Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Aconteceu no
sertão e foi repassada em montão, a estória da solteirona que teve alucinação
ao ver uma vela estranha que lhe causou aflição, fazendo perder o juízo e viver
na assombração.
Quando jovem
era a mais bela, a mais desejada donzela, mas nunca quis namorar, só vivendo na
janela, de cara fechada pro mundo, se achando mais que ela.
Recebia
bilhete de amor, um cesto cheio de flor, fruta de doce sabor, presente de toda
cor. Mas tudo achava um horror, cada pretendente um pavor, sem sentir nenhum
fervor.
O pai lhe
chamava atenção, dizendo não faça assim não que a vida é lição e mais tarde vai
ter punição. Quando tiver na solidão vai querer qualquer e todos dizendo não.
A mãe só
faltava chorar, pra filha logo mudar e começar a namorar, moço decente arranjar
e pensar logo em casar, pois o tempo ia passando e ela naquele cismar.
Mas a moça era
orgulhosa, e se achando a mais gostosa, dizia toda garbosa que não tava aí nem
dava prosa, que tinha quantos quisesse, pois era a mais bela rosa.
O tempo foi
passando com o orgulho aumentando, as conhecidas namorando e cada uma casando,
tudo vivendo feliz e ela estacionando, sem receber mais um bilhete nem uma
carta clamando.
Começou a
estranhar que a rapaziada sumia. Cada um que ela via agora desaparecia, se
enfeitava na janela e nenhum pra dar bom dia. Aquilo que era alegria foi
transformando em agonia.
Quis namorar
de todo jeito, sentir da paixão seu efeito, ter um corpo junto ao peito, ser
abraçada em trejeito, deixar o cabelo desfeito e beijar sem preconceito. Mas
faltava um sujeito que tudo fizesse assim e sem pudor nem respeito.
Chorou uma
noite um dia, comida não mais queria, no peito a descortesia de sofrer a
desvalia de não ter mais pretendente, de caminhar pra ser titia.
Comprava roupa
enfeitada, vivia toda esmaltada, de cara e boca pintada, com saia curta e
levantada. Caminhava pela rua, seguia pela estrada, mas ninguém olhava nada
daquilo que tanto mostrava.
E o tempo foi
passando, a solidão aumentando, o corpo não suportando um calor descomunal, que
arrepiava sufocando, o pelo se eriçando que ela acabava chorando. Todo mundo
namorando e ela se pranteando.
Fez promessa
para o céu lhe tirar aquele véu que lhe deixava ao léu, queria um de bigode e
chapéu, o que fizesse escarcéu, se entregar de déu em déu, e antes que
desesperasse e fosse parar num bordel.
A moçada já
sabia do sofrimento da donzela e chegava junto dela contando cada uma daquela.
Falava do cio da cadela, da porteira sem cancela, do tacho feita panela, do
tamanho da mortadela.
Ela ficava
arrepiada, sem jeito, desajeitada, e toda afogueada permanecia calada. Mas
disse dentro de si que ia ser tudo ou nada, que ia dizer ao padre de sua nova
jornada, que ia ser de qualquer um e com prazer de ser falada.
Foi cumprir
sua missão, contar ao padre da decisão, mas só encontrou na igreja o jovem do
sacristão, que lhe perguntou o que era, se queria confissão. Ele mesmo a
ouviria e daria o perdão.
Diante do
sacristão ela se tomou de aflição, avermelhou de supetão com a fogueira em
brasão, pensou que seria o padre e não aquele bonitão, um moço espadaúdo todo
vestido em roupão.
E ali mesmo
decidiu começar o seu pecado, e num instante pro outro o homem estava rasgado,
faltando só um pouquinho e ficaria desnudado.
Sem saber o
que fazer, completamente assustado, o sacristão foi correr e se viu
despreparado, pois toda roupa caiu e ele ficou pelado com uma vela na mão, e
acesa feito tição.
Diante daquela
visão, coisa mais triste, que aflição. Ela arregalou os olhos e logo perdeu a
razão, endoideceu de repente com a vela do sacristão.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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