quarta-feira, 10 de abril de 2013

SENTIMENTOS DA MATA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

SENTIMENTOS DA MATA

Conto o que me contaram. E repasso sem querer acreditar...

Quem pouco se importa com a natureza, quem olha pra mataria e seus habitantes com olhos de desdém, deve ser realmente porque não conhece e nem respeita a esplendorosa vida que há ali.

Contudo - e de antemão há de se esclarecer -, a mata, a floresta ou arvoredo, não se resume apenas numa quantidade de plantas, árvores e paus existentes num dado lugar. Muito pelo contrário, pois a mata, espessa ou já sem as espécies de antes, pode ser considerada e vista como verdadeira casa.

E como casa possui habitantes, família, relações, regras, convívio. E também dores, temores, conflitos, sofrimentos. Num dia pode estar fortalecida como nunca e no outro já terrivelmente ameaçada.


Ademais, a casa verdejante ou ressequida é de imensa e diferenciada família, de núcleo e linhagens fortes, ancestrais que vêm desde os primeiros tempos, formando um grande clã de riqueza inacreditável.

A riqueza está precisamente nas variadas espécies que formam cada grupo familiar da natureza. Assim, dentro de uma só mata são encontradas árvores, plantas, bichos, aguadas, terrenos e um relacionamento tão especial entre cada um que jamais será possível destruir qualquer coisa para não afetar diretamente a outra.

Assim, jatobás, aroeiras, catingueiras, pinheirais, seringueiras, baraúnas, cedros, velames, xiquexiques, palmas, mandacarus, fedegosos, são amigos das bromélias, dos roseirais, das flores do campo, das orquídeas e violetas, dos jasmