Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
A Poesia como Instrumento de Manutenção do
Discurso Oficial no Jornal Impresso1
1 Trabalho
apresentado no DT 1 – Jornalismo do XV Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Nordeste realizado de 12 a 14 de junho de 2013.
2 Graduando no
Curso Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte, UERN, email: mario.gerson@folha.com.br
3 Orientadora
do trabalho. Professora Ms. do Curso Comunicação Social da Universidade do
Estado do Rio Grande do Norte, UERN, email: marciadeopinto@hotmail.com
Mário Gerson
Fernandes de OLIVEIRA2
Márcia PINTO3
Universidade
do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN
RESUMO
Este artigo
tem como objetivo analisar o poema Mossoró, 30 de setembro de autoria de um dos
nomes mais conhecidos da poesia no Estado do Rio Grande do Norte, José Martins
de Vasconcelos. Nesta análise, vamos perscrutar os caminhos de legitimação do
discurso oficial e histórico do poema que permeia os atos oficiais e
imaginários da cidade de Mossoró/RN. O poeta se utilizou de seus textos nos
jornais da cidade para enaltecer o município e, com isso, validar o discurso de
“cidade da liberdade”, através de seus escritos.
PALAVRAS-CHAVE:
Poesia;
literatura; jornalismo.
Desde os
tempos mais remotos, a poesia é utilizada como meio de divulgação de ideias,
manifestação do pensamento, de sentimentos e, também, de manutenção ou sustento
de discursos oficiais, bem como o contrário, se levarmos em consideração os
nomes de poetas revolucionários como Maiakóvski e Victor Hugo, em épocas
distintas e em situações diferentes.
Nesse sentido,
o que queremos explorar neste trabalho é justamente o aspecto ideológico do
poema, pouco estudado e, principalmente, sua função de mantenedor de um
discurso oficial nas páginas dos jornais.
A cada dia,
entretanto, essa visão apenas contemplativa da poesia – de que é arte para se
sentir e meio para se chegar às mentes “românticas” – tem caído por terra e
dado lugar a um aspecto até então pouco percebido, que é, justamente, o seu sentido
social, cultural e, ao mesmo tempo, ideológico, permeado que está o texto de
marcas notórias Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste –
Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
2
de contestação
ou não de feitos e fatos, passagens e momentos históricos de uma cidade, região
ou país.
O jornal
impresso, por sua vez, especialmente no caso do poeta José Martins de
Vasconcelos, estudado neste artigo, foi um dos meios pelos quais se utilizou
para reproduzir o sentido do discurso oficial de uma cidade libertadora e de
vanguarda, no que se refere a aspectos encontrados em seus textos sobre o
município de Mossoró-RN.
Aqui, no
entanto, é desnecessário o aprofundamento inicial do que seja, para a Teoria da
Literatura ou mesmo para as vertentes literárias, a distinção entre poesia e
prosa, no que diz respeito ao contexto de nosso artigo, uma vez que colocamos
em relevo os aspectos sociais e ideológicos do poema aqui estudado e não seu
sentido literário, sendo, pois, necessária esta intervenção.
Nina (2007)
destaca:
A simbiose
entre literatura e jornalismo é antiga. Grandes escritores brasileiros tiveram
passagem pela imprensa, foram críticos ou cronistas antes de se tornar ficcionistas.
Machado de Assis é um desses casos. Ele afinou a pena nas páginas dos jornais,
e o exercício diário da escrita moldou os contornos da sua ficção. (NINA, 2007,
p.17)
Nina (2007)
continua e ressalta que o espaço destinado à Literatura, durante o século XIX,
era maior do que o que temos hoje “quando a desliteraturalização do jornal é
uma verdade inconteste”:
O jornal se
tornou menos opinativo e mais informativo, gerando um empobrecimento do lugar
na Literatura; [...] Não é mais como antigamente quando a Literatura fazia
parte dos jornais, sendo o pièce de résistence de alguns veículos. A linguagem
dos primórdios do jornalismo também foi bastante influenciada pela Literatura
até ir se afastando dela, se definindo melhor e se diferenciando, passando a
apresentar um estilo mais objetivo, mais conciso e mais claro. (TRAVANCAS,
2000, p.43 apud NINA)
Mesmo
enfrentando, hoje, grande crise, no que concerne à sua importância para as páginas
dos jornais, a Literatura, termo geral que designa, aqui, toda produção
literária, em prosa ou verso, publicada nos periódicos, está longe de ser a
mesma literatura rebuscada e ufanista do século XIX, mas também sofre de uma
séria crise de identidade, nos tempos em que os indivíduos e suas ideias se
fragmentam e se esfacelam, num mundo cada vez invadido por ideias e ideologias
que vão e vem à mercê do gosto dos leitores ou dos modismos das revistas de
resenhas literárias. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
3
Pena (2006) é
enfático ao afirmar que, nos séculos XVIII e XIX, escritores de prestígio
tomaram conta dos jornais e descobriram a força do novo espaço público.
Não apenas
comandando as redações, mas, principalmente, determinando a linguagem e o
conteúdo dos jornais. E um de seus principais instrumentos foi o folhetim, um
estilo discursivo que é a marca fundamental da confluência entre Jornalismo e
Literatura. (PENA, 2006, P. 28)
Pena (2006)
destaca que essas colaborações nos jornais impressos – sejam de poetas ou
prosadores – também influenciam em status. Segundo ele, “ter o nome veiculado
nas páginas dos jornais legitima tanto os autores quanto os críticos”,
possibilitando, assim, uma espécie de reconhecimento e influência no meio
social.
Crises e
influências à parte, é Barthes (1984, p.118) que descortina o véu da ligação do
escritor com a História e, consequentemente, com o advento de uma “opção
necessária entre várias morais da linguagem; ela (a História) o obriga a
significar a Literatura segundo possíveis que ele não domina”. Assim, o
filólogo francês adentra a um questionamento basilar, no que diz respeito à
produção literária em questão: sabia este poeta Martins de Vasconcelos que a
História impregnada em seus versos correspondia a um sistema ideológico, a uma
ideia dominante? Saberia ele distinguir os limites de sua produção e a ufanização
de um acontecimento histórico? Estaria sendo utilizado de maneira inocente para
reproduzir um discurso “libertador e vanguardista” de uma cidade “libertadora e
à frente de seu tempo”, chamada, até os dias de hoje, de “País de Mossoró”?.
Barthes (1984)
esclarece, frisando que “em toda e qualquer forma literária, existe a escolha
geral de um tom, de um etos, por assim dizer, e é precisamente nisso que o
escritor se individualiza claramente porque é nisso que ele se engaja”. Seria
esse engajamento consciente ou faria parte de um processo alheio à produção, de
um processo natural da escritura?
A escritura
continua cheia de lembranças de seus usos anteriores, porque a linguagem nunca
é inocente: as palavras têm uma memória segunda que se prolonga misteriosamente
em meio às significações novas. A escritura é precisamente esse compromisso
entre uma liberdade e uma lembrança; é essa liberdade lembrante que só é
liberdade no gesto da escolha, mas já não o é mais na sua duração. (BARTHES,
1984, p. 125)
Cyro dos Anjos
(1956), citando André Maurois, salienta: Intercom – Sociedade Brasileira de
Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da
Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
4
Em artigo
publicado na Enciclopédie Française (volume XVI – Arts et Litératures dans la
société contemporaine), escreve ele que uma das mais prementes necessidades do
indivíduo, quando experimenta forte emoção, é fazê-la entrar num quadro social.
Partindo dessa ideia, encontra para a arte utilidade imediata: o emolduramento
do real. (1956, p.66)
Mas é em
Jean-Paul Sartre que a inocência da linguagem ou da escritura, para retomarmos,
assim, a ideia inicial de Barthes, ganha outros contornos – além das imagens
românticas e da visão de que Literatura é apenas um meio lúdico ou um jogo – um
divertimento em que se ganha ou se perde algo ou em que se exprime um
sentimento.
Com Jean-Paul
Sartre [...] de modo algum, a arte se lhe afigura atividade desinteressada,
contemplação de essências platônicas ou de arquétipos da beleza. Seu conceito
de Literatura embebe-se na ideia do engajament, e se deixa dominar inteiramente
por ela. (ANJOS, 1956, p.81)
Aristóteles,
em seu pequeno tratado Da arte poética, no entanto, vai além dessa visão do engajament;
em verdade, penetra mais profundamente no sentido da construção do literário
através da história, destacando:
Não constitui
função do poeta descrever o que realmente aconteceu, mas que espécies de coisas
podem acontecer, isto é, que coisas são suscetíveis de ocorrer por serem, nas
circunstâncias, prováveis ou necessárias. A diferença entre o historiador e o
poeta não reside no fato de um escrever em prosa e o outro em verso; a obra de
Heródoto poderia ser versificada, e sua forma metrificada não seria menos
histórica do que a forma não metrificada. A diferença é que um conta o que
aconteceu, e o outro o que pode acontecer. Por esse motivo, a poesia é algo
mais filosófico e mais digno de séria atenção do que a História, pois, ao passo
que a poesia diz respeito a verdades universais, a História trata de fatos
particulares. (ARISTÓTELES, 1989, p.25)
É nesse
sentido, pois, que entramos, agora, no poema de José Martins de Vasconcelos,
intitulado Mossoró, 30 de setembro. É este poeta um exemplo clássico de vate a
serviço do louvor de um acontecimento histórico, como tem ocorrido, durante
anos, com vários outros poetas que emprestaram suas liras para a manutenção de
discursos ditos “oficiais”. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos
Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na
Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
5
Martins de
Vasconcelos, o poeta e sua lira
José Martins
de Vasconcelos nasceu a 11 de novembro de 1874, no município de Apodi/RN e era
considerado um entusiasta da literatura e do jornalismo. Em 1915 fundou o
primeiro jornal em Mossoró, intitulado A Crise. Mas, em 15 de novembro de 1916,
ele daria um salto além de seu tempo com a criação do periódico O Nordeste, que
circularia até o dia 8 de fevereiro de 1934, em Mossoró. Com O Nordeste,
Martins de Vasconcelos fez carreira como jornalista. Mas nada começou assim, do
nada. O historiador Geraldo Maia, no artigo Martins de Vasconcelos, publicado
no jornal cultural Clandestino (janeiro de 2004), veículo alternativo que
circula, ainda hoje, na cidade, relata que
Aos 11 anos de
idade, Martins de Vasconcelos muda-se para Mossoró a fim de tentar a vida. Aqui
chegando, fez de tudo: moleque de recados, vendedor de jornais (numa primeira,
depois incurável convivência com o móvel do seu interesse maior). Tinha um
objetivo na vida: sabia que o destino de quem não sabia ler era ser vendedor,
de tabuleiro na cabeça. Isso o aterrorizava. E foi esse medo que o fez adquirir
uma gramática e um dicionário, na esperança de desvendar o mistério do
abecedário”.
Martins de
Vasconcelos se destacou no cenário cultural do município, segundo atesta Leite
(1974):
Jornalista
desde o tempo do O Comércio de Mossoró que circulou até, parece-me, o ano de
1914, sob a direção do Cor. Bento Praxedes, ex-chefe político local, falecido
em 2º de abril de 1922, José Vasconcelos aparecia assiduamente nesse semanário,
sob o pseudônimo de Jomarvas, escrevendo sueltos, crônicas, editoriais, sonetos
e poesias. Desaparecido O Comércio de Mossoró, fundou, em outubro de 1916, com
o concurso de sua poderosa força de vontade, o O Nordeste, jornal de vida até
alguns anos e que todos o conheceram. Circulou até 1934. Fundou também A Crise,
em 1915, jornal que teve poucos meses de vida.
O pesquisador
Geraldo Maia reforça a ligação de Martins de Vasconcelos com o jornalismo e sua
vida dedicada às letras:
A redação do
jornal era sua tenda de trabalho, sua cachaça, o vício de sua vida”, como
declarou o escritor Raimundo Nonato, que, como amigo, o tratava de Zé do
Nordeste. Manteve-se sempre atento às dificuldades enfrentadas pelo município e
se notabilizou, entre outras coisas, pela defesa do meio ambiente, pelo
estímulo à atividade cultural e pelo carinho que dedicava às figuras que davam
relevo à cultura mossoroense e sua história. Ele, um autodidata, era devorador
de livros. E toda sua atividade jornalística se marca pela produção de textos
de impressionante qualidade. Colaborou com todos os jornais Intercom –
Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso
de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
6
da terra, até
mesmo em jornais literários e estudantis, feitos de forma manuscrita.
Ele também
incentivou jovens poetas e publicou livros de poemas e contos. São de sua
autoria Saltério da Saudade (Poesia, 1905) e Renovos D’alma (Poesia, 1906),
entre outros. O jornalista faleceu em Mossoró, a 22 de dezembro de 1947. Hoje,
a travessa localizada ao lado da gráfica O Nordeste, no Centro, possui o seu
nome, mas é conhecida também como Beco da Imprensa.
Apesar de seu
empenho pela literatura, Martins de Vasconcelos é um poeta ainda esquecido em
sua cidade (Apodi-RN) e pouco lembrado em Mossoró-RN, terra que adotou como
segunda casa.
Seus poemas,
principalmente os chamados “poemas da primeira fase”, em que ele trabalha a
forma do soneto, evidenciam um poeta preocupado com a métrica e as regras
básicas da poesia, mas também realçam uma escritura baseada num romantismo já
superado ou eivada de parnasianismo, o que era comum à época.
É, no entanto,
nos poemas da chamada “segunda fase” que o poeta Martins de Vasconcelos se
compromete com os fatos históricos da cidade como, por exemplo, o 30 de
Setembro de 1883, data em que se comemora a “libertação dos escravos no
município”.
Nas primeiras
estrofes de seu poema, Martins de Vasconcelos conclama:
Desfraldem-se
os estandartes
Das falanges
do civismo,
Retumbem, com
altruísmo,
Os epinícios
da paz:
E brade,
altivo, de pé,
Desde a
montanha à cidade,
O gênio da
liberdade;
– Viva um povo
que se faz!
A ideia de
“povo que se faz” está presente, até hoje, no espírito coletivo da cidade,
através de seus historiadores e mesmo de suas instituições culturais, que
passam, sempre que possível, a ideia de uma cidade “à frente de seu tempo”,
“libertadora”, “vanguardista” e “progressista”, como forma de manutenção de um
discurso outrora evidenciado, através da libertação de seus cativos, ocorrida
em 30 de setembro de 1883.
A própria
libertação dos escravos no município contou com a alforria de 86 escravos, não
sendo, também, a primeira cidade a libertar os seus cativos, como tem sido
propagado, erroneamente, durante alguns anos, mesmo através de seus poetas ou
pesquisadores. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste –
Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
7
Nesse sentido,
vale salientar que a libertação dos escravos na cidade aconteceu pouco tempo
depois do município de Acarapé, no Ceará, segundo atesta Geraldo Maia:
Em 30 de
setembro, Mossoró comemora a mais cívica de suas festas: a libertação de seus
escravos em 1883, fato ocorrido cinco anos antes da famosa Lei nº 3.353, de 13
de maio de 1888, a cognominada Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, que
acabava definitivamente com a escravidão no Brasil. Não foi a primeira cidade
brasileira a libertar seus escravos, como muitos apregoam; esse mérito coube a
Acarapé, no vizinho Estado do Ceará, que libertou os seus escravos no dia 1º de
janeiro de 1883. Na realidade, Mossoró foi a sexta cidade a acabar de vez com a
mancha negra da escravidão, já que antes de 30 de setembro, cinco outras
cidades cearenses já os tinham libertados, como segue: Icó, em 25 de março de
1883; Baturité, em 25 de março de 1883; Maranguape, em 20 de maio de 1883;
Fortaleza, em 24 de maio de 1883 e Viçosa, em 29 de setembro de 1883.
Acarapé, já
mencionada, ainda era vila, pois não tinha sido elevada à categoria de cidade.
Mossoró, no entanto, “é a única cidade em todo o Brasil onde a abolição é
comemorada com as homenagens da gratidão e do orgulho mental”, segundo as
palavras do historiador Luís da Câmara Cascudo.
O pesquisador
complementa, salientando que
A ideia de
libertação dos escravos veio do Ceará, trazida por Romualdo Lopes Galvão e sua
esposa D. Amélia Dantas de Souza Melo Galvão. Quando o casal chegou a Mossoró,
na primeira quinzena de 1882, foi recebido festivamente pelos seus amigos e
companheiros da Loja Maçônica 24 de Junho. Romualdo trazia uma mensagem da
maçonaria de Fortaleza para a Loja 24 de Junho, de Mossoró, para concitarem,
sem perda de tempo, seus amigos e parentes para levar a efeito a grande batalha
cívica em favor da raça negra. E foi o próprio Romualdo que promoveu a fundação
da Libertadora Mossoroense, como presidente interino, no dia 6 de janeiro de
1883, na Casa das Sessões da Câmara Municipal. O objetivo da entidade, era de
libertar todos os escravos do município de Mossoró, a exemplo do que havia sido
feito em Acarapé, no Ceará. Uma vez constituída a sociedade com as adesões dos
melhores elementos da terra, foi eleita por aclamação a diretoria definitiva
com Joaquim Bezerra da Costa Mendes, presidente, Romualdo Lopes Galvão,
vice-presidente, Frederico de Carvalho, 1º secretário, Dr. Paulo Leitão
Loureiro de Albuquerque, como orador.
Segundo ele, o
Código da Liberdade era composto de um único artigo, sem parágrafo, que dizia:
“Todos os Meios são Lícitos a fim de que Mossoró Liberte os seus Escravos”.
No poema de
Martins de Vasconcelos, uma espécie de canto, vemos, também, a ideia de povo,
pátria e civismo nos versos seguintes:
Um povo que
não se verga
E extirpa as
garras furentes Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares
da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste –
Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
8
Desse monstro
de mil dentes,
– O nefasto
servilismo,
E, sem fugir
da contenda,
Ao restrugir
das metralhas...
Põe-lhe por
terra as muralhas...
– É povo! É
pátria! É civismo!
Assestem-se
baterias
Nas fronteiras
do porvir,
E, quando a
aurora surgir,
– A aurora de
cada louro –
Salve-se a luz
desse dia,
E jamais prive
o despeito
O memorar
desse feito,
Que vale mais
que um tesouro!
[...]
Podemos
deduzir que o poeta – como muitos de seu tempo – tinha os feitos históricos –
principalmente os oficiais – com entusiasmo e idealismo, como atestam Raimundo
Nonato e Walter Wanderley, no livro Jornalista Martins de Vasconcelos, um homem
de muitas lutas:
A vida do
jornal foi para José Martins de Vasconcelos, uma espécie de calendário de lutas
cívicas, dado que nessa “dura escola de sacrifícios e decepções”, não teve
tempo de arrefecer o entusiasmo e o idealismo de combatente ao lado das
campanhas do interesse da coletividade. [...] Seu jornal foi, por isso, uma
trincheira do bom combate, sempre pronto para condenar as atitudes que não
fossem as do equilíbrio e do bom senso, da moralização das instituições, de
defesa intransigente das normas administrativas e salvaguarda do patrimônio
público.
Podemos
perceber, a partir deste pequeno quadro, que Martins de Vasconcelos se inclui
entre os autores que estavam a serviço “do equilíbrio e do bom senso, da
moralização das instituições”, da “defesa intransigente das normas administrativas
e salvaguarda do patrimônio público”, sob um tom de “civismo” que pode ser
percebido em todo o poema intitulado Mossoró, 30 de Setembro.
[...]
Ó irmãos, ó
brasileiros!
Professemos,
sem maldade,
O ritual da
igualdade,
Nos cenáculos
da luz.
Cinjamos o
gládio santo
– O gládio da
redenção –
Que a
Liberdade é a unção
Por Cristo
dada na cruz!
Apesar do tom
epopeico e, até certo estágio, exacerbado, o poeta confessa a verdade que,
durante alguns anos, muitos outros viriam a deturpar, colocando Mossoró Intercom
– Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV
Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a
14/06/2013
9
como primeira
cidade a libertar os escravos no País. No trecho que se segue, ele cita a
primeira cidade a alforriar seus cativos, Acarapé, no Ceará:
Escutai,
mossoroenses:
Houve outros
feitos de heróis,
Que valeram
mais que sóis,
Derramando luz
aqui:
Como um beijo
de Iracema,
Dos Acarapes
virentes,
– Qual sonho
de Tiradentes –
Uma voz
gritou: Poti!
Oitenta e três
– ano heroico
Do áureo
século das luzes –
Troando, qual
mil luzes –
Exalçou, de
asas pujantes,
O Condor da
Abolição,
Que deixava
nos caminhos,
Onde fazia
seus ninhos,
Uma prole de
gigantes!
Mitologia e
discurso de liberdade permeiam outros versos do poema, evidenciando o valor do
ato de libertação e colocando o município numa posição de destaque: “Mossoró,
tão nobre e altivo”... como ressalta, nos versos seguintes:
Essa visão
imortal
– Mais que a
Fênix celebrada –
Nas garras
tendo uma espada
Em defesa do
cativo,
– Pousou na
fronte viril
Do campeão
meigo e forte,
Do Rio Grande
do Norte
– Mossoró, tão
nobre e altivo...
Em plena
cidade, um brado,
Cheio de amor
e bondade,
Repercutiu: –
Liberdade!
De setembro
aos trinta dias!
E a boa fama
prossegue
Desde esse
dia, a sorrir,
Como a
história faz seguir
A santa lei do
Messias!
Hoje, e nunca
como Atiante
Que ao peso
vergou sem fim...
Ó meu Brasil,
livre, assim,
Dos ferros da
Escravidão,
Te vejo acima
dos Andes!
E a ti,
Mossoró liberta,
Eu salvo! E
alerta! Alerta!
Ó pátria de
Camarão! Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste –
Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
10
O tom
acentuado nos últimos versos – seguindo a trajetória da introdução do poema –
nos leva a um dos objetivos do poeta: transmitir mais que sentimentos,
transmitir uma ideia, uma ordem, uma conclamação. Ou seja, quando o poeta
exclama: “E a ti, Mossoró liberta, / Eu salvo! E alerta! Alerta!” ele abre as
portas para a conclamação à cidade a fim de que esta esteja “sempre alerta”,
que é, como sabemos, o grito e o lema dos escoteiros.
Para
relembrarmos, enfim, Barthes, não é muito elucidar que, no caso do poema de
Martins de Vasconcelos, podemos identificar um autor situado a meio caminho
entre o “militante e o escritor”, “herdando do primeiro uma imagem ideal do
homem engajado, e do segundo a ideia de que a obra escrita é um ato”, ou,
ainda, uma demarcação, um registro, um apoio e um suporte ao discurso oficial.
Podemos notar,
assim, sua utilização dos suportes de comunicação que estavam ao seu dispor –
incluindo-se, então, os jornais para os quais colaborou, entre eles O
Mossoroense e o jornal de sua propriedade, O Nordeste, jornal que teve forte
influência cultural e política em seu tempo e que serviu de “trincheira” para
as “causas cívicas” da época, denotando o comprometimento do poeta com os temas
já aqui abordados e evidenciados em sua poesia, especialmente no poema que leva
o sugestivo título de Mossoró, 30 de Setembro.
REFERÊNCIAS
ANJOS, Cyro
dos. A criação literária. Cadernos de Cultura. Rio de Janeiro, 1956.
BARTHES,
Roland. O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix, 1989.
BRITO,
Raimundo Soares de. Amol, patronos e acadêmicos. Mossoró: KMP / Petrobras,
2008.
NONATO,
Raimundo; LEMOS, Cosme. (Orgs.). Dois depoimentos sobre Martins de Vasconcelos.
Mossoró: Coleção Mossoroense, 1964.
NONATO,
Raimundo; WANDERLEY, Walter. (Orgs.). Jornalista Martins de Vasconcelos, um
homem de muitas lutas. Mossoró: Coleção Mossoroense e Pongetti, 1974.
MUNIZ, Caio
César. (Org). 100 poetas de Mossoró. Mossoró: Coleção Mossoroense, 2000.
NASCIMENTO,
Geraldo Maia do. Fatos e vultos de Mossoró. Mossoró: Coleção Mossoroense, 2002.
NINA, Cláudia.
Literatura nos jornais: a crítica literária dos rodapés às resenhas. São Paulo:
Summus, 2007. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste –
Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013
11
PENA, Felipe. Jornalismo
literário. São Paulo: Contexto, 2006.
ROSADO,
Dalvanir. A poesia em Mossoró. Mossoró: Instituto Cultural do Oeste Potiguar,
1958.
VASCONCELOS,
José Martins de. Obras completas. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores e
Coleção Mossoroense, 1956.
PERIÓDICOS
NASCIMENTO,
Geraldo Maia do. Martins de Vasconcelos. Jornal Clandestino, janeiro de 2004.
Web: Acessado
em:
http://www2.uol.com.br/omossoroense/150902/geraldo.htm
Enviado pelo pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo
http://sednemmendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário