Por: Rangel Alves da Costa(*)
LENÇO
DE ADEUS E OUTROS LENÇOS
O lenço, este
pequeno e quadrangular tecido, geralmente se faz presente e percebido apenas
nos momentos angustiantes e dolorosos da vida. Noutros instantes permanece
solenemente recolhido. Contudo, seja de qualquer tipo ou cor, conhece
intimamente a pessoa que o guarda e é seu único confidente nos momentos de
maior solidão.
Símbolo maior
do adeus, do aceno à distância, enxuga nos olhos a dores que jorram em
torrentes. Sinaliza a chegada e a partida, a indicação da presença, como um
marco de alguma coisa que deverá ser conhecida. De seda fina e suave ou de pano
grosseiro e ríspido, tanto faz, pois sempre aquele que achega à pessoa para
confortar ou servir de vela para evitar o naufrágio da alma.
Os românticos,
poetas e sonhadores dizem que lenços são bandeiras demarcando corações
solitários, entristecidos, abandonados. Enquanto as bandeiras tremulam ao sabor
do vento, os lenços desfraldam ao sopro tempestuoso de sentimentos desvalidos.
Seriam também as velas de um barco que navega em busca de outro mar que não
seja apenas o do olhar. Eis os lenços, trêmulos quanto as mãos de um ser ao
desalento.
Possui muitos
significados segundo sua cor, tecido, dobra e forma de uso. Dizem que lenço
preto significa luto; colocado dobrado sobre a mesa sinaliza a espera de
alguém; envolto ao pescoço indica partidarismo; o lenço amarrado à cabeça do
homem significa luta, e pressa se na mulher. Lenço no bolso, dobrado com
refino, transmite elegância e imponência.
O lenço
esvoaçante remete à liberdade, a tempo propício a realizações; se sujo, logo se
faz pensar em abandono, em pobreza e desamparo; quando molhado pelo uso, então
logo se pensa na lágrima derramada, no choro incontido ou mesmo num instante de
entristecimento. Quem parte acena com o lenço na distância; quem fica leva-o
aos olhos para sufocar a dor da despedida.
Nos momentos
mais tristes e dolorosos, ali estará o pequeno pano para enxugar as lágrimas,
para aliviar a dor, para acenar no último adeus. Impensável acorrer ao leito de
uma pessoa enferma para que o lenço não esteja à disposição. Diante da
situação, com os olhos e o coração do visitante tomados de dolorosa emoção,
logo o pano começa a ser apertado entre as mãos. É uma tentativa de sufocar a
dor.
No passo
seguinte, quando o sentimento quer expressar-se de qualquer jeito, então o pano
amassado é levado ao canto da boca, passa pelo nariz, e se põe em alerta para
seguir em direção aos olhos a qualquer momento. E de repente já estará sendo
levado, quase imperceptivelmente, ao canto dos olhos. Mas não demorará muito
para estar completamente encharcado das lágrimas derramadas diante do
inevitável.
Após o apito
do trem, quando o olhar ainda se distancia entre as montanhas e trilhos que se
alongam infinitamente, as mãos nervosas já começam a procurar, a tatear o
lenço. Tanto na partida como na chegada é sempre a mesma ação. Lenços acenando
contentes, lenços entristecidos querendo também partir, lenços indo de encontro
a rostos, olhos e depois se deixando encharcar pelas motivações.
Na estação,
após o reencontro ou a despedida, os bancos empoeirados e vazios se contentam
com a companhia dos lenços que despercebidamente caíram, foram esquecidos ou
simplesmente jogados. Mas dificilmente ele cai sozinho, pois geralmente uma
flor já murcha fica estendida ao seu lado. E a ventania chega arrastando até os
trilhos, até o trem apitar e tudo novamente recomeçar, noutros lenços, noutros
olhos, noutras mãos.
Todo lenço
deveria ser usado apenas uma vez, principalmente aqueles que testemunharam
instantes inesquecíveis. O lenço molhado, totalmente encharcado pela dor,
jamais deveria ser lavado e colocado em varal. Não haverá sabão que afaste do
seu tecido a presença dos olhos tomados pelo espanto e aflição, ou a
sinceridade da água lacrimosa envolvendo o seu leito. Se utilizado na despedida
de uma pessoa querida, como testemunha perene daquele momento deveria
permanecer.
Mais que tudo,
lenço lembra o adeus, e no adeus a saudade. E, como diria o poeta J. G. de
Araújo Jorge, “Saudade, um lenço branco me acenando... Uma vontade de chorar
sorrindo. Uma vontade de sorrir chorando”.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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