Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Parece coisa
de Odorico Paraguaçu, mas no meio político e governamental virou modismo
descomunal se falar em estruturante. Na verborragia da hora, tudo diz respeito
à obra estruturante, política estruturante, resposta estruturante, proposta
estruturante.
Que pergunte a
jornalistas, técnicos, acadêmicos e políticos o que seja estruturante.
Dificilmente virá uma resposta satisfatória, conclusiva, a não ser um arremedo
de confusões interpretativas. E isto porque em torno dos conceitos
estruturantes, organiza-se uma série de outros conceitos e noções. Desse modo,
tem-se que estruturante é um leque que se abre em diversas direções.
Mas o termo
estruturante não fica isolado nas verborragias neologistas. Propinoduto,
pilantropia, mensalão, mensalinho, lulismo, valerioduto, fracassomania,
hiperpartidarismo, dentre tantos outros termos. Há uma inteligência
demasiadamente prodigiosa no cunho de expressões esdrúxulas.
Logicamente
que estruturante vem do termo estrutura, e esta possui os mais variados
sentidos. Constitui o elo de ligação entre as orientações
estratégicas de um organismo e a sua atuação; é uma junção de componentes ou
serviços inter-relacionados; diz respeito à forma de organização das entidades,
através de suas relações complexas.
Mas o que
significa mesmo estruturante? Ora, os dicionários e enciclopédias falam em
estrutura, estrutural, estruturação, mas quase nada desse adjetivo neologista
denominado estruturante. Quer dizer, forjaram um conceito que fosse mais
ininteligível do que a velha e pouco compreendida infraestrutura. E esta como o
conjunto de fatores que servem de base para o desenvolvimento de outras
atividades.
Há uma
Legislação Estruturante do SUS, que nada mais é do que a legislação norteadora
do órgão. Há um Núcleo Docente Estruturante, que nada mais é do que um órgão
consultivo de gestão acadêmica. Há Conteúdos Acadêmicos Estruturantes, que nada
mais são do que conhecimentos de grande amplitude. E há também ações
governamentais estruturantes, que podem significar um monte de coisas e nada ao
mesmo tempo.
Outro dia saiu
no Nenotícias: “Grupo liderado por Amorim vai discutir obras estruturantes para
o Proinveste com Déda”, e mais adiante diz que “o grupo liderado pelos irmãos
Amorim decidiu atender ao apelo e que quer discutir apenas obras estruturantes
para o Estado”. Não seria mais coerente, mais respeitoso ao leitor, afirmar que
o grupo vai discutir acerca da realização de obras essenciais para o Estado.
Ora, todo mundo sabe o que são obras essenciais, principalmente quando se fala
tanto na construção do Hospital do Câncer.
Segundo o
dicionário virtual Priberam, estruturante significa aquilo que estrutura ou
permite a estruturação. É também a noção repassada pelo Dicionário Houaiss. E
surge a estruturação para complicar mais o entendimento. O Dicionário Online de
Português diz apenas que estruturante é uma palavra derivada de estruturar, e
que esta é dar estrutura, organizar, dispor segundo uma ordem.
Quer dizer,
para dimensionar o que seja estruturante, compreendendo seu significado,
requer-se o conhecimento do que seja estruturação e, mais ainda, conhecer os
processos de formação dos vocábulos, relacionar o significado de seus elementos
formadores e, por conseguinte, deduzir o que significa a palavra.
Defendendo a
correção do vocábulo, e afirmando que a existência de palavras pode muito bem
antecipar-se ao que consta dos dicionários, ensina Pasquale Cipro Neto
(“Reformas estruturantes” -
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff3108200605.htm), que não é preciso
recorrer a dicionários para deduzir que "estruturante" significa
"aquilo ou aquele que estrutura" ou "que favorece ou determina a
estruturação". Neste sentido, obras estruturantes seriam aquelas que geram
estruturas para novas obras.
No vocabulário
político, certamente que o adjetivo estruturante surge quase como promessa,
necessidade de realização, compromisso governamental. Soa bem como forma de
repasse ao cidadão de algo grandioso, proveitoso demais, de essencialidade
absoluta. O problema é que se a palavra não vier acompanhada de explicações
outras, não possui entendimento algum, pois generalizante.
Ora, afirmar
que técnicos estão discutindo políticas estruturantes é apenas uma forma de
afirmar que estão discutindo ou elaborando projetos de obras estruturais que
servirão de base para outros serviços essenciais. Um porto é uma obra
estruturante porque servirá para o escoamento de bens e produtos e para
alavancar a economia; a construção de adutoras também, e pelos motivos que
todos conhecem.
O problema
todo reside na delimitação do uso do vocábulo. Isto porque as obras
estruturantes, grandiosas que são, necessitam, em primeiro lugar, que obras
estruturais sejam realizadas. As obras estruturantes não surgem primeiro que as
infraestruturas, pois somente estas permitem, dão a estrutura de base, à
realização das obras essenciais.
Soa
bonito dizer, falar em entrevista, mas infelizmente não chega ao povo da forma
inteligível que deveria chegar. Até porque o político ou governante não pode se
esconder através de conceitos poucos usuais para encobrir o que não tem certeza
se realizará.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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