunciado para concorrer a uma vaga no senado.
Wilma encontra dificuldades para viabilizar-se politicamente, pois não pode concorrer sem o apoio da máquina governamental: no âmbito municipal e estadual ela estava nas mãos do grupo adversário. Em Natal, seu vice, Carlos Eduardo Alves (PMDB), era a garantia da família contra uma possível traição. O jogo estava armado: de um lado estariam a perda de dois anos de mandato, a entrega da prefeitura à oposição e a perspectiva de uma disputa sem nenhuma estrutura, mas a vantagem de uma imagem político-midiática solidamente construída e estribada em base social; de outro, dividindo o tabuleiro do xadrez, um governador sem expressão, apoiado pela família Alves, e um senador, pre­sidente da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), com fortes ligações com o setor empresarial norte-rio-grandense, mas sem nenhum traquejo social, Fernando Bezerra, apoiado pelo grupo Maia. E ao ponderar as possibilidades, ela diz: “eu sou candidata à governadora”. E fez a aposta.
2002 – “O MAR VERMELHO”
O tino político revela-se afiado e Wilma vincula sua candidatura a dois fatores importantes: a renúncia de Carlos Eduardo Alves ao PMDB – com sua consequente adesão ao PSB – e a um jogo de retórica formidável. O foco da equipe de marketing se faria no ambiente quase que preparado para esta constatação: era a luta do Davi contra o Golias, das forças político-econômicas unidas contra quem poucos recursos e apoios reunia; era a vez do “eu sozinha contra todos”, do povo dar a volta por cima, da luta definitiva contra os “poderosos”: era a consagração da “guerreira”. Numa carta ao pai, Carlos Eduardo renuncia ao PMDB e filia-se ao PSB, descumprindo o papel de representante da família. Assume a prefeitura e comanda a campanha de Wilma como coordenador político.
Como observa Barreto (2004), mesmo deixando a prefeitura, a propaganda institucional tinha a sua marca devido à decisão de dar continuidade à forma e ao conteúdo das mensagens, “de tal ma­neira que era nítida a sugestão de que ela continuava a comandar” (p. 173). Se antes era ela a estrela principal das peças publicitárias, continuaria aparecendo, mas de forma sugestiva, subliminar. Para que isto acontecesse, a imagem do então prefeito foi descartada. A administração municipal ainda continha a sua marca, virtualmente, atuando sobre o imaginário popular. Seu assessor de comuni­cação, Rubens Lemos Filho, explica que o maior desafio de então tornou-se difundir e cristalizar a imagem de Wilma por todo o Estado, pois, segundo ele,
dizia-se que Wilma tinha sido uma boa prefeita em Natal, mas que era uma ilustre desconhecida no interior do Estado. Dizia-se uma coisa jocosa sobre ela, que Wilma não passava de Macaíba, que seria esmagada no interior. Dizia-se que ela jamais renunciaria à prefeitura da cidade, pra entregá-la nas mãos de um Alves (LEMOS FILHO, 2009).
Escolheu-se a TV como principal veículo midiático da expedição brancaleônica para a con­quista dos eleitores das demais regiões do Estado. As mensagens atingiram quase todos os muni­cípios do Estado e foram bem recebidas, resgatando de forma enviesada o slogan das duas últimas 139
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administrações na capital, retrabalhado de tempos em tempos, enfatizando sua capacidade de gover­nar: “Vamos com Wilma: ela sabe administrar”. Como relata Barreto (2004, p. 173-174), “Firmou-se, de todas as regiões do Estado, de forma ampla e penetrante, um olhar sobre Natal: a capital era uma cidade onde o poder público realmente funcionava”. Mas a peça clássica de sua campanha traria o mote que seria repisado centenas de vezes, simples, direto e marcante: “Wilma trabalha”.
Sobre o início dessa campanha, Barreto (2004) explica que a candidatura de Wilma habitava uma atmosfera carregada com os ventos da mudança, canalizando os difusos sentimentos popula­res para uma perspectiva de poder embalada por um ambiente de transformação trazido por outra candidatura, dessa vez em nível federal: a de Luís Inácio Lula da Silva. A expectativa de sua iminente vitória reforçava de forma subjacente a candidatura do PSB local, um clima muito bem aproveitado tanto pela equipe de campanha quanto pela capacidade de articulação política da candidata. Em suas próprias palavras, “esse sinergizado e coerentemente executado processo de marketing captou o sentimento difuso de mudança nacional, induzindo e instigando a tendência de voto pró-Wilma de Faria” (BARRETO, 2004, p. 175).
E acabou indo muito além de Macaíba. Encabeçando uma chapa ainda incompleta, com a ausência de um nome para senador, começa a campanha com apenas três prefeitos: Natal, Parna­mirim e Lucrécia. O maior de todos os desafios era como fazer para produzir, transmitir e consolidar uma imagem favorável nos mais de 160 municípios potiguares e com apenas um minuto e dezoito segundos de tempo na televisão no primeiro turno. Durante as reuniões da equipe de campanha, surge a principal ideia que nortearia todo o processo: quem foi uma grande prefeita para Natal será uma grande governadora no Rio Grande do Norte.
Além do escasso tempo de TV, a campanha de Wilma, sem apoio político (não contava com nenhum deputado estadual, com exceção do candidato a vice em sua chapa, o deputado estadual Antônio Jácome), enfrentava resistência dos principais meios de comunicação espalhados pelo Estado, principalmente as rádios e emissoras de TV convencionais, em sua maioria pertencente a grupos políticos aliados à oposição. Chegou a ser expulsa da Rádio Libertadora de Mossoró, em 2002. No entanto, era forçoso furar esse bloqueio se quisesse ter a mínima chance de vitória.
Se apenas com a exposição em larga escala da imagem político-comunicacional de Wilma era possível pensar em algum sucesso, e como não havia abertura nos meios de comunicação tanto na capital quanto no interior, a única saída encontrada pelas equipes de marketing e coordenação política foi elaborar um meio para que as pessoas tivessem acesso ao conteúdo da campanha: criar uma rede de rádios alternativas e comunitárias para divulgar mensagens, discursos, comícios e caminhadas. Em um nível mais profundo, um grupo de intelectuais e militantes de esquerda que havia sido banido durante a ditadura militar, e que detinha bastante credibilidade frente ao público, elaborava o arcabouço ideológico da disputa política, que se desenvolveria de forma subjacente, mas não menos importante que os outros níveis. Através deste grupo, as principais teorias explicativas da situação política, como a assunção do novo em meio ao velho, foram veiculadas em artigos de jornais e textos lidos nas rádios, almejando um processo de esclarecimento popular quanto à pe­culiaridade das eleições de 2002. Dele faziam parte, entre outros, Leonardo Arruda (PDT), Miranda Sá (PDT), Juliano Siqueira (PC do B), François Silvestre e Rinaldo Barros (PSB). Além deles, alguns vereadores da capital e lideranças comunitárias integravam essa base de apoio. 140
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Para a campanha, o coordenador de marketing adicionou à questão da “guerreira” a marca do “trabalho”. Pela primeira vez aparece o slogan “Wilma trabalha”, repetido desde então em todas suas propagandas políticas e institucionais. Em um minuto e dezoito segundos de propaganda eleitoral, Wilma tentou passar a informação de que dispunha de um projeto social melhor para o Rio Grande do Norte e capacidade de viabilizá-lo. Mas como, se não possuía apoio político ou econômico? Nesse momento, destacou-se a sua sintonia política com o candidato do PT à presidência da República, Luís Inácio Lula da Silva. Com a perspectiva da vitória em âmbito nacional, a parceria entre ambos traria bons augúrios para os potiguares. Portanto, a campanha deste ano foi baseada em três aspectos: a) a ênfase em sua experiência administrativa, pois havia governado três vezes a capital do Estado; b) um projeto voltado ao social; c) um projeto duplamente forte porque se atrelava a outro maior, que seria desenvolvido pelo futuro presidente do Brasil.
