Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Na lonjura do
olhar, parecendo distante de tudo, o farol brilha na noite. Luz solitária e
silenciosa, abre seus olhos para o mar e se sente marejado, molhado. O farol
também chora.
Quer avistar o
barco que singrou distante, quer ser o caminho do solitário navegante, quer
dizer que as curvas das águas não oferecem perigo, quer ser o lenço acenando
saudade.
Num tempo
muito distante, dizem que o Farol de Alexandria se lançou às águas ao avistar
bela sereia. A Lanterna de Gênova, de tanto ter os olhos brilhando para as
ondas misteriosas, acabou cegando e foi abandonado.
Mas este farol
foi erguido noutro tempo, ainda que em data desconhecida pelo mais antigo dos
viventes da beira do cais. Mas dizem que nem foi construído, simplesmente
surgiu ali como luz guardiã de navegantes e embarcações.
Ao cair da
noite, logo depois do entardecer, a mão do faroleiro desconhecido alimenta a
tocha que tremula ao açoite do vento. Nunca se apaga. À luz do dia e ainda
queima o seu candeeiro sempre aflito e entristecido.
Não tem luz de
cor definida. Não parece vermelha para dizer que a embarcação tem de ir a
bombordo, à sua esquerda; ou verde, para dizer que siga a estibordo, à sua
direita. É apenas luz de cor indefinida, como a dos olhos envelhecidos por
tantas noites insones.
Não há nada
mais triste e solitário que um farol, certa feita escreveu um poeta. Sua luz
cintila tão melancolicamente que mais parece o último sopro de uma vida tomada
de espanto. É pelo que avista, é pelo que vê adiante, pelo que enxerga ao
longe.
Na noite, ao
lançar seus olhos sobre as águas adiante, ouvindo o murmurejar agitado das
ondas, avista muito mais que um leito misterioso e inebriante. O clarão da lua
que reflete nas águas se faz como espelho despertando segredos e recordações.
A dança das
ondas, valsa de imenso salão, vem acompanhada de seres invisíveis que
transbordam aflições e tormentos. Uma orquestra dolente, um piano distante, um
violino de acorde náufrago e repentina mudez. E depois o silêncio.
O silêncio que
chega pelas águas, aporta no cais, caminha na areia, se revela no meio da
noite: a voz emudecida num rosto aflito. Espalha pétalas molhadas pelo ar,
escreve um poema na areia, ouve um segredo de concha. E depois chora sua dor.
Tudo isso o
farol vê e sente. Por tudo isso o farol agoniza. E tantas vezes sua luz avança
molhada em direção às águas numa mistura de lágrima e imensidão. Queria ser
mais alegre, queria ser feliz, mas não há nada na noite do cais que possa
alegrar um olhar predestinado a avistar tristeza, silêncio e solidão.
Viu o barco
partir e o barco não voltar. Avistou-o ao longe sem rumo e sem dono. Lá dentro
mais uma de tantas despedidas, nas águas o destino de quem tanto queria
retornar para os braços de sua amada. Porém outro amor encontrou no abraço da
sereia que sempre guia o seu amado para o castelo profundo.
Viu a mulher
aflita andar pelo cais. De lenço à mão parecendo chorar, de terço à mão
parecendo em contínua prece, de olhar tristonho parecendo temer. Seu amor, seu
amor lá nas águas, sem retorno já debaixo da lua, sem voltar para os braços dos
seus. E ouviu aquele canto feliz da sereia. Canto de quem se farta de um amor
perdido. E deitou na areia para chorar sua dor.
Viu a bela
moça de chapéu florido, de roupa rendada e livro à mão, levemente subindo na
embarcação, sempre olhando pra trás e querendo acenar. E em cima da pedra um
rosto tristonho, sem cor e sem gesto, sem acreditar. Sua pobreza desfazia um
amor. Bela moça era forçada a seguir para longe.
E tudo isso
aos olhos marejados do farol. E numa noite sem lua lá em cima, com as águas
agitadas pelo mar revolto, ele cantou uma velha canção marinheira, tão triste
como o cais mais triste, e depois calou. Sufocou um grito na garganta e
silenciou. Em seguida soprou sua própria chama e se apagou.
Resta apenas a
esguia e envelhecida construção. Mas sem luz no farol, quase sem farol. Apenas
um soluço em meio à noturna solidão. E também uma lágrima de água morta.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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