Por: Rangel Alves da Costa(*)

A
JANELA REFLETINDO A VIDA
Talvez alguém
simplesmente assevere que uma janela não passa de uma janela. E pronto. Que á
apenas uma abertura na parede de uma casa para permitir melhor ventilação; que
é uma meia porta numa construção permitindo a entrada de ar e luz.
Contudo, além
de ser isso mesmo, a janela possui muitas outras significações, e tanto de
ordem sentimental, sociológica, geográfica e até histórica. Da janela avista-se
o mundo ao redor, as pessoas que passam, o que acontece lá fora. Mas também o
que ninguém percebe que está sendo avistado.
Janelas
possuem olhos, corações pulsantes, sentimentos abertos ou fechados. E duvidosas
situações na vida no seu abrir e fechar incerto, tantas vezes entregues aos
desejos do vento que açoita. Por ela o apaixonado joga o bilhete, deixa a esperançosa
flor no umbral, faz serenata aos seus pés.
Casebres
sertanejos, erguidos no barro ou na palha nas distâncias interioranas, possuem
a porta como janela e janela como porta. Ao invés de os cotovelos se debruçarem
sobre a parte inferior da abertura, são os pés que se firmam no vão de entrada
e saída. Mas os olhos são os mesmos procurando tudo adiante.
Nos tempos
distantes, naqueles períodos onde todo e qualquer lugar só era alcançado pelas
estradas de terra batida e numa lonjura de não acabar mais, as janelas
testemunhavam os viajantes, comboeiros, vaqueiros e retirantes fazendo seus
percursos na vida. Sempre abertas para a entrada de aragem, da providencial
brisa de qualquer hora, acabavam emoldurando a fotografia de todos aqueles que
passavam adiante e iam sumindo nas curvas dos perigosos caminhos.
Nas casas
abandonadas de beira de estrada, geralmente aquelas onde as famílias
desapareceram ou foram forçadas a sair, as janelas, abertas ou não, passam a
possuir uma significação especial. Sinaliza abandono, angústia, tristeza, se
fechada por muito tempo. Permanecendo fechada e com folhagens se juntando ao
umbral ou ramagens crescendo ao redor, outra visão não se terá senão a de desolação
e absoluta renúncia.
Mesmo em casa
abandonada, mas já aberta pela força do tempo, da ventania ou porque alguém a
forçou para permitir entrada, a visão também é desoladora. Nada mais triste que
uma janela, dia após dia, apenas balançando ao saber dos açoites que sopram
naquela direção. O movimento de abrir e fechar, numa dança de contínua solidão,
o ruído provocado chega a parecer um soluço de dor e entristecimento.
Da janela a
menina bonita, bela donzela, ou melancólica mocinha, revela todo o seu sentimentalismo,
todo o estado de espírito permitido naquele momento. Geralmente entristecida,
com olhos quase fixos num ponto qualquer nas distâncias, talvez esteja sonhando
com impossível amor, desejosa de ver chegar um príncipe encantado, fazendo
planos para um amanhã qualquer de felicidade.
Tantas janelas
com seus habitantes de olhos chorosos e flor à mão. Tanto faz que o passarinho
voeje ao redor ou a borboleta faça pouso no ombro; tanto faz que a florzinha
abaixo da janela esteja também murchando, morrendo aos poucos, desejando por
tudo no mundo ao menos um pingo de lágrima. O cenário reflete a pessoa, a
frente da casa também reflete o seu morador, por isso mesmo que até a ventania
se esquece de cantar sua canção do entardecer.
No sertão, nas
brenhas nordestinas de meu Deus, nada mais significativo que uma moringa à
janela. E também nada mais reflexo da realidade do que a água contida naquele
vasilhame de barro cozido em pote. Ela é colocada diurnamente ali não apenas
para que a água fique mais refrescada, mas principalmente para dizer qual a
situação do próprio sertão. Por isso mesmo que todo olhar se alegra ao ver a
moringa molhada por fora até o seu gargalo. É sinal de que o lugar não está
padecendo das consequências das terríveis estiagens.

Mas as janelas
são também cúmplices, matreiras, astuciosas. Através dela os amantes se
encontram, os adultérios se perfazem, a sexualidade proibida tem passagem
certa. No meio da noite, o encontro marcado. A janela está apenas encostada e
basta empurrá-la para já cair quase em cima do colchão da amante. De outro
modo, apenas os toques anteriormente combinados e logo ela estará aberta para
concupiscência. Mas continuará sempre apenas encostada para o caso de uma fuga
repentina, num pulo que nem ponta de pedra machuca ao cair do outro lado.
Eis a
fofoqueira furtivamente olhando a vida dos outros pelas frestas da janela. Ao
se debruçar sobre ela, com os olhos velozes mirando de lado a outro, é sinal
que logo chegará uma vizinha ainda mais fofoqueira para colocarem em dia as
tantas mentiras e aleivosias. Depois fecha rapidamente e corre para a cozinha,
pois o feijão acabou de queimar.
Uma janela com
vidraça e chuva lá fora. Um coração desenhado. Quanta tristeza e solidão.
Janela, janelas, tudo na vida com essa abertura, com essa passagem. Mas também
aquelas situações inusitadas onde a vida se fecha como a própria janela. E
somente a ventania dos tempos para açoitar a madeira e fazer ressurgir a
existência válida de alguma coisa.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link
abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário