Por: Rangel Alves
da Costa(*)
Depois de
caminhar léguas e léguas ao lado de seu discípulo, o velho sábio parou em cima
de um monte, mirou silenciosamente a paisagem e disse: Mesmo que meus olhos não
enxergassem mais, ainda assim meu coração se regozijaria diante de Deus. Vede,
meu filho, como Deus abraça sua criação.
O jovem então
se apressou a perguntar: Deus, Deus, mas onde está Deus? E ouviu, sem outras
explicações, que estava representado em toda aquela maravilhosa paisagem logo
adiante. E depois, mais pausadamente, acentuou que nada daquilo seria visível
em sua plenitude se os olhos não enxergassem através do coração.
E seguiram
adiante. Ao chegarem num deserto tomado de espinhos e pedras miúdas, areais e
ventania, o discípulo, talvez inadvertidamente, perguntou ao mestre se
conseguia avistar Deus diante daquele cenário de desolação. O velho sorriu e se
expressou pela palavra bíblica: Homem de pouca fé, por que duvidaste!
Depois
acrescentou: Sim, aqui também, como em todo lugar, há a presença de Deus.
Outrora este deserto foi um campo florido, com pássaros voejando ao redor e
flores perfumando os dias e as noites. E hoje, por estar assim ressequido e
tormentoso, não significa que o mesmo jardim tenha deixado de existir. Eis, meu
jovem, que neste momento Deus caminha ao nosso lado para que não padeçamos nem
soframos ataques dos lobos nem dos errantes do mundo. E ao sentir sede e
milagrosamente encontrar um pequeno oásis, uma pequena fonte de água límpida e
cristalina, logo saberá quem mostrou ao teu olhar a fonte da abundância.
E o velho
mestre continuou: Depois de caminhar por campos floridos, em meio a pomares e
córregos abundantes, teríamos que encontrar este deserto. Assim está escrito.
Em tudo há transformação, mudança, passagem, para que compreendamos o
significado das coisas e possamos corretamente valorizá-las. E saiba que
estamos diante da mesma paisagem, mesmo que esta pareça tão ressequida e
difícil de caminhar. Mas tudo apenas na tua mente. Teme esta paisagem por medo
de passar fome e sentir sede. Nada mais que isto. Mas tudo ilusão. O coração,
diferentemente do corpo, não se contenta em ter alimento e bebida. Ele quer
muito mais, principalmente fazer com que o homem valorize aquilo que se
apresente ao olhar, transformando-o e dele retirando tudo aquilo que precisar.
Daí que aprenda nas lições do deserto a valorizar os caminhos da vida. Depois
vá matar a sede, comer teu alimento. E agradecer a Deus por ter feito jorrar
aquela água ali avistada e colocar diante da tua mão aquela árvore frutífera
mais adiante.
Beberam,
comeram e adormeceram por cima da areia. Acordaram num tempo muito distante e,
sem mais reconhecer nada daquilo que estava ao redor, pois com mato alto,
bichos desconhecidos e sons estranhos nas suas entranhas, resolveram voltar.
Não reconheciam mais o caminho e foram apenas seguindo em direção a um monte
que se avistava ao longe. Aquele havia sido o lugar das primeiras palavras
sobre a presença de Deus, pensou o velho. E por ali retornariam pelos antigos
caminhos.
Ao chegarem em
cima do monte, o velho sábio foi tomado de espanto com o que avistou ao redor,
mais abaixo e adiante. A paisagem totalmente transformada, o que antes era
verdejante estava seco e esturricado, não se avistava flores, pássaros, nenhuma
cor nem uma só melodia. Sentindo que o seu mestre estava completamente pasmo,
foi a vez de o jovem discípulo falar:
Talvez teus
olhos embaçados já não avistem o que se mostra adiante. Teu coração, meu bom
amigo, também fraqueja pela idade. Mas espero que nele ainda permaneça vívido o
olhar da grandeza da vida. Tudo diferente é verdade, mas é quando consigo
verdadeiramente encontrar a presença de Deus. Teu coração continua com forças
para esta certeza. Do meu me chegam palavras de alegria e contentamento por
tudo que vejo e sinto nesta paisagem. A aridez e a sequidão, a desolação e os
caminhos empoeirados, são sinais de renascimento, de ressurreição. Assim viu
Jesus o deserto da Galiléia. Aquela paisagem estéril e medonha anunciava a
vitória sobre o inimigo e a prevalência do bem para o sopro divino sobre os
lírios dos campos. Eis que a beleza da vida é paisagem constante naqueles que
acreditam em Deus.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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