Por: Rangel Alves da Costa(*)
UMA
ÁRVORE AO POR DO SOL
Hoje mais cedo
eu estava pesquisando uma imagem bonita para colocar como pano de fundo da tela
do computador e me deparei com uma árvore majestosa e tendo ao fundo um
belíssimo por do sol.
As cores
avermelhadas recaem sobre a árvore como um abraço de modo que não se enxerga
nada das cores das folhagens nem do tronco, apenas um negrume nas galhagens
sobressaindo-se em meio aos tons abrasados do instante.
O por do sol
tem esse poder de incidir sobre os seres e deixá-los parecendo uma imagem de
raios-X. No caso da árvore, mesmo que volumosa e altaneira, ao entardecer mais
vivo e afogueado revela-se apenas como um objeto escurecido de braços abertos
na paisagem.
E é esta
imagem, esta paisagem emoldurada pelo fogo do instante, tomada pelas cores do
fim de tarde, que acaba provocando rebuliços nos sentimentos de quem a observa.
Não pela árvore nem pelo fogo do sol ao fundo, mas sim pela moldura que se
forma e pela força transformadora que transmite.
Então revelo,
antes que me esqueça de dizer. Não é uma árvore qualquer não e nem também um
por de sol de qualquer lugar. A paisagem retratada é sertaneja, do sertão mais
imponente e original, lugar onde o sol é maior e mais abrasador e cujo fim de
tarde também se diferencia pelos matizes que provoca nos descampados, nas
árvores solitárias e na mataria.
E a árvore que
recebe tais raios afogueados é uma autêntica baraúna sertaneja. Baraúna,
braúna, quebracho, ubirarana ou ainda ibiraúna, é uma árvore nativa,
tipicamente sertaneja, que se sobressai na caatinga pelo seu grande porte, caule
de tronco grosso e reto, com ramos espinhosos, galharia espessa e
bem distribuída, formando uma vistosa copa.
Quando nasce
em meio aos descampados, nas solidões esturricadas sertões adentro, é avistada
ainda ao longe. Não só pela sua altura, mas principalmente pela imponência,
logo é reconhecida pelo olhar do campesino. E dela é amigo fiel, pois debaixo
de sua copa, nos sombreados debaixo do sol, já fez paragem e repousou.
Nas sombras da
baraúna os vaqueiros param para esvaziar seus cantis, dar fôlego aos animais,
tirar um cochilo antes de seguir adiante no rastro de bicho brabo. Os antigos
comboieiros ali paravam suas mulas carregadas de charque, tecido, açúcar,
farinha, mercadorias que seriam entregues nas mercearias distantes.
Nos dias mais
ensolarados, quando o sol sertanejo parece descer rente a terra, os animais se
socorrem de suas sombras para o necessário refúgio. Boi, vaca, cavalo, jumento,
raposa e outros bichos do mato, dividem o mesmo chão sombreado sem intriga nem
zangação. Sabem que é melhor dividir pacificamente o lugar a padecer em cima do
braseiro da terra.
Foi debaixo de
uma baraúna que um jagunço afamado armou uma tocaia pra derrubar o desafeto do
coronel seu patrão. E somente um mestre na emboscada para levar adiante a
estratégia mortal onde não havia tufo de mato nem folhagem baixa para se
esconder. O que fez o danado do homem foi se esconder por trás do tronco
rechonchudo da árvore.
De passagem
certa pelo lugar, pois era ali que descia um instante pra refrescar o juízo e
dar descanso ao animal, assim que o inimigo do patrão se aproximou e colocou o
pé no estribo pra descer, o jagunço botou a cabeça do outro lado e fez a mira.
Quando o homem percebeu a cilada já era tarde demais. Recebeu uma balada no
meio da testa que se derreou na sela, já morto. E o cavalo saiu em disparada
com o defunto por cima.
Depois disso,
com a maior das vilezas que possa existir num homem, o jagunço
cortou galho de catingueira em cruz e ficou debaixo da árvore. O seu patrão
mais tarde passaria por ali e ao avistar a cruz de defunto teria certeza que o
seu cabra tinha dado conta do recado encomendado. E o seu inimigo deixado de
existir.
E talvez seja
essa mesma baraúna que encontrei ao por do sol. Talvez não, tenho máxima
certeza. E digo isso porque aqueles raios de sol da cor de fogo, num vermelho
afogueado, ao descer sobre a árvore dão-lhe uma aparência de estar banhada de
sangue. E o sangue que sobre ela se derrama é o mesmo sangue sertanejo das
vinditas, das tocaias, das emboscadas.
Pois ali
debaixo daquela baraúna imponente, tão bonita na paisagem, muitos perderam a
vida. Por isso que nas noites sem lua as velas flamejavam pelos arredores,
debaixo da copa. E tiros eram ouvidos. Gritos também. Coisas desse imenso e
misterioso sertão.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário