Por: Rangel Alves da Costa(*)
NO BREU
Ontem, dia 28
de agosto, por volta das três horas da tarde, eu estava elaborando uma petição
judicial quando, de repente, tudo apagou. À minha frente, os escritos,
brocardos e leis sumiram num passe de mágica. Como não havia salvado nada,
acabei perdendo tudo. Que negligente que sou. Tinha de recomeçar tudo de novo.
E eis o maior problema.
Problema
mesmo, e dos grandes. Nada mais desencorajador do que a pessoa ver sumir num
instante aquilo a que se voltava com tanto afinco. Mas não apenas isto. Estava
apressado e a energia só foi restabelecida faltando uns dez minutos para as
cinco horas. Sentei diante do computador e recomecei. E nada recomeça e segue o
mesmo estilo daquilo que foi bruscamente interrompido.
Mas não havia
saída. Além da petição tinha outros escritos a desenvolver, coisas do meu
cotidiano de invencionices e proseados. Algo assim como você lê agora. Contudo,
uns vinte minutos após e tudo aconteceu novamente. Já passando das cinco, com
tempo nublado, tudo pareceu escurecido demais. Tudo estranho e certamente
motivado pelo costume da claridade em todos os instantes do dia e da noite.
Fazer o que,
pensei. Esquentei um café (sempre forte e sem açúcar), acendi um cigarro,
caminhei de lado a outro, peguei da caneta e papel, então poesiei. Versos escurecidos
como o instante, cheios de negrumes e solidão, com sentimentos de luzes
apagadas. Ora, estava imerso naquele instante de sombras forçadas e às portas
da escuridão, do breu da noite. Mas poesiei. Não proseei, mas poesiei numa
réstia de luz ainda encontrada.

Pelas ruas, e
antes mesmo das seis, o comércio já estava fechando as portas. Casas com
interiores escurecidos, pessoas nas calçadas, nas janelas, reunidas e
conversando sobre o súbito apagão. Fui até a padaria e antes mesmo de entrar o
dono já estava gritando para todo mundo que o estoque de velas já havia
acabado. Mas meu problema ali era mesmo um bolo de macaxeira, pois velas nunca
faltam num cantinho do meu oratório.
Aliás, não há
apagão nem problema energético qualquer que faça o meu oratório ficar na
escuridão. Noite fechada, negrume total, e ele é avistado iluminado pela chama
da vela ao lado. E vela votiva de sete dias que á para durar mais, e tendo
outra logo ao redor. Assim que a cera se vai, o pavio se esvai e a chama apaga,
imediatamente outra vela é colocada naquele lugar.
E foi
exatamente ao oratório para onde me dirigi assim que voltei com o delicioso
bolo de macaxeira. O escritório e a casa já estavam escuros demais, num negrume
de caminhar batendo em ponta de mesa. De lá trouxe umas três velas pequenas,
mas enquanto acendia a primeira me veio à mente a recordação de outros tempos
sertanejos, onde as noites de breu tinham de se contentar com as chamas das
velas, candeeiros e lamparinas ou lampiões.
Noites sertanejas
mais escurecidas do que todas as noites. Grilos zunindo nos ocos dos paus,
vaga-lumes acendendo distantes, o murmurejar da natureza no seu adormecimento.
E nos casebres, nas casinhas de sapé, nas choupanas e em todos os humildes
lares matutos, o amarelado quebradiço das luzes iluminando famílias, amigos e
toda uma vida apertada em frágeis paredes.
Mas não apenas
nas distâncias, nas fazendas e casas espalhadas pelos descampados e beiras de
estradas, pois também nas cidades e arredores, naqueles grotões de mais pobreza
e sofrimentos. Hoje a grande maioria das moradias possui iluminação elétrica,
mas noutros tempos as noites chegavam mais cedo e depois das seis somente as
chamas iluminado as vidas se preparando para o descanso da labuta tanta.
O pequeno candeeiro
de lata com pavio de algodão, a lamparina com sua frágil camisa, a vela com sua
serventia para iluminar por fora e por dentro. Enquanto a chama da vela bailava
ao sabor da aragem, a velha senhora se mantinha ajoelhada pedindo luz para
todos. Não de lâmpada, de poste, de abajur, mas luz dentro de cada um e
iluminando os passos na dura sobrevivência.
Era o breu do
sertão, e de certa forma ainda existente em muitos lugares. Mas também era a
luz sertaneja, pois na chama da vela ou do candeeiro a face douradamente
iluminada daquele que se valia de outra chama para sobreviver. A divina.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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http://jmpminhasimpleshistorias.blogspot.com
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