Por: Rangel Alves
da Costa(*)
São muitas as
estradas, muitos os caminhos, muitas as veredas. De canto a outro e o passo
querendo seguir, cortar poeira, experimentar as pedras e os espinhos. Mas
também realizar, encontrar ou reencontrar aquilo que contenta a alma e alegra o
espírito.
Abrir a porta
de casa e sair não é tarefa fácil como se pensa. Os labirintos são muitos e os
inimigos estão à espreita. Há uma curva na estrada e uma ventania que sopra
incessantemente. Contudo, o passo que segue o coração não há que temer os
percalços. Adiante se vai porque tem de chegar.
E segue
cantando a cantiga de um tempo cheio de alegria e felicidade. Porque noutros
caminhos, noutras estradas que ficaram atrás, caminhava um povo festejando a
bonança da existência e a glória na realização, por mais árdua que fosse. Um
povo bom e respeitoso, amigo e encorajado na vida.
Pelo caminho
por onde seguiu meu passado também quero seguir. O passo de meu ancestral, da
minha linhagem e veia, preciso seguir. Como não posso retornar e retomar aquele
passo primeiro, não posso abrir a mesma cancela de um tempo ido, faço do que
tenho agora o início da mais bela das caminhadas.
Como fizeram
ontem, também faço hoje. Meu caminho não se faz senão no passo da nostalgia, do
reencontro com as coisas belas e significativas da vida. Eis que por todo lugar
há um lugar pra chegar, e neste o prazer de expressar os sentimentos mais puros
e sublimes.
Vou pro mato,
vou caçar araçá maduro. Dizem que hoje quase não existe mais, mas hei de
encontrá-lo escondido, se ocultando de tudo por medo da humana devastação. E
direi que só quero uma mão cheia do seu pequenino e precioso fruto, certamente
o mais delicioso de toda a natureza. Eis que o pai do meu bisavô tinha um pé de
araçá na varanda.
Vou sair ao
entardecer, vou caminhar pelas ruas do meu sertão. De calçada em calçada, de
rua em rua, debaixo de pé de pau, como é bom cumprimentar o amigo e perguntar
como vai, desejar um mundo de felicidade. Dar a benção aos mais velhos, ouvir
seu dedo de prosa, considerar a sua boa lição. A mãe de minha avó fazia assim,
tinha prazer em ser assim.
Vou caminhar
sem destino, seguir além da cidade, passar pelas malhadas, capoeiras e
descampados, acenando pra um e outro na sua janela, proseando com quem
encontrar, conversando sozinho, mas principalmente com as pedras e os
passarinhos. Já não se caminha assim, dificilmente alguém se dispõe a caminhar
por aí, beber da fonte da natureza, ser uma cor na imensa paisagem. Meu avô
todo dia fazia seu caminho na natureza.
Vou visitar um
amigo, fazê-lo surpreendido com minha presença. Tudo tão perto e sempre
distante, erroneamente deixando que o tempo e outros afazeres se intrometam na
essencialidade da vida e acabem afastando as pessoas boas, os bons e cordiais
conterrâneos. Preciso saber como vai, como tem passado, como está a saúde, a
família, a vida. A mesma alegria que sentirá seria a minha ao toque da porta.
Assim também fez aquele que veio atrás de mim, num tempo muito distante.
Vou alegrar o
espírito, preciso alegrar a alma. Tenho de saber onde há um leilão daqueles
feitos por Alzira antigamente, com bolo, canjica, galinha assada, garrafa de
aguardente, e tudo no quem dá mais. Ouvir o toque do zabumba, a cadência do pandeiro,
o trinado melodioso do fole de oito baixos. E pela sala de reboco a sertanejada
em festa, numa suadeira animada, na saia que roda feliz. Assim brincaram os
meus passados, e também quero participar dessa festa.
Vou acordar
bem cedinho, até antes disso, pois ainda na madrugada. Quando o galo cantar já
estarei de xícara à mão para o gole de café. Depois vou caminhar pelo silêncio
matinal e sentir como a vida renasce a cada dia. E logo alguém vai abrir uma
porta, a comadre vai varrer a calçada, o menino passar com gaiola de
passarinho. E pelo ar o cheiro gostoso do café torrado, do milho ralado, de
toda delícia. Assim fazia minha bisavó, minha avó, minha mãe. Hoje não posso
deixar de fazer.
Verdade é que
as pessoas precisam acompanhar os passos da realidade e viver, mas não podem
esquecer a essência do ser. E ser o hoje sem perder a memória, a bela nostalgia
da existência, rebuscando o melhor da essência passada, para ser moderno e
eterno.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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