Apesar de surgir de um desmembramento de forças políticas oligárquicas, o marketing insistiu no fato de que Wilma havia iniciado a sua militância política em contato direto com o povo, arti­culando com ele a melhoria de sua própria condição de vida, negociando sua entrada na esfera do poder, ao qual passou a ter acesso abertamente. Unindo traços de personalidade aos mecanismos midiáticos, foi possível formatar uma imagem natural de Wilma como alguém cuja trajetória política a habilitava a assumir o “lugar de fala” a partir do qual se destacou, pois, como avalia seu coorde­nador de marketing, Alexandre Macêdo (2009), “a forma como ela se relaciona com as pessoas, o contato que ela tem com as pessoas; é uma pessoa que gosta de visitar obras, procura fazer aquilo que as pessoas querem que ela faça”.
Dessa forma, a estratégia foi germinando e a candidatura ganhando corpo no Estado, se trans­formando naquilo que o assessor de comunicação da candidata chamou de “mar vermelho”. O relato mostra também como é possível trabalhar uma imagem por meio do marketing pessoal, sem a necessidade de aparatos tecnológicos, no velho estilo Jânio Quadros. Assim, a mensagem
foi eclodindo, aquela força da mulher, da guerreira, injustiçada, discriminada, e da grande administradora que ela foi em Natal. Esse discurso foi tomando conta do Rio Grande do Norte como uma onda, se multiplicando, o mar vermelho que tomou conta do Estado. Muitas vezes chegávamos no interior do Estado e os líderes políticos fechavam as portas para ela. O prefeito, o vice, mas a população abria a porta pra ela tomar um café, pra servi-la. Teve até o episódio de um pato que foi comido na cidade do Oeste. Ela parou pra comer um pato e o dono disse que comeria esse pato quando ela fosse eleita governadora. E ela realmente voltou lá para comer o pato (LEMOS FILHO, 2009).
A questão do mito é inseparável da política. Segundo Carlos Alberto Almeida (2008), o eleitor médio trabalha com grandes emblemas, com símbolos, pelo simples motivos de que é impossível para ele estar a par de todas as facetas dos candidatos e das disputas, a ponto de formular uma imagem completamente baseada em um método racional de análise. As percepções, intuições, afinidades, empatias e inclinações ideológicas também atuam fortemente neste processo. É o que vemos, por exemplo, em Yan de Souza Carreirão (2002), citando Sartori, para quem existe um “voto por imagem” como intermediário entre o “voto por questão” (mais estruturado ideologicamente) e 141
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o voto por “identificação partidária” (menos estruturado ideologicamente). Para Carreirão (2002), o voto ideológico, politicamente bem estruturado, ponderado, racionalizado, embasado, ao contrário do que espera a teoria democrática, parece encontrar cada vez menos apoio na literatura interna­cional, demonstrando que “ele não é majoritário no conjunto do eleitorado, até porque ele implica um conjunto de exigências cujo custo o ‘eleitor comum’ não pode (ou está disposto) a pagar” (p. 61). 
Esses fatores são a força e a fraqueza do marketing político, pois as imagens públicas precisam ser erigidas em terreno propício. O líder só se mantém enquanto há a percepção majoritária de que ele no poder traz mais benefícios do que prejuízos aos liderados. Por isso, a construção de uma ima­gem pública passa por questões como trajetória individual de um candidato, relações sociais que determinam a recepção da mensagem, demanda estrutural e conjuntural, capacidade operacional do homem público, intervenção dos meios de comunicação, atuação do marketing, imaginário so­cial, representações, simbolismos e mitos. Estes últimos nunca estiveram ausentes do mundo, muito menos do âmbito político. Retraem-se e retornam transformados.
A retórica dos “poderosos” teria surgido no discurso wilmista da pena do jornalista Vicente Serejo (2009), segundo relata em entrevista ao autor. Seu ex-coordenador de campanha observa esta caracterização por outra ótica. Para Cassiano Arruda Câmara (2009), Wilma criou a teoria do inimigo inexistente, e pergunta: “quem são os poderosos? Ela foi aliada de todos eles e hoje a mais poderosa é ela”. Mas a questão dos “poderosos” foi fartamente explorada, sendo Wilma uma alternativa às oli­garquias, exibindo o charme discreto da mulher independente, a “guerreira”. Essa forma de apresen­tação não era uma verdade absoluta, mas não chegava a ser uma mentira sem fundamento no real.
Em 2002, o sucesso de sua campanha pode ser creditado principalmente a dois fatores:
Primeiro, Wilma desenvolveu uma história político-pessoal buscando a parceria com as co­munidades mais pobres, carentes, procurando em parte suprir suas necessidades básicas, em parte organizá-las em torno de suas próprias demandas, e em parte fortalecer sua base política para ga­rantir-lhe governabilidade. Almeida (2001) aborda esse ponto como essencial na construção de sua imagem: “uma característica clara da sua política populista é a necessidade do contato direto com a comunidade. A sua preocupação de apertar a mão das pessoas, de abraçá-las, de parar para ouvi-las são sinais visíveis do que estamos afirmando” (p. 103). A mesma impressão demonstra Macêdo (2009), ao explicar que “Ela é capaz de entrar numa favela, conversar com todo mundo, falar porque que faz a obra, porque que não faz. Entra em obra de saneamento, de estrada, tem essa empatia popular”.
Segundo, além do marketing político, aqui no sentido da promoção pessoal por meio das ati­tudes, Wilma cercou-se de uma competente equipe de marketing eleitoral, ou seja, àquelas pessoas encarregadas de, observando as expectativas e desejos populares, hipertrofiar, divulgar e consolidar uma imagem-marca, mas partindo dos próprios traços de personalidade demonstrados pelo indiví­duo político através de suas decisões e enfrentamentos, apenas fazendo-os passar pelos instrumentos modernos de visibilidade.
De acordo com Barreto (2004, p. 175), Wilma “Enfrentou acusações de uso de rádio-pirata, improbidade administrativa e esteve ameaçada de perda de participação no Horário Gratuito da Propaganda Eleitoral, tudo veiculado amplamente pela imprensa”. A equipe de marketing era pe­quena, contava com cerca de doze pessoas. Mas conseguiu multiplicar a influência. Quando os recursos para as viagens escasseavam, a solução encontrada foi produzir e divulgar material jorna­142
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lístico, aproveitando imagens de comícios e fotografias tiradas de ilhas de edição. A ideia era fazer da campanha uma batalha contra os poderosos, por vezes deixando Wilma a condição de vítima e partindo para uma posição mais ativa, de enfrentamento, enquanto em outro flanco tentava impe­dir que ruídos externos interferissem na transmissão da mensagem. Além disso, no melhor estilo fait divers – no sentido de fatos ausentes de historicidade jornalística, apenas sustentados por seus elementos internos –, quando a imprensa fechava as portas, era preciso criar os acontecimentos que as abrissem. Segundo seu assessor,
ela foi falando, dava entrevistas, fizemos boas matérias na mídia impressa, contestatórias em relação aos outros dois candidatos, desafiadoras. Um momento importante foi quando ela desafiou os dois candidatos a saírem nas ruas sem os padrinhos. [...] A gente tinha uma capacidade muito grande de criar fatos a partir dos discursos dela. Visitando, por exemplo, as delegacias do interior constatando as falhas, visitando os hospitais, escolas, lançando a proposta do ICMS, de mudanças de imposto. Enfim, lançando crítica à maneira de fazer política que vinha sendo feita (LEMOS FILHO, 2009).
A campanha de 2002, portanto, teve quatro principais obstáculos para os coordenadores políti­co e de marketing. Significava projetar uma liderança municipal em nível estadual, vencer a escassez de recursos, o tempo mínimo de um minuto e dezoito segundos (no primeiro turno) para transmitir a mensagem, contra adversários com aproximadamente sete minutos, e a falta de apoio político. Como explica Evangelista (2006, p. 216), “As eleições estaduais em 2002 é o cenário no qual, pela primeira vez, uma força política enfrenta vitoriosamente o PMDB e o PFL, os dois grupos dominan­tes na política norte-riograndense”. À frente da coligação Vitória do Povo, Wilma vence o primeiro turno com 492.756 votos, e vai para o segundo turno com o então governador Fernando Freire, que alcança 404.865 votos. Barreto (2004) explica que Wilma já se apresentava como uma força política de contra-poder aos grupos tradicionais: “confirmada a sua vitória, ela poderia ‘representar o sur­gimento de uma nova força política’, o que permitiu ao jornal colocar a notícia sob o título: ‘Wilma admite ser a terceira força no Rio Grande do Norte’” (p. 175).
Enquanto no plano do marketing eleitoral as mensagens ganhavam apoio popular, de outro lado, a conjuntura política pendia para o favorecimento da candidata. A rede informal de monito­ramento dos discursos adversários terminou por neutralizar, ou pelo menos minimizar o desgaste político. Mesmo sob ataque cerrado da imprensa, a imagem pública de Wilma ganhava corpo. As pes­quisas apontavam constante crescimento da candidata e o apoio político não tardaria a chegar, como o dos senadores Fernando Bezerra (PTB), José Agripino Maia (PFL) e do PT, tradicional adversário, trazendo consigo a força do candidato Lula – além de constrangimento para o diretório estadual.
No segundo turno os tempos se nivelam com dez minutos para cada lado. O profissional de marketing Chico Malfatani, ex-petista, que em 1996 havia vindo a Natal ajudar na campanha de Wilma contra o Partido dos Trabalhadores, o qual, por conhecer bem, sabia como enfrentar, retorna, por poucos dias, em 2002, como diretor de televisão. A perspectiva de vitória em nível nacional do candidato petista serve como combustível para a campanha em Natal. As cenas do primeiro comício de Lula no segundo turno, realizado em Natal, foram abundantemente exploradas pelo marketing 143
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de Wilma em sua propaganda eleitoral. Os discursos eram semelhantes, voltados ao popular, o que de certa forma era visto como uma espécie de renovação da política. Sobre a consolidação desta “terceira via” como expressão da diferença, durante as eleições para o executivo estadual em 2002, o jornalista Vicente Serejo (2009) registra: “[...] E foi essa mudança que o discurso de Wilma operou no eleitorado popular. A tal ponto que nos últimos dias arrastava multidões e o próprio Lula, tocado pela euforia, chegou a vê-la como o novo tempo, além dos Maia e dos Alves, como disse”.
E o resultado veio confirmar a tendência. Wilma vence o candidato da situação com 820.541 votos, 61% dos votos válidos, enquanto Fernando Freire, mesmo ocupando a máquina do governo, naufraga com 523.614 votos, ou 39,0% do sufrágio. Wilma agora era também a primeira mulher a ser eleger governadora no Estado. Tal fato ganhou destaque nos principais jornais da cidade. Segundo Barreto (2004, p. 176), “O DIÁRIO DE NATAL/O POTI noticiou, dia 28 de outubro de 2002, que, afinal, uma mulher havia sido eleita governadora do Rio Grande do Norte”.
Para Evangelista (2006, p. 217), a vitória de Wilma pode ser creditada a diversos fatores, ou “um conjunto de varáveis que lhe favoreceram”, entre elas, a consolidação de sua imagem pública baseada em um competente marketing político e governamental, com enfoque privilegiado em sua experiência administrativa à frente da capital, e tendo como veículo principal a televisão; e as mensagens com ênfase na questão da mulher corajosa e combativa, a “guerreira”, e no tema da ad­ministradora experiente e trabalhadora incansável. Tais aspectos, condensados no slogan “Wilma trabalha”, conquistaram todo o Estado, compensando algumas deficiências como o escasso tempo de Horário Gratuito de Propaganda Eleitoral no rádio e na TV e o fraco reconhecimento do PSB no interior. Para o assessor de Comunicação de Wilma de Faria avalia a campanha de 2002 como um divisor de águas, do ponto de vista político e de marketing:
Do ponto de vista político, a vitória dela sem fazer parte nem de A nem de B. do ponto de vista do marketing foi a vitória do marketing local, porque até 1994 criou-se uma cultura de importação de marketeiro. Quem fazia marketing político no Rio Grande do Norte ou era baiano, ou era paulista. Alexandre [Macêdo] conseguiu mostrar que no Rio Grande do Norte também se fazia bem. Enfrentamos de um lado João Santana com Fernando Freire, que foi o marketeiro de Lula, e do outro lado Augusto Fonseca, que fez Fernando Bezerra e já havia trabalhado com Garibaldi em 1998, e João [Santana] tinha feito Garibaldi em 1994 (LEMOS FILHO, 2009).
“A ELEIÇÃO DO BRIO FERIDO”
Em 2004, Wilma reelege o prefeito Carlos Eduardo Alves e aproveita para reafirmar sua con­dição de força política independente e alternativa aos tradicionais “poderosos” locais. No segundo turno das eleições, ao lado do candidato adversário, Luiz Almir, estavam os ex-governadores Aluízio Alves, José Agripino, Garibaldi Alves Filho, Fernando Freire e Geraldo Melo. A vitória serviu como uma luva para o fortalecimento de sua imagem pública: mais uma vez, todos os poderosos haviam se juntado contra ela, e ela derrotara a todos, de forma corajosa, destemida e aguerrida. Do seu lado estavam seu ex-marido e também ex-governador, Lavoisier Maia, e o senador Fernando Bezerra.
Na reeleição, Wilma parte para o maior de seus enfrentamentos: disputar o governo com Garibaldi Alves Filho, o imbatível, acertando contas que estavam em aberto desde quando ele a 144
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derrotara em 1985. Concomitantemente à vitória de Wilma de Faria, em 2002, o grupo vencedor passou a ser tachado de derrotado por antecipação. Garibaldi era tido como “governador de férias”, pois sua conhecida invencibilidade derrotaria Wilma de Faria na primeira oportunidade de embate, e o próximo estava marcado para 2006. “Esse efeito teve em nós um condão para que trabalhásse­mos três vezes mais. Essa foi a eleição do brio ferido” (LEMOS FILHO, 2009), disse o assessor de Comunicação da governadora.
Garibaldi liderou boa parte do primeiro turno. Isso fez com que a governadora cogitasse de­sistir da disputa e candidatar-se ao senado. O clima de “já ganhou” e a visibilidade alcançada por Garibaldi à frente da CPI dos Bingos, apelidada de “CPI do fim do mundo”, arrefecia os ânimos dos apoiadores do governo, que ensaiaram várias deserções. Não obstante, demonstrando habilidade política, Wilma realinha as forças amigas. Aos poucos vai desfazendo os nós com lances importantes, como a indicação para vice-governador e coordenador de sua campanha Iberê Ferreira de Souza, político de boa aceitação eleitoral, bem como o convite para o senador Fernando Bezerra, líder do governo Lula no Congresso e ex-ministro da Integração Nacional, disputar a reeleição em seu gru­po. Mas a aliança inesperada entre os dois ex-governadores, Garibaldi Filho e José Agripino parece dificultar ainda mais a situação da governadora.
