Por: Rangel Alves
da Costa(*)
UM PÔR DO SOL EM KANTARA
Kantara está
localizado em algum lugar, mas talvez também não exista em lugar algum. Mas lá,
existente ou não, há um pôr do sol inigualável, e por diversos motivos.
Estranho que
seja assim, pois o sol que se põe em Kantara é exatamente igual aos mais belos
sóis quando adormecem. Depois da tarde, quando chega o entardecer e a brisa
suave começa a soprar um pouco mais forte, e então no horizonte se descortina o
encantamento.
Feito um
laranjal ao longo da frutificação, o sol amarelo vai tomando uma cor de laranja
madura, da cor da terra e do bronze, para em seguida afoguear e soltar suas
labaredas por entre as nuvens. Que belo fogo no sol de Kantara!
As labaredas
afogueadas servem como moldura a uma indescritível paisagem. As nuvens se movem
em diversos matizes, do dourado ao vermelho sangue, até tudo ser tomado por uma
bola de fogo engolindo a última revoada do dia. E tudo vai ficando distante,
numa viagem que o olhar comovido não resiste de seguir.

Todo este
cenário, num misto de arte e transformação, somente é possível em Kantara. Por
isso mesmo que o seu pôr do sol vai além de uma mudança de astros, de uma
despedida da luz solar e a chegada dos primeiros sinais da noite, para se
transformar numa página de encantamento, reflexão e pulsação espiritual.
Somente
Kantara para possuir tal portal ao entardecer. Pelas areias de suas praias, no
cais de chegada e partida, em cima de montes e montanhas, nas solitárias e
silenciosas campinas, numa janela qualquer defronte à natureza, seja em
qualquer lugar, tudo leva ao instante maior da magia do seu pôr do sol.
Somente o fim
de tarde em Kantara para que todos os sentimentos escondidos ou adormecidos
sejam revelados ou aflorados. Vem a saudade boa, chega a terna lembrança,
surgem as doces recordações de feições e momentos, de encontros e
compartilhamentos.
E também
outras memórias, faces tão insistentes nestes momentos de pôr do sol. Por mais
que se queira viver apenas o encantamento e a magia do momento, impossível
fugir dos olhares internos que chegam ao pensamento como sentenças de aflição e
angústia.
É próprio do
pôr do sol, principalmente no entardecer de Kantara, que tudo aconteça assim. O
olhar sorridente, a mente esvoaçante, o coração tomado de contentamento, e de
repente tudo mudando de cor como a própria paisagem adiante. A tristeza, a
saudade dolorosa, o retrato angustiante, tudo isso também faz parte da moldura
daquele pôr do sol.
De onde a
pessoa está, de onde lança seu olhar para a fogueira no horizonte, tudo ao
redor parece também tomado por aquelas cores avermelhadas, abrasadas, de lava
escorrendo entre as nuvens. As pastagens, as montanhas, as pedreiras, as
estradas e curvas, os arvoredos solitários, tudo também tomado por aquele fogo
sonolento e inebriante.
Sonolento
porque já resto do dia, entorpecido porque o sol já com suas últimas forças
para partir, tudo em calmaria porque as ondas açoitantes da tarde já se
recolhendo para o silêncio das sombras da noite que logo virão. No último
esforço de existência, aquelas veias do entardecer jorrando seu sangue por
detrás das montanhas, além da linha do horizonte.
O pôr do sol
em Kantara também é verso e poesia, é escrita íntima e sentimental; folheia
álbum de antigas fotografias, avista cartas amareladas pelo tempo, reencontra
imagens escondidas atrás dos vitrais da memória. Naquele instante todo ser é
poeta e cantador, é um leitor do próprio passado.

Em Kantara,
nas tardes de pôr de sol, também já sorri e chorei, já voei e pousei no mesmo
galho frágil do pensamento. E ali também já abri meus braços e orei como se
estivesse diante do templo maior da fé e perante de um Deus maravilhoso e só
meu. Eis que Kantara também é templo e paraíso.
Mas não sei
bem onde fica Kantara. Não sei se é muito longe ou muito perto, se é aqui ou
ali. Talvez esteja em qualquer onde meus sentimentos se elevem ao pôr do sol.
Talvez esteja em Poço Redondo, na minha janela de agora ou no seu olhar.
Talvez esteja
mesmo no seu olhar. Por isso me perco em viagem a partir do seu cais e retorno
sempre que a brandura dos seus braços me deixe repousar.
Rangel Alves da Costa, nascido em 1963, é natural de Poço Redondo, no Alto Sertão Sergipano do São Francisco. É advogado e escritor, e reside em Aracaju. Já publicou os seguintes livros: Estórias dos Quatro Ventos (crônicas), Memória Cativa – O Sertão em Prosa e Verso, Sertão - Poesia e Prosa, Tempestade (romance), Ilha das Flores (romance), Evangelho Segundo a Solidão (romance), Desconhecidos (romance), Todo Inverso (poesias), Já Outono (poesias), Poesia Artesã (poesias), Andante (poesias), O Livro das Palavras Tristes (crônicas), Crônicas Sertanejas (crônicas), Crônicas de Sol Chovendo (crônicas), Três Contos de Avoar (contos), A Solidão e a Árvore e outros contos (contos), Poço Redondo – Relatos Sobre o Refúgio do Sol, Da Arte da Sobrevivência no Sertão, Estudos Para Cordel (prosa rimada sobre o cordel). Participou também da coletânea Gandavos - Contando outras histórias. Possui outros livros prontos para publicação, dentre os quais Nas mãos de Deus: um romance de injustiça e Entre a Ficção e a História - O Cangaço Imaginário. Colabora com artigos para o Jornal do Dia, de Aracaju. Diversos sites também publicam seus textos.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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