sexta-feira, 30 de agosto de 2013

A Família do Tesouro: A perpetuação da memória da família Albuquerque Maranhão através dos espaços e monumentos

 POR: HELENSANDRA LIMA DA COSTA

Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, Mestranda.

Em 15 de novembro de 1889 foi instaurada a República no Brasil. Apenas dois dias após esse acontecimento, em 17 de novembro de 1889, foi proclamada a República no Rio Grande do Norte, que ocorreu de forma tranquila, “como se fosse a transmissão formal de cargo de um partido a outro, [...] e não uma mudança radical de um regime político para outro” (BUENO, 2002: 104).

No momento da proclamação da República no Rio Grande do Norte, o personagem de destaque foi Pedro Velho de Albuquerque Maranhão. Em torno de sua figura ocorreu a tentativa de fazê-lo referencial, torná-lo o exemplo do homem que lutou pelo povo norte-rio-grandense para a vitória da causa republicana. Sua imagem, assim como no caso dos participantes do 15 de novembro, foi exaltada em livros e jornais, e seu nome foi dado a ruas, praças e instituições (CASCUDO, 1956). Fundou o Partido Republicano no Rio Grande do Norte em janeiro de 1889, e criou um jornal – A República, órgão oficial do novo partido – que começou a ser editado em julho do mesmo ano (LINDOSO, 1992). Assumiu o governo do Rio Grande do Norte provisoriamente em 1889, e voltou ao mesmo cargo em 1892.

Agora no poder, Pedro Velho procurou consolidar mecanismos que dessem a ele e à sua família domínio sobre o Partido Republicano do Rio Grande do Norte e sobre o próprio Estado. Esse partido será, por mais de vinte anos, uma propriedade exclusiva da família Albuquerque Maranhão. Dessa maneira, podemos afirmar que Pedro Velho inaugurou a oligarquização republicana no Rio Grande do Norte (BUENO, 2002). Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, além de ter aberto as portas do governo estadual para ele e os membros da sua família, também o fez para seus partidários, isso porque, segundo suas próprias palavras, era necessário “apartar o sangue” e indicar alguém de fora do seu círculo familiar, porém de confiança, para conservarem-se no poder (LINDOSO, 1992). E conseguiram, por meio da alternância de cargos políticos, ser presença constante no poder do Estado até pelo menos 1914. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 2

Esse apanhado geral dos acontecimentos que marcaram a cena política do país e, consequentemente, do Estado no final do século XIX e início do século XX, são importantes, pois o período histórico abordado aqui, assim como alguns usos do poder e atos praticados por parte da oligarquia Albuquerque Maranhão, tem seu pontapé inicial justamente nesta fase de implantação do regime republicano, e se desenvolverá por várias décadas a frente.

A partir de estudos e pesquisas desenvolvidos sobre essa organização familiar, visualiza-se a força e influência política de uma oligarquia que governou o Estado a partir de 1889, bem como enxerga-se os reflexos do poder e influência política dos Albuquerque Maranhão impressos em diferentes lugares espalhados pela cidade do Natal.

Ao caminhar em alguns dos principais bairros da cidade, como Ribeira, Cidade Alta e Petrópolis, por exemplo, é possível constatar, através de uma breve observação das praças, prédios, ruas, bustos e estátuas, que existe uma intrínseca relação entre os monumentos e edificações presentes nos citados bairros e os membros da família Albuquerque Maranhão que estão imortalizados através delas. Pode-se mencionar o caso dos espaços e monumentos dedicados a Pedro Velho de Albuquerque Maranhão, Augusto Severo e Alberto Maranhão; Irmãos, membros de uma mesma geração e de uma única família. Numa observação mais aprofundada, desta vez na bibliografia ou nos jornais, nos deparamos com um novo fato: boa parte dessas obras foram idealizadas ou executadas durante o governo de um membro dessa família, notadamente no de Alberto Maranhão, que se tornou governador do Estado com apenas 26 anos, beneficiado por uma reforma da Constituição do Rio Grande do Norte em 18981. As reformas realizadas em Natal durante os governos de Alberto Maranhão acompanharam um momento em que a elite local assimilava o espírito da vida moderna no início do século XX. Era forte o desejo desse grupo de colocar Natal no fluxo da modernidade do período, “alterando suas ruas, construindo novos espaços; [mudando] as pessoas, nos seus modos de ser, nas formas de se comportar e se divertir nas ruas, nas praças, nos jardins públicos, no teatro” (ARRAIS et al, 2008:12, grifo nosso).

1 O governador Alberto Maranhão esteve no poder por duas vezes: de 1900 a 1904 e de 1908 a 1914.

O professor Itamar de Souza (1989) em A República Velha no Rio Grande dos Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 3

Norte (1889 – 1930) salienta a obstinação desse oligarca de dar destaque aos membros da sua família. Citando algumas características básicas do segundo governo Alberto Maranhão, o referido autor nos informa que este “procurou imortalizar os membros ilustres da oligarquia apondo seus nomes em municípios, repartições públicas, monumentos e praças [...]” (SOUZA, 1989: 129, grifo nosso). Tal fato pode ser confirmado quando constatamos que foi durante o governo de Alberto Maranhão, em 1909, que o busto de seu irmão Pedro Velho foi inaugurado no então Square Pedro Velho (atual Praça das Mães). A Praça Pedro Velho foi idealizada por Alberto Maranhão para receber esse busto. A ideia era que ele ficasse provisoriamente no Square. Mas, essa “provisoriedade” durou quase 50 anos. O busto só fora transferido para a tal praça no ano de 1956, num dia “apressado e tumultuoso” que reuniu a presença civil, militar e estudantil, durante o governo de Sylvio Piza Pedroza, sobrinho-neto de Pedro Velho (CASCUDO, 1956).

Outro irmão do governador Alberto Maranhão imortalizado através dos monumentos foi Augusto Severo. Este ganhou, em maio de 1913, uma praça com seu nome e uma estátua de bronze, por ocasião do décimo primeiro aniversário da sua morte. Esta praça, chamada anteriormente de Praça da República, já foi um dos mais importantes endereços de Natal. Nesta área da cidade, encontra-se o Teatro Alberto Maranhão e o antigo prédio do Grupo Escolar Augusto Severo. Os melhores e mais luxuosos hotéis ficavam circunscritos nesse logradouro, além do cinema, o Polytheama. A Estação Ferroviária também estava na Praça Augusto Severo. O porto de Natal fica bem próximo dela. Essa praça era o primeiro local visto pelos passageiros que desembarcavam na cidade.

Quanto ao próprio Alberto Maranhão, este criou, no município de Nova Cruz/RN, um grupo escolar com seu nome. Na cidade do Natal, já existia uma rua homônima. O teatro - importante espaço de socialização e cultura - à época de seu governo, se chamava Carlos Gomes. Mas, em 1957, o então prefeito de Natal, Djalma Maranhão, alterou o seu nome para o que conhecemos até hoje: Teatro Alberto Maranhão.

Segundo o professor Renato Peixoto (2010: 190, grifo nosso), Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 4

As construções que diziam e explicitavam a cidade de Natal passaram, na verdade, a articular uma unidade a partir do imaginário que então se precisava tornar comum a todos. […]

A Natal republicana foi construída ao lado da antiga […] e sobre essa nova cidade se inscreveram topônimos que espelhavam a manifestação do novo imaginário, inscrevendo também sobre ela a organização familiar natalense.
A implantação do regime republicano (e, consequentemente, a consolidação do poder dos Albuquerque Maranhão) acabou por instalar nas elites norte-rio-grandenses um desejo de reorganização da cidade, como se esse novo sistema político trouxesse o despertar do progresso, tirando o Estado da sua posição de “esquecido”. A partir desse discurso, Alberto Maranhão remodelou a capital potiguar - símbolo de atraso e falta de ordem - vinculando o nome de sua família a uma cidade nova e moderna, alcançando o imaginário popular, dando visibilidade aos feitos e aos membros da sua estirpe. Através da sua espacialização e monumentalização na cidade do Natal, percebe-se a tentativa de perpetuação da memória de uma família que teve um papel significativo na política norte-rio-grandense no final do século XIX e até segunda década do século XX. Tais modificações ocorreram especialmente durante os governos de Alberto Maranhão que, através dessas práticas, “[procurou] ocupar os espaços emocionais no coração de seus correligionários” (SOUZA, 1989: 130, grifo nosso). Foi no transcurso de seus governos que se deu um forte impulso de modernização e desejo pelo novo por parte das elites que acreditavam que “o regime republicano […] teria aberto as portas da cidade de Natal ao dinamismo do século XX” (ARRAIS et al, 2008: 28) e, dentro dessa perspectiva, o então governador, utilizando-se dos espaços e monumentos, aproximou-se do imaginário, levando-nos a inferir que “Natal não [foi] verdadeiramente urbanizada, mas construída” (PEIXOTO, 2010: 190, grifo nosso).

A edificação de monumentos cívicos e históricos foi uma constante a partir da segunda metade do século XIX e boa parte do século XX, à medida que a construção da identidade nacional exigia a evocação do passado histórico baseada em feitos e fatos que tinham como destaque os "filhos ilustres" da nação ligados, em sua maioria, aos setores dominantes da sociedade. Assim, por meio da edificação de monumentos, Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 5

objetivava-se construir uma "memória da nação" (ORIÁ, 2001: 2). A produção dos espaços e monumentos da cidade era uma realização saída da estrutura estatal. Nesse contexto, os recursos públicos eram investidos em obras que conferissem a cidade uma imagem adequada aos valores de modernização que se desenvolviam no início do século XX.

De acordo com o período histórico, e com a oportunidade e conveniência das elites políticas dominantes, era necessário construir um novo imaginário político e se apoderar do controle dos meios que formam e guiam a imaginação coletiva, impregnando as mentalidades com novos valores. Tal fato concorda com as palavras de Baczko (1985) que nos diz que, especialmente o poder político, se rodeia de representações coletivas, e este tem, como importante lugar estratégico, o domínio do imaginário e do simbólico. Os monumentos ocupam um lugar muito importante dentro desse quadro, visto que, como símbolos, introduzem “valores, modelando os comportamentos individuais e coletivos” (BACZKO, 1985: 311). Dessa maneira, o novo poder fortalece a sua legitimidade. Para Baczko (1985: 310) “qualquer instituição, designadamente as instituições políticas, participa […] de um universo simbólico que a envolve e constitui seu quadro de funcionamento”.

Pode-se perceber esse interesse pelo domínio do simbólico no governo de Alberto Maranhão evidenciado na espacialização e monumentalização da sua família. Desde seu primeiro governo, Alberto Maranhão fez diversas homenagens aos seus parentes. Seu pai, seu sogro, seus irmãos e ele mesmo, tiveram seus nomes dados a ruas, praças, instituições públicas e municípios, além de ter criado um feriado (12 de maio) em homenagem ao seu irmão Augusto Severo. Dessa maneira, Alberto Maranhão buscou imortalizar a memória de um grupo social que teve grande notoriedade em momentos significativos da política potiguar. Para alcançar tal objetivo, utilizou-se de práticas modernizantes inserindo “Natal num conjunto de ideias, valores e sentimentos que se espalhavam por todo o Globo, entre o final do século XIX e o início do século XX” (ARRAIS et al, 2008: 23). Suas práticas não foram incomuns, visto que, as memórias são construções dos grupos sociais e são estes que determinam o que deve ser lembrado e as formas pelas quais serão lembrados.

As práticas de Alberto Maranhão não passaram despercebidas, sendo alvo de Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 6

críticas por parte da oposição que não deixava escapar a oportunidade de censurá-lo. Na inauguração do “Hospital da Caridade Jovino Barreto”, por exemplo, o jornal da oposição, Diário do Natal, falou sobre a escolha do nome do novo estabelecimento:

A denominação do Hospital de Caridade [...] foi substituído, agora, pelo de Hospital Juvino Barreto, em homenagem ao falecido sogro do Dr. Alberto Maranhão. [...]

João Maria, sim, devia denominar-se o hospital de caridade de Natal. Juvino Barreto, não. É uma engrossa aos vivos, como engrossa são também aquelas inscrições que se leem sobre as portas das enfermarias do novo hospital — Enfermaria Santo Alberto, Enfermaria Santa INEZ. [...]
Já temos praça Pedro Velho, monumento Pedro Velho, Vila Pedro Velho, Praça Augusto Severo, Vila Augusto Severo, Avenida Augusto Lira, Avenida Alberto Maranhão, Avenida Amaro Barreto, Avenida Juvino Barreto, e agora, mais Hospital Juvino Barreto e Enfermaria Santo Alberto e Santa Inez.

Oh! gente vaidosa! (MEDEIROS, 1959)

A 'vaidade' do governador, assim como as práticas políticas da oligarquia Maranhão – como, por exemplo, o controle dos cargos administrativos e postos de comando - foram alvos de embates entre estes e os grupos contrários, que buscavam alcançar o poder que naquele instante era ocupado pela “Família do Tesouro” (SOUZA, 1989: 126) 2.

2 O autor menciona a expressão “a Família do Tesouro” como sendo usada pela oposição para se referir aos membros da família Albuquerque Maranhão, visto que esta encontrava-se “[...] bem arrumada nos melhores e mais importantes cargos”.

O momento da montagem da nova estrutura política do Estado no início do regime republicano não poderia ser tranquilo, visto que, as situações conflituais entre os poderes concorrentes estimulam a invenção de novas técnicas de combate pelo domínio do imaginário. Pleiteando o mesmo posto, esses poderes visam à constituição de uma imagem desvalorizada do adversário, buscando invalidar a sua legitimidade. Do outro lado, exaltam o poder cuja causa defendem, através de representações engrandecedoras a fim de obter o maior número possível de adesões (BACZKO, 1985). Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 7

Diante de todo o quadro exposto até então, algumas questões fundamentais podem ser pensadas. A primeira perpassa sobre a discussão da luta entre os poderes concorrentes mencionada no parágrafo anterior; reflete se a espacialização e monumentalização do grupo familiar abordado aqui foi ou não, uma prática comum a outros grupos ou exclusiva deste. A segunda, diz respeito à escolha dos espaços e monumentos para uma tentativa de perpetuação da sua memória. A reflexão em tais pontos é fundamental para um estudo aprofundado do tema, visto que a leitura crítica dos monumentos históricos permite-nos compreender as lutas simbólicas travadas entre os grupos sociais na construção do imaginário, que pode ser visto como uma tentativa de transformar elaborações mentais em coisa material ou palpável (MICELI, 1989), fazendo da memória “um meio de os sujeitos do presente se reconhecerem nos fatos do passado” (ALBUQUERQUE JR, 2009: 93), prolongando-o “para o presente e, quem sabe, fazer dele também o futuro” (ALBUQUERQUE JR, 2009: 95).

Temas que abordam memória/imaginário e o papel que os monumentos desempenham dentro da construção dos espaços (e o contexto histórico em que estes são produzidos) também precisam ser levados em conta na discussão desse importante estudo, visto que cada sociedade traz consigo uma definição do homem, ao mesmo tempo que se dota de uma ideia de imaginação. Todas as épocas tem sua modalidade específica de imaginar, reproduzir e renovar o imaginário. Desde a Antiguidade, o homem faz uso de “suportes” de memória, saindo do plano mental, passando para o material. À pedra e ao mármore era acrescentado “um caráter de publicidade insistente, apostando na ostentação e na durabilidade dessa memória lapidar e marmórea” (LE GOFF, 1990: 373). Quando as cidades se constituíram como organismos políticos conscientes da sua força, quiseram exaltar seu prestígio, valorizando sua origem e seus fundadores. Os monumentos foram, dessa maneira, instrumentos eficazes para se alcançar tal objetivo, contribuindo assim para a construção do imaginário, pois transmitiam a ideia de grandiosidade dos personagens retratados e dos seus “grandes feitos”. Com a Revolução Francesa e sua vasta produção simbólica (festas cívicas, bandeira tricolor, a Marselhesa, a imagem feminina), formou-se um exemplo de instalação de um novo imaginário social que, através de seus símbolos, cultos e ritos, traduzia e guiava o fervor coletivo, consolidando um novo consenso estabelecido, com base numa nova organização social. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 8

Os monumentos não possuem apenas fins estéticos, são dotados de sentido político e devem ser entendidos tanto como representações materiais que integram a paisagem construída, como textos de fácil leitura que transmitem mensagens simbólicas. No final do século XIX e início do século XX, cidades europeias e americanas ganharam diversos monumentos. Boa parte dessas construções participavam de um processo e de um discurso de remodelação e embelezamento dos espaços urbanos das cidades. Tais construções podem ser consideradas representações materiais de processos econômicos, sociais e políticos desse período - marcado por grandes transformações. Os monumentos objetivavam alcançar o espaço imaginário e o fortalecimento de identidades, glorificando o passado e as histórias heroicas, legitimando as práticas políticas vigentes no momento de sua produção, justificando ações, provando que aqueles que ocupam o poder não agem aleatoriamente.

Segundo Carvalho (1990), a manipulação do imaginário social é muito importante em momentos de redefinição de identidades coletivas. Falando sobre a escolha dos monumentos para se alcançar o imaginário popular de diferentes classes ou graus de instrução, o referido autor afirma que: É por meio do imaginário que se pode atingir não só a cabeça mas, de modo especial, o coração, isto é, as aspirações, os medos e as esperanças de um povo. É nele que as sociedades definem suas identidades e objetos, definem seus inimigos, organizam seu passado, presente e futuro (1990: 10, grifo nosso).No caso específico do Rio Grande do Norte, o interesse pelo domínio do imaginário e, consequentemente, a sua manipulação, podem ser notados desde a produção historiográfica tradicional até as edificações erguidas na capital. Falando sobre as condições de produção das construções espaciais identitárias no Rio Grande do Norte, Peixoto (2010: 169, 170) informa que essas devem ser entendidas enquanto esforços Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 9

Que fizeram parte de uma estratégia destinada a consolidar o poder de uma 'organização familiar' nova que enraizou seus interesses no aparelho do Estado apenas a partir das condições tornadas possíveis pelo advento da República. [...] Como essa história foi produzida e construída diretamente pelos integrantes da nova organização familiar ou por elementos agregados a partir de certas instituições legitimadas ou prestigiadas no processo, seus eventos, personagens e processos derivam de escolhas e eleições capazes de legitimar o novo arranjo político.

A história local passou a ser produzida diretamente pelos integrantes da nova organização familiar que dominava o poder, legitimando a nova organização política do Estado. Isso fica claro, por exemplo, quando constatamos que foi um membro da família Albuquerque Maranhão – Augusto Tavares de Lyra – que se tornou o primeiro historiador do Rio Grande do Norte, e aqueles que lhe sucederam acabaram por receber sua influência, repetindo temas e interesses defendidos por ele (PEIXOTO, 2010).

A partir da análise do discurso de modernização vigente no final do século XIX e início do século XX, período em que as elites locais assimilavam o espírito da vida moderna, e associando esse contexto à espacialização e monumentalização promovidas durante os governos de Alberto Maranhão, pode-se concluir que suas preocupações voltaram-se para o domínio de um novo espaço, o visível, de leitura mais fácil, alcançando o imaginário popular, chegando aos seus corações, não ficando restrito ao campo dos discursos, com seu alcance reduzido a uma parcela mínima da população.

Segundo Baczko (1985), o dispositivo imaginário promove a adesão a um sistema de valores e intervém nos processos de interiorização pelos indivíduos, modelando os comportamentos. Para obter o controle da vida coletiva, o imaginário social é uma peça eficaz no exercício da autoridade e do poder, visto que, exercendo um poder simbólico, reforça-se a dominação pela apropriação dos símbolos.

Dentro desse quadro de luta no campo ideológico, consolidando e fortalecendo poderes, Le Goff (1990: 426, grifo nosso) assevera que
A memória coletiva foi posta em jogo de forma importante na luta das forças sociais pelo poder. Tornarem-se senhores da memória e do esquecimento é uma das grandes preocupações das classes, dos grupos, dos indivíduos que dominaram e dominam as sociedades históricas. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 10

Analisando as práticas dos Albuquerque Maranhão, pode-se enxergar as ideias acima expostas de maneira clara. Tanto na historiografia quanto nos espaços e monumentos, percebe-se a tentativa de perpetuação de uma memória familiar, objetivando fortalecer e justificar seu poder, tornando-os assim, senhores da memória norte-rio-grandense.

Partindo de um discurso modernizador, de confiança no progresso técnico e científico e de um forte desejo de mudança capaz de dar a capital potiguar a expressão que ela não teve durante todo o século XIX, os membros dessa organização familiar, conscientes da eficácia dos monumentos, utilizaram-se deles para imprimir na cidade sua marca e seu nome, imortalizando-se, espacializando-se e monumentalizando-se nas novas construções e transformações que a paisagem da cidade sofria, atendendo aos anseios vigentes à época de seu domínio. Ao analisarem-se as práticas discursivas dos Albuquerque Maranhão, seu contexto histórico e suas condições de produção, percebem-se como estas foram moldando os espaços da cidade do Natal objetivando a construção e perpetuação de uma memória, notando-se o forte interesse pela dominação do espaço imaginário, refletido no espaço urbano da cidade do Natal.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
ALBUQUERQUE JR, Durval Muniz de. A Invenção do Nordeste e Outras Artes. 4. ed. rev. São Paulo: Cortez, 2009.
ARRAIS, Raimundo e outros. O corpo e a Alma da Cidade: Natal entre 1900 e 1930. Natal: EDUFRN, 2008.
BACZKO, Bronislaw. A imaginação social. In: Leach, Edmund ET Alii. Antropos-Homem. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda, 1985.
BUENO, Almir de Carvalho. Visões de República: idéias e práticas políticas no Rio Grande do Norte (1880-1895). Natal: EDUFRN, 2002.
CARVALHO, José Murilo de. A formação das almas: o imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
CASCUDO, Luis da Câmara. Vida de Pedro Velho. Natal: Departamento de Imprensa, 1956.
LE GOFF, Jacques. História e Memória. Campinas: Ed. UNICAMP, 1990. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011 11
LINDOSO, José Antônio Spinelli. Coronéis e Oligarquias na Primeira República. Trabalho publicado anteriormente sob o título Da Oligarquia Maranhão à Política do Seridó; O Rio Grande do Norte na Velha República. Natal: CCHLA, 1992.
MEDEIROS, Tarcísio. Ontem, Hospital do Monte, Hoje, Hospital Miguel Couto. Disponível em: <http://www.institutojosejorgemaciel.org.br/Full/index.php?option=com_content&view=article&id=112:ontem-hospital-do-monte-hoje-hospital-miguel-couto&catid=1:latest-news&Itemid=50>. Acesso em: setembro 2010.
ORIÁ, Ricardo. A História em praça pública: os monumentos históricos de Fortaleza (1888 – 1929). Disponível em : <http://www.historia.uff.br/primeirosescritos/sites/www.historia.uff.br.primeirosescritos/files/pe07-3.pdf>. Acesso em: agosto 2010.
PEIXOTO, Renato Amado. Espacialidades e estratégias de produção identitária no Rio Grande do Norte no início do século XX. Revista de História Regional, 2010.

SOUZA, Itamar de. A República Velha no Rio Grande do Norte (1889 – 1930). Brasília: Senado Federal, 1989.

Enviado pelo pesquisador José Edilson de Albuquerque Guimarães Segundo

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