Em termos de marketing político, a campanha decidiu por retomar alguns pontos já traba­lhados em eleições anteriores: a questão do “trabalho”, da mulher “guerreira”, e da luta contra os “poderosos” e em favor de “todos”. Em cada pesquisa divulgada Wilma vai corroendo a diferença inicialmente grande existente entre os dois candidatos. Em setembro, o instituto Vox Populi já aponta empate técnico, mas com vantagem de meio ponto percentual para a governadora. Com o Ibope a situação é semelhante. Mas dois institutos, o Sensus e o Consult, indicam que Wilma assume a dianteira com uma diferença de 13,8% e 5,9% dos votos respectivamente.
No segundo turno, a primeira ideia da equipe de marketing foi apresentar o que tinha sido o governo Wilma de Faria até o momento, enfatizando a questão de que, em três anos e meio de governo, havia feito mais que Garibaldi em oito anos. A estratégia de aliar o nome da governadora ao do presidente Lula incomoda o grupo adversário. No contra-ataque, o grupo da situação decide questionar a privatização da Cosern, estratégia, segundo o assessor de Comunicação, criada por ela mesma. Para evitar o efeito boomerang da propaganda negativa, o objetivo era não acusar ninguém diretamente, apenas explicando que o dinheiro poderia ter sido melhor aplicado. A venda da Com­panhia, que rendera a Garibaldi aproximadamente 700 milhões de dólares para investir em obras por todo o Estado, fator importante para a sua reeleição, acabou, por ironia do destino, sendo um dos principais elementos de sua derrota. Podemos dizer que o episódio da venda da Cosern foi o estopim para a demolição da imagem pública de Garibaldi Filho durante o período da eleição de 2006, principalmente quando o marketing da governadora passou a esmiuçar os números.
José Antônio Spinelli (2009) relembra que no dia da eleição para o segundo turno, ambos os candidatos concedem entrevista ao jornal Diário de Natal, na qual Wilma “[...] organiza seu discurso em torno do binômio investimento social/desenvolvimento, repisa o slogan da ‘guerreira’ e destaca sua condição de primeira mulher a governar o Estado” (p. 19). Por conta desta entrevista, o autor pôde resumir a estratégia da campanha wilmista:145
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Wilma de Faria, mais propositiva e agressiva, enfatiza três pontos: i) a marca do social, indício de sua identificação com o governo do presidente Lula; ii) a sua condição de mulher; iii) e o início de um novo ciclo político, com a quebra de uma tradição de mandonismo comandado por ‘políticos poderosos’ (SPINELLI, 2009, p. 19).
Portanto, a imagem pública de Wilma de Faria desde o início de sua carreira política, apesar de algumas variações motivadas pela inevitável mudança de conjuntura, gira em torno de um núcleo formado por categorias organizadoras. É o caso da mulher corajosa, “guerreira” e destemida; da identificação com o social; da trabalhadora incansável; e da luta contra os “poderosos”.
Imagens, canções, discursos, enfrentamentos políticos, tudo isto serviu para fortalecer esta impressão cuja vitalidade é preciso manter sob pena de se desmoronar. No final, Wilma vence a eleição com 824.101 votos, 52,38% dos votos válidos, contra 749.172 de Garibaldi, correspondente a 47,62% dos votos. Uma conquista de 60.085 eleitores no espaço entre dois turnos, enquanto o ad­versário acrescenta apenas 169 sufrágios. Garibaldi obtém sua primeira e – até o momento – única derrota em sua vida pública. Um acerto de contas esperado desde 1985. Por outra ironia, a propalada “terceira força” parece ter engolido uma delas, a dos Maia, de onde veio, e se tornado a segunda, lutando para nunca enfrentar o crepúsculo.
De fato, talvez jamais tenha se visto tão forte liderança após o surgimento de Aluízio Alves. Este revolucionou a forma de se fazer política. Seus feitos e obras traziam o nome da “Esperança”, assim como Wilma decidiu que seu governo era de “Todos”. Ambos marcaram profundamente a política norte-rio-grandense. Pode-se amá-los ou odiá-los, mas é impossível ignorá-los.
REFERÊNCIAS
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Enviado pelo pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo

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