terça-feira, 3 de setembro de 2013

O esquecido poeta Martins de Vasconcelos

 

Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

A Poesia como Instrumento de Manutenção do Discurso Oficial no Jornal Impresso1

1 Trabalho apresentado no DT 1 – Jornalismo do XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste realizado de 12 a 14 de junho de 2013.

2 Graduando no Curso Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, pela Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, UERN, email: mario.gerson@folha.com.br

3 Orientadora do trabalho. Professora Ms. do Curso Comunicação Social da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, UERN, email: marciadeopinto@hotmail.com

Mário Gerson Fernandes de OLIVEIRA2
Márcia PINTO3
Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, Mossoró, RN

RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar o poema Mossoró, 30 de setembro de autoria de um dos nomes mais conhecidos da poesia no Estado do Rio Grande do Norte, José Martins de Vasconcelos. Nesta análise, vamos perscrutar os caminhos de legitimação do discurso oficial e histórico do poema que permeia os atos oficiais e imaginários da cidade de Mossoró/RN. O poeta se utilizou de seus textos nos jornais da cidade para enaltecer o município e, com isso, validar o discurso de “cidade da liberdade”, através de seus escritos.

PALAVRAS-CHAVE:
Poesia; literatura; jornalismo.

Desde os tempos mais remotos, a poesia é utilizada como meio de divulgação de ideias, manifestação do pensamento, de sentimentos e, também, de manutenção ou sustento de discursos oficiais, bem como o contrário, se levarmos em consideração os nomes de poetas revolucionários como Maiakóvski e Victor Hugo, em épocas distintas e em situações diferentes.

Nesse sentido, o que queremos explorar neste trabalho é justamente o aspecto ideológico do poema, pouco estudado e, principalmente, sua função de mantenedor de um discurso oficial nas páginas dos jornais.

A cada dia, entretanto, essa visão apenas contemplativa da poesia – de que é arte para se sentir e meio para se chegar às mentes “românticas” – tem caído por terra e dado lugar a um aspecto até então pouco percebido, que é, justamente, o seu sentido social, cultural e, ao mesmo tempo, ideológico, permeado que está o texto de marcas notórias Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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de contestação ou não de feitos e fatos, passagens e momentos históricos de uma cidade, região ou país.

O jornal impresso, por sua vez, especialmente no caso do poeta José Martins de Vasconcelos, estudado neste artigo, foi um dos meios pelos quais se utilizou para reproduzir o sentido do discurso oficial de uma cidade libertadora e de vanguarda, no que se refere a aspectos encontrados em seus textos sobre o município de Mossoró-RN.

Aqui, no entanto, é desnecessário o aprofundamento inicial do que seja, para a Teoria da Literatura ou mesmo para as vertentes literárias, a distinção entre poesia e prosa, no que diz respeito ao contexto de nosso artigo, uma vez que colocamos em relevo os aspectos sociais e ideológicos do poema aqui estudado e não seu sentido literário, sendo, pois, necessária esta intervenção.

Nina (2007) destaca:

A simbiose entre literatura e jornalismo é antiga. Grandes escritores brasileiros tiveram passagem pela imprensa, foram críticos ou cronistas antes de se tornar ficcionistas. Machado de Assis é um desses casos. Ele afinou a pena nas páginas dos jornais, e o exercício diário da escrita moldou os contornos da sua ficção. (NINA, 2007, p.17)

Nina (2007) continua e ressalta que o espaço destinado à Literatura, durante o século XIX, era maior do que o que temos hoje “quando a desliteraturalização do jornal é uma verdade inconteste”:

O jornal se tornou menos opinativo e mais informativo, gerando um empobrecimento do lugar na Literatura; [...] Não é mais como antigamente quando a Literatura fazia parte dos jornais, sendo o pièce de résistence de alguns veículos. A linguagem dos primórdios do jornalismo também foi bastante influenciada pela Literatura até ir se afastando dela, se definindo melhor e se diferenciando, passando a apresentar um estilo mais objetivo, mais conciso e mais claro. (TRAVANCAS, 2000, p.43 apud NINA)

Mesmo enfrentando, hoje, grande crise, no que concerne à sua importância para as páginas dos jornais, a Literatura, termo geral que designa, aqui, toda produção literária, em prosa ou verso, publicada nos periódicos, está longe de ser a mesma literatura rebuscada e ufanista do século XIX, mas também sofre de uma séria crise de identidade, nos tempos em que os indivíduos e suas ideias se fragmentam e se esfacelam, num mundo cada vez invadido por ideias e ideologias que vão e vem à mercê do gosto dos leitores ou dos modismos das revistas de resenhas literárias. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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Pena (2006) é enfático ao afirmar que, nos séculos XVIII e XIX, escritores de prestígio tomaram conta dos jornais e descobriram a força do novo espaço público.

Não apenas comandando as redações, mas, principalmente, determinando a linguagem e o conteúdo dos jornais. E um de seus principais instrumentos foi o folhetim, um estilo discursivo que é a marca fundamental da confluência entre Jornalismo e Literatura. (PENA, 2006, P. 28)

Pena (2006) destaca que essas colaborações nos jornais impressos – sejam de poetas ou prosadores – também influenciam em status. Segundo ele, “ter o nome veiculado nas páginas dos jornais legitima tanto os autores quanto os críticos”, possibilitando, assim, uma espécie de reconhecimento e influência no meio social.

Crises e influências à parte, é Barthes (1984, p.118) que descortina o véu da ligação do escritor com a História e, consequentemente, com o advento de uma “opção necessária entre várias morais da linguagem; ela (a História) o obriga a significar a Literatura segundo possíveis que ele não domina”. Assim, o filólogo francês adentra a um questionamento basilar, no que diz respeito à produção literária em questão: sabia este poeta Martins de Vasconcelos que a História impregnada em seus versos correspondia a um sistema ideológico, a uma ideia dominante? Saberia ele distinguir os limites de sua produção e a ufanização de um acontecimento histórico? Estaria sendo utilizado de maneira inocente para reproduzir um discurso “libertador e vanguardista” de uma cidade “libertadora e à frente de seu tempo”, chamada, até os dias de hoje, de “País de Mossoró”?.

Barthes (1984) esclarece, frisando que “em toda e qualquer forma literária, existe a escolha geral de um tom, de um etos, por assim dizer, e é precisamente nisso que o escritor se individualiza claramente porque é nisso que ele se engaja”. Seria esse engajamento consciente ou faria parte de um processo alheio à produção, de um processo natural da escritura?
A escritura continua cheia de lembranças de seus usos anteriores, porque a linguagem nunca é inocente: as palavras têm uma memória segunda que se prolonga misteriosamente em meio às significações novas. A escritura é precisamente esse compromisso entre uma liberdade e uma lembrança; é essa liberdade lembrante que só é liberdade no gesto da escolha, mas já não o é mais na sua duração. (BARTHES, 1984, p. 125)

Cyro dos Anjos (1956), citando André Maurois, salienta: Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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Em artigo publicado na Enciclopédie Française (volume XVI – Arts et Litératures dans la société contemporaine), escreve ele que uma das mais prementes necessidades do indivíduo, quando experimenta forte emoção, é fazê-la entrar num quadro social. Partindo dessa ideia, encontra para a arte utilidade imediata: o emolduramento do real. (1956, p.66)

Mas é em Jean-Paul Sartre que a inocência da linguagem ou da escritura, para retomarmos, assim, a ideia inicial de Barthes, ganha outros contornos – além das imagens românticas e da visão de que Literatura é apenas um meio lúdico ou um jogo – um divertimento em que se ganha ou se perde algo ou em que se exprime um sentimento.

Com Jean-Paul Sartre [...] de modo algum, a arte se lhe afigura atividade desinteressada, contemplação de essências platônicas ou de arquétipos da beleza. Seu conceito de Literatura embebe-se na ideia do engajament, e se deixa dominar inteiramente por ela. (ANJOS, 1956, p.81)

Aristóteles, em seu pequeno tratado Da arte poética, no entanto, vai além dessa visão do engajament; em verdade, penetra mais profundamente no sentido da construção do literário através da história, destacando:

Não constitui função do poeta descrever o que realmente aconteceu, mas que espécies de coisas podem acontecer, isto é, que coisas são suscetíveis de ocorrer por serem, nas circunstâncias, prováveis ou necessárias. A diferença entre o historiador e o poeta não reside no fato de um escrever em prosa e o outro em verso; a obra de Heródoto poderia ser versificada, e sua forma metrificada não seria menos histórica do que a forma não metrificada. A diferença é que um conta o que aconteceu, e o outro o que pode acontecer. Por esse motivo, a poesia é algo mais filosófico e mais digno de séria atenção do que a História, pois, ao passo que a poesia diz respeito a verdades universais, a História trata de fatos particulares. (ARISTÓTELES, 1989, p.25)

É nesse sentido, pois, que entramos, agora, no poema de José Martins de Vasconcelos, intitulado Mossoró, 30 de setembro. É este poeta um exemplo clássico de vate a serviço do louvor de um acontecimento histórico, como tem ocorrido, durante anos, com vários outros poetas que emprestaram suas liras para a manutenção de discursos ditos “oficiais”. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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Martins de Vasconcelos, o poeta e sua lira

José Martins de Vasconcelos nasceu a 11 de novembro de 1874, no município de Apodi/RN e era considerado um entusiasta da literatura e do jornalismo. Em 1915 fundou o primeiro jornal em Mossoró, intitulado A Crise. Mas, em 15 de novembro de 1916, ele daria um salto além de seu tempo com a criação do periódico O Nordeste, que circularia até o dia 8 de fevereiro de 1934, em Mossoró. Com O Nordeste, Martins de Vasconcelos fez carreira como jornalista. Mas nada começou assim, do nada. O historiador Geraldo Maia, no artigo Martins de Vasconcelos, publicado no jornal cultural Clandestino (janeiro de 2004), veículo alternativo que circula, ainda hoje, na cidade, relata que

Aos 11 anos de idade, Martins de Vasconcelos muda-se para Mossoró a fim de tentar a vida. Aqui chegando, fez de tudo: moleque de recados, vendedor de jornais (numa primeira, depois incurável convivência com o móvel do seu interesse maior). Tinha um objetivo na vida: sabia que o destino de quem não sabia ler era ser vendedor, de tabuleiro na cabeça. Isso o aterrorizava. E foi esse medo que o fez adquirir uma gramática e um dicionário, na esperança de desvendar o mistério do abecedário”.

Martins de Vasconcelos se destacou no cenário cultural do município, segundo atesta Leite (1974):

Jornalista desde o tempo do O Comércio de Mossoró que circulou até, parece-me, o ano de 1914, sob a direção do Cor. Bento Praxedes, ex-chefe político local, falecido em 2º de abril de 1922, José Vasconcelos aparecia assiduamente nesse semanário, sob o pseudônimo de Jomarvas, escrevendo sueltos, crônicas, editoriais, sonetos e poesias. Desaparecido O Comércio de Mossoró, fundou, em outubro de 1916, com o concurso de sua poderosa força de vontade, o O Nordeste, jornal de vida até alguns anos e que todos o conheceram. Circulou até 1934. Fundou também A Crise, em 1915, jornal que teve poucos meses de vida.

O pesquisador Geraldo Maia reforça a ligação de Martins de Vasconcelos com o jornalismo e sua vida dedicada às letras:

A redação do jornal era sua tenda de trabalho, sua cachaça, o vício de sua vida”, como declarou o escritor Raimundo Nonato, que, como amigo, o tratava de Zé do Nordeste. Manteve-se sempre atento às dificuldades enfrentadas pelo município e se notabilizou, entre outras coisas, pela defesa do meio ambiente, pelo estímulo à atividade cultural e pelo carinho que dedicava às figuras que davam relevo à cultura mossoroense e sua história. Ele, um autodidata, era devorador de livros. E toda sua atividade jornalística se marca pela produção de textos de impressionante qualidade. Colaborou com todos os jornais Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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da terra, até mesmo em jornais literários e estudantis, feitos de forma manuscrita.

Ele também incentivou jovens poetas e publicou livros de poemas e contos. São de sua autoria Saltério da Saudade (Poesia, 1905) e Renovos D’alma (Poesia, 1906), entre outros. O jornalista faleceu em Mossoró, a 22 de dezembro de 1947. Hoje, a travessa localizada ao lado da gráfica O Nordeste, no Centro, possui o seu nome, mas é conhecida também como Beco da Imprensa.

Apesar de seu empenho pela literatura, Martins de Vasconcelos é um poeta ainda esquecido em sua cidade (Apodi-RN) e pouco lembrado em Mossoró-RN, terra que adotou como segunda casa.

Seus poemas, principalmente os chamados “poemas da primeira fase”, em que ele trabalha a forma do soneto, evidenciam um poeta preocupado com a métrica e as regras básicas da poesia, mas também realçam uma escritura baseada num romantismo já superado ou eivada de parnasianismo, o que era comum à época.

É, no entanto, nos poemas da chamada “segunda fase” que o poeta Martins de Vasconcelos se compromete com os fatos históricos da cidade como, por exemplo, o 30 de Setembro de 1883, data em que se comemora a “libertação dos escravos no município”.

Nas primeiras estrofes de seu poema, Martins de Vasconcelos conclama:

Desfraldem-se os estandartes
Das falanges do civismo,
Retumbem, com altruísmo,
Os epinícios da paz:
E brade, altivo, de pé,
Desde a montanha à cidade,
O gênio da liberdade;
– Viva um povo que se faz!

A ideia de “povo que se faz” está presente, até hoje, no espírito coletivo da cidade, através de seus historiadores e mesmo de suas instituições culturais, que passam, sempre que possível, a ideia de uma cidade “à frente de seu tempo”, “libertadora”, “vanguardista” e “progressista”, como forma de manutenção de um discurso outrora evidenciado, através da libertação de seus cativos, ocorrida em 30 de setembro de 1883.

A própria libertação dos escravos no município contou com a alforria de 86 escravos, não sendo, também, a primeira cidade a libertar os seus cativos, como tem sido propagado, erroneamente, durante alguns anos, mesmo através de seus poetas ou pesquisadores. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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Nesse sentido, vale salientar que a libertação dos escravos na cidade aconteceu pouco tempo depois do município de Acarapé, no Ceará, segundo atesta Geraldo Maia:

Em 30 de setembro, Mossoró comemora a mais cívica de suas festas: a libertação de seus escravos em 1883, fato ocorrido cinco anos antes da famosa Lei nº 3.353, de 13 de maio de 1888, a cognominada Lei Áurea, assinada pela Princesa Isabel, que acabava definitivamente com a escravidão no Brasil. Não foi a primeira cidade brasileira a libertar seus escravos, como muitos apregoam; esse mérito coube a Acarapé, no vizinho Estado do Ceará, que libertou os seus escravos no dia 1º de janeiro de 1883. Na realidade, Mossoró foi a sexta cidade a acabar de vez com a mancha negra da escravidão, já que antes de 30 de setembro, cinco outras cidades cearenses já os tinham libertados, como segue: Icó, em 25 de março de 1883; Baturité, em 25 de março de 1883; Maranguape, em 20 de maio de 1883; Fortaleza, em 24 de maio de 1883 e Viçosa, em 29 de setembro de 1883.

Acarapé, já mencionada, ainda era vila, pois não tinha sido elevada à categoria de cidade. Mossoró, no entanto, “é a única cidade em todo o Brasil onde a abolição é comemorada com as homenagens da gratidão e do orgulho mental”, segundo as palavras do historiador Luís da Câmara Cascudo.

O pesquisador complementa, salientando que

A ideia de libertação dos escravos veio do Ceará, trazida por Romualdo Lopes Galvão e sua esposa D. Amélia Dantas de Souza Melo Galvão. Quando o casal chegou a Mossoró, na primeira quinzena de 1882, foi recebido festivamente pelos seus amigos e companheiros da Loja Maçônica 24 de Junho. Romualdo trazia uma mensagem da maçonaria de Fortaleza para a Loja 24 de Junho, de Mossoró, para concitarem, sem perda de tempo, seus amigos e parentes para levar a efeito a grande batalha cívica em favor da raça negra. E foi o próprio Romualdo que promoveu a fundação da Libertadora Mossoroense, como presidente interino, no dia 6 de janeiro de 1883, na Casa das Sessões da Câmara Municipal. O objetivo da entidade, era de libertar todos os escravos do município de Mossoró, a exemplo do que havia sido feito em Acarapé, no Ceará. Uma vez constituída a sociedade com as adesões dos melhores elementos da terra, foi eleita por aclamação a diretoria definitiva com Joaquim Bezerra da Costa Mendes, presidente, Romualdo Lopes Galvão, vice-presidente, Frederico de Carvalho, 1º secretário, Dr. Paulo Leitão Loureiro de Albuquerque, como orador.

Segundo ele, o Código da Liberdade era composto de um único artigo, sem parágrafo, que dizia: “Todos os Meios são Lícitos a fim de que Mossoró Liberte os seus Escravos”.

No poema de Martins de Vasconcelos, uma espécie de canto, vemos, também, a ideia de povo, pátria e civismo nos versos seguintes:
Um povo que não se verga

E extirpa as garras furentes Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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Desse monstro de mil dentes,
– O nefasto servilismo,
E, sem fugir da contenda,
Ao restrugir das metralhas...
Põe-lhe por terra as muralhas...
– É povo! É pátria! É civismo!
Assestem-se baterias
Nas fronteiras do porvir,
E, quando a aurora surgir,
– A aurora de cada louro –
Salve-se a luz desse dia,
E jamais prive o despeito
O memorar desse feito,
Que vale mais que um tesouro!
[...]

Podemos deduzir que o poeta – como muitos de seu tempo – tinha os feitos históricos – principalmente os oficiais – com entusiasmo e idealismo, como atestam Raimundo Nonato e Walter Wanderley, no livro Jornalista Martins de Vasconcelos, um homem de muitas lutas:

A vida do jornal foi para José Martins de Vasconcelos, uma espécie de calendário de lutas cívicas, dado que nessa “dura escola de sacrifícios e decepções”, não teve tempo de arrefecer o entusiasmo e o idealismo de combatente ao lado das campanhas do interesse da coletividade. [...] Seu jornal foi, por isso, uma trincheira do bom combate, sempre pronto para condenar as atitudes que não fossem as do equilíbrio e do bom senso, da moralização das instituições, de defesa intransigente das normas administrativas e salvaguarda do patrimônio público.

Podemos perceber, a partir deste pequeno quadro, que Martins de Vasconcelos se inclui entre os autores que estavam a serviço “do equilíbrio e do bom senso, da moralização das instituições”, da “defesa intransigente das normas administrativas e salvaguarda do patrimônio público”, sob um tom de “civismo” que pode ser percebido em todo o poema intitulado Mossoró, 30 de Setembro.

[...]
Ó irmãos, ó brasileiros!
Professemos, sem maldade,
O ritual da igualdade,
Nos cenáculos da luz.
Cinjamos o gládio santo
– O gládio da redenção –
Que a Liberdade é a unção
Por Cristo dada na cruz!

Apesar do tom epopeico e, até certo estágio, exacerbado, o poeta confessa a verdade que, durante alguns anos, muitos outros viriam a deturpar, colocando Mossoró Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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como primeira cidade a libertar os escravos no País. No trecho que se segue, ele cita a primeira cidade a alforriar seus cativos, Acarapé, no Ceará:

Escutai, mossoroenses:
Houve outros feitos de heróis,
Que valeram mais que sóis,
Derramando luz aqui:
Como um beijo de Iracema,
Dos Acarapes virentes,
– Qual sonho de Tiradentes –
Uma voz gritou: Poti!
Oitenta e três – ano heroico
Do áureo século das luzes –
Troando, qual mil luzes –
Exalçou, de asas pujantes,
O Condor da Abolição,
Que deixava nos caminhos,
Onde fazia seus ninhos,
Uma prole de gigantes!

Mitologia e discurso de liberdade permeiam outros versos do poema, evidenciando o valor do ato de libertação e colocando o município numa posição de destaque: “Mossoró, tão nobre e altivo”... como ressalta, nos versos seguintes:

Essa visão imortal
– Mais que a Fênix celebrada –
Nas garras tendo uma espada
Em defesa do cativo,
– Pousou na fronte viril
Do campeão meigo e forte,
Do Rio Grande do Norte
– Mossoró, tão nobre e altivo...
Em plena cidade, um brado,
Cheio de amor e bondade,
Repercutiu: – Liberdade!
De setembro aos trinta dias!
E a boa fama prossegue
Desde esse dia, a sorrir,
Como a história faz seguir
A santa lei do Messias!
Hoje, e nunca como Atiante
Que ao peso vergou sem fim...
Ó meu Brasil, livre, assim,
Dos ferros da Escravidão,
Te vejo acima dos Andes!
E a ti, Mossoró liberta,
Eu salvo! E alerta! Alerta!

Ó pátria de Camarão! Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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O tom acentuado nos últimos versos – seguindo a trajetória da introdução do poema – nos leva a um dos objetivos do poeta: transmitir mais que sentimentos, transmitir uma ideia, uma ordem, uma conclamação. Ou seja, quando o poeta exclama: “E a ti, Mossoró liberta, / Eu salvo! E alerta! Alerta!” ele abre as portas para a conclamação à cidade a fim de que esta esteja “sempre alerta”, que é, como sabemos, o grito e o lema dos escoteiros.

Para relembrarmos, enfim, Barthes, não é muito elucidar que, no caso do poema de Martins de Vasconcelos, podemos identificar um autor situado a meio caminho entre o “militante e o escritor”, “herdando do primeiro uma imagem ideal do homem engajado, e do segundo a ideia de que a obra escrita é um ato”, ou, ainda, uma demarcação, um registro, um apoio e um suporte ao discurso oficial.

Podemos notar, assim, sua utilização dos suportes de comunicação que estavam ao seu dispor – incluindo-se, então, os jornais para os quais colaborou, entre eles O Mossoroense e o jornal de sua propriedade, O Nordeste, jornal que teve forte influência cultural e política em seu tempo e que serviu de “trincheira” para as “causas cívicas” da época, denotando o comprometimento do poeta com os temas já aqui abordados e evidenciados em sua poesia, especialmente no poema que leva o sugestivo título de Mossoró, 30 de Setembro.

REFERÊNCIAS
ANJOS, Cyro dos. A criação literária. Cadernos de Cultura. Rio de Janeiro, 1956.
BARTHES, Roland. O grau zero da escritura. São Paulo: Cultrix, 1989.
BRITO, Raimundo Soares de. Amol, patronos e acadêmicos. Mossoró: KMP / Petrobras, 2008.
NONATO, Raimundo; LEMOS, Cosme. (Orgs.). Dois depoimentos sobre Martins de Vasconcelos. Mossoró: Coleção Mossoroense, 1964.
NONATO, Raimundo; WANDERLEY, Walter. (Orgs.). Jornalista Martins de Vasconcelos, um homem de muitas lutas. Mossoró: Coleção Mossoroense e Pongetti, 1974.
MUNIZ, Caio César. (Org). 100 poetas de Mossoró. Mossoró: Coleção Mossoroense, 2000.
NASCIMENTO, Geraldo Maia do. Fatos e vultos de Mossoró. Mossoró: Coleção Mossoroense, 2002.
NINA, Cláudia. Literatura nos jornais: a crítica literária dos rodapés às resenhas. São Paulo: Summus, 2007. Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação XV Congresso de Ciências da Comunicação na Região Nordeste – Mossoró - RN – 12 a 14/06/2013

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PENA, Felipe. Jornalismo literário. São Paulo: Contexto, 2006.
ROSADO, Dalvanir. A poesia em Mossoró. Mossoró: Instituto Cultural do Oeste Potiguar, 1958.
VASCONCELOS, José Martins de. Obras completas. Rio de Janeiro: Irmãos Pongetti Editores e Coleção Mossoroense, 1956.
PERIÓDICOS
NASCIMENTO, Geraldo Maia do. Martins de Vasconcelos. Jornal Clandestino, janeiro de 2004.

Web: Acessado em:

http://www2.uol.com.br/omossoroense/150902/geraldo.htm

Enviado pelo pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo

http://sednemmendes.blogspot.com

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