Por: Rangel Alves
da Costa(*)
No leito de
morte...
A desvalia da
vida, o voo do ser, o vazio, os olhos profundos, a pele esmaecida, uma
dormência de cansada viagem. E restando a partida.
No leito de
morte...
Vento e aragem
entrando pela janela, uma vela tremulante, uma imagem santa na cabeceira, um
Cristo entristecido pendurado na parede.
No leito de
morte...
A luz, mas a
escuridão, a penumbra, as sombras. Sussurros, murmúrios, preces interrompidas
por soluços, lágrimas escorrendo em rios.
No leito de
morte...
E ainda a
prece, a oração, a esperança, as mãos fervorosas se unindo, joelhos dobrados
num último apelo. E a dor, o sofrimento, a angústia, a aflição.
No leito de
morte...
A Bíblia
aberta, a voz embargada, a palavra: Cura-me, Senhor, e serei curado; salva-me,
e serei salvo, pois tu és aquele a quem eu louvo. É ele que perdoa todos os
seus pecados e cura todas as suas doenças.
No leito de
morte...
E a vela que
apaga, e a vida que dança ao sabor do instante. Uma valsa sem fim, uma valsa
infinita, bailando, bailando, até sumir pelo imenso salão da existência.
No leito de
morte...
A porta que
abre, a pessoa que chega, o grito contido, a descrença, a desesperança. Lenços
nas mãos, mãos enxugando os olhos, vozes entrecortadas em soluços.
No leito de
morte...
Um olhar ao rosto
moribundo, um pano passado na testa para afastar o suor, um leque que procura
diminuir a fogueira que também quer consumir aquele resto de vida.
No leito de
morte...
Uma lua
triste, saindo e sumindo de novo; estrelas sem brilho algum, cadentes passando
pela janela em despedida. Um uivo de lobo. Bem distante, mas um uivo de lobo.
No leito de
morte...
O quarto se
toma de um cheiro diferente, aromatizado de flores, mas todas tão amigas dos
defuntos. Ainda não havia ali nenhum morto, mas o cheiro do antúrio e
crisântemo.
No leito de
morte...
Lá fora a
noite mais escurecida, mais tristonha, mais silenciosa, somente entrecortada
pelos pios das aves agourentas. Uma coruja ao redor, um anum bem em cima do
telhado.
No leito de
morte...
Mais um
Pai-Nosso rezado, mais uma Ave-Maria entoada, mais um terço, mais um Salmo,
mais uma palavra do Evangelista. Uma cantiga dolente, uma sentinela escondida.
No leito de
morte...
O abraço de
quem chega, a palavra ao ouvido, o soluço abafado, a cabeça baixa, o retiro
pelos cantos. E de repente o desmaio, a dor transformada em agonia.
No leito de
morte...
O vigário que
chega, o silêncio profundo, os preparativos para o sacramento último. Os óleos
derramados na testa, os óleos espargidos pelos pelo corpo, esperança de
salvação.
No leito de
morte...
As palavras da
extrema-unção: Por esta santa unção e por sua grande misericórdia,
Deus te perdoe pelos pecados cometidos e reconheça tuas virtudes para a vida
eterna.
No leito de
morte...
E o grito. No
morto, o silêncio profundo e a partida. Mas o grito. O grito. O grito. Pessoas
gritando por dentro. E a morte ecoando. A morte. A morte...
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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