Por: Rangel Alves da Costa(*)
“VAI CHOVER E NÃO TEM LENHA..."
“Vai chover e
não tem lenha”, dizia a mulher tomada de aflição. Mas poderia estar gritando,
falando com seus botões, num proseado qualquer ou segredando a alguém. E isso
porque chover e não ter lenha significa muita coisa, muito além do que qualquer
um possa imaginar.
Ora, vai
chover e não tem lenha pode significar um inevitável acontecimento sem que a
pessoa esteja preparada. De repente vai bater a porta, vai chegar, vai
acontecer, e não há nada que se possa fazer para ser de outro jeito.
Também pode
expressar uma oportunidade que conscientemente vai ser perdida. Alguém tanto
sonhou, tanto desejou que algo acontecesse, e quando acontece não será capaz de
usufruir. A roupa bonita chegou e sabe que não pode comprar; tanto que planejou
a viagem, mas não poderá fugir de uma responsabilidade muito maior.
Chover e não
ter lenha denota ainda desesperança, impotência, sensação de impossibilidade,
desprezo, carência, pobreza. Por mais que a pessoa saiba que os tempos serão
ainda mais difíceis se não tomar uma atitude agora, ainda assim permanece na
inércia e na certeza que tudo será realmente pior.
Mas aqui
buscarei ressaltar a forma mais usual e costumeira que se dá à expressão “vai
chover e não tem lenha”. Quem é sertanejo, e de mais idade, certamente já ouviu
tal expressão. E é usada exatamente para dizer que é preciso correr para o mato
e catar toras e pedaços de pau porque logo vai cair chuvarada e o fogão de
lenha ficará sem seu combustível.
Os mais
jovens, moradores dos centros urbanos e que nem conhecem a realidade da pobreza
que habita mais adiante, não imaginam como seja a angustiante vida nas taperas
e casebres, na eterna e incansável luta pela sobrevivência, realmente não sabem
o que seja um fogão de lenha com uma panela velha e quase vazia por cima.
Nas cidades,
atualmente será raridade encontrar uma casa sem fogão a gás e que tenha o fogão
de lenha como uma maneira de preparar alimentos. Algumas residências ainda
mantêm fogões nos quintais, mas apenas para o cozimento de uma comida mais
custosa de preparo, como doces e paneladas.
Muito
diferente do que ocorre nos lares empobrecidos à beira das estradas, nos
descampados e escondidos no meio das brenhas mais distantes. Nestes locais,
aonde até o fogão a gás dificilmente chega pelo preço e pelo custo do gás, bem
como pela falta do que cozinhar, não há outra saída senão recorrer ao mesmo
fogo usado desde os tempos das cavernas.
Contudo, não
basta ter o fogão no chão do quintal ou mesmo num elevado de barro na cozinha
se não houver com o que acendê-lo. E também pelo preço e acessibilidade, na
maioria das vezes despreza-se o carvão para utilizar somente a madeira, a
lenha. Mas também não é toda lenha que se presta para acender fogão, pois a
mesma tem de estar sequinha, daquelas que estalam com o sol escaldante.
Daí porque a
lenha é tão importante para o pobre, para aquele que só pode dispor do
combustível vegetal para acender seu fogão e nele cozinhar seu feijão com
toucinho, seu cozido de preá, qualquer alimento que possuir. Mas seja o que for
que coloque na panela, certamente a comida ficará infinitamente mais saborosa
que a preparada em fogão a gás, seja ele o mais chique e caro que exista.
Tem-se, assim,
que nas moradias dessas carentes famílias não pode faltar lenha, e de jeito
nenhum. Como moram próximos ou mesmo ao lado da mataria tudo fica mais fácil,
pois basta que alguém vá até lá e procure a madeira adequada para a chama e o
braseiro. Adequada porque não adianta madeira verdosa nem tronco largo. Madeira
pra fogão tem de ser lenha mesmo, ou seja, aqueles pedaços ressequidos pelo
sol, pequenas toras de árvores mortas que se espalham pelo chão, gravetos
maiores.
Geralmente as
famílias mantêm um estoque de lenha em local protegido da chuva. A cada dia,
basta seguir até ali e pegar um punhado e depois acender o fogo. Mas se de
repente faltar? Ora, se de repente faltar alguém vai ter de catar lenha nos
arredores, na mataria. E é bom que faça isso logo antes que comece a chover.
Caiu chuvarada e a lenha fica imprestável.
Por isso mesmo
que ao sair no quintal e olhar para as nuvens carregadas, em tempo de despejar
meio mundo de água, a mulher logo grita para o marido ou o filho: “Corre, corre
que vai chover e não tem lenha!”.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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