Por: Rangel Alves da Costa(*)
A
MENINA PELA ESTRADA (ENTRE BRUXAS E LOBOS MAUS)
A menina de
hoje, tão criança e já mocinha, envolta em modismos e modernidades, não se
diferencia muito, contudo, daquelas meninas das fábulas, dos contos de fadas,
das histórias infantis.
Igualmente à
menina dos livros antigos e das histórias encantadas, esta de hoje também vive
em meios a aventuras, caminha por perigosas estradas, se vê diante de ameaças e
lobos maus, tem sempre um labirinto silenciosamente chamando para testar sua
força.
Naqueles idos
onde as histórias são relatadas, a menina geralmente vivia com sua família numa
casa simples e rodeada por belíssimas paisagens, animais falantes e sendo
constantemente ensinada por seus pais a fugir dos perigos e armadilhas.
E as lições
repassadas eram muitas, e a filha sempre ouvia com atenção. Cuidado para não se
afastar muito de casa, para não seguir sozinha por caminhos distantes e
estradas desconhecidas, para não dar atenção a quem não conhece e desconfiar de
tudo que venha com muita facilidade.
Ensinavam
muito mais. Não deixe escurecer quando sair por aí ou estiver em lugares
desconhecidos; não experimente nada que não conhece, ainda que esteja com fome
e sede; não aceite convite de quem não conhece nem revele seus segredos a
ninguém. Acaso encontre um bicho falante, apenas diga que ainda não aprendeu a
falar a língua dos bichos.
Contudo, ainda
assim, mesmo com tantas lições recebidas dos pais, avôs e familiares, muitas
vezes a garotinha do conto de fadas caía em armadilhas. De repente, sem atentar
para as astúcias dos seres do mal, aceitava uma maçã doada por uma dócil
velhinha, que não passava de uma malvada bruxa; ouvia encantada as palavras do
lobo mau - ali se mostrando tão lobo bom - e o acompanhava aos escurecidos
labirintos.
Nem precisa
esmiuçar as consequências dos atos impensadas da menininha. Mas tudo por
desobediência, por não seguir à risca os ensinamentos. Tanto que a mãe pediu,
tanto que o pai implorou. E para sair das arapucas e armadilhas sofria
pesadelos sem fim, e sem garantias de um final sempre feliz.
Não havia
certeza de um final feliz porque os contos de fadas, as fábulas e as historietas
infantis se prestam muito mais a exemplificar situações de vida, num confronto
do bem contra o mal, onde este também leva proveito. E acontece assim porque
sua intencionalidade não é mostrar que a inteligência vence todas as armadilhas
para um final feliz, e sim que a desobediência faz a pessoa pagar pelos erros.
Quando a
menina, ainda que já tenha cometido o pecado da desobediência aos pais,
intimamente o reconhece e se compromete a não mais cometer tais falhas, então
seu destino muda totalmente na história. Toda a situação se reverterá a seu
favor e o lobo mau passará a ser o perseguido, a malvada bruxa tudo fará para
se distanciar da menina, e os seres do mal farão encantamentos para desaparecer
diante dela.
Alguma
coincidência com as meninas ou os jovens da atualidade? Será que pelas ruas e
ambientes da vida moderna não se escondem lobos maus, bruxas perversas, cobras
silenciosas, corvos adormecidos, gaviões de bico afiado? Será que por não
querer jogar pedacinhos de pão por onde passam, os jovens simplesmente vão
seguindo por estradas sem conhecer o caminho de volta?
Como nas
fábulas antigas e nos contos de fadas, a maioria dos pais de hoje também se
esmera nas lições repassadas aos seus, implora para que evitem isso ou aquilo,
porém começa a rogar aos céus todas as vezes que eles abrem a porta para sair.
Sabe, conhece muito bem que de pouca valia terá sido seu esforço se o mundo lá
fora se mostrar mais sedutor que o poder de discernimento, que a força para
dizer não dos jovens.
Verdade é que
os jovens dão poucos ouvidos às lições, aos pedidos e rogos que lhes são
feitos. Muitas vezes, e diferentemente da menina da fábula que por descuido se
aproximava do labirinto, o jovem de hoje dali se aproxima porque quer, porque é
por ali que procura seguir. E nunca há um final nessa fábula moderna onde é o
próprio personagem que antecipa seu fim.
Nesse passo, a
velha canção dizendo “Pela estrada afora eu vou bem sozinha, levar esses doces
para a vovozinha. A estrada é longa, o caminho é deserto, e o lobo mau passeia
aqui por perto...”, será, nos dias atuais, assim cantada: “Pela estrada afora
seguimos sozinhos, levar a juventude pelos descaminhos. A estrada é torta, mas
causa sensação, e o lobo mau traz drogas na mão...”.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos seguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Burlamaqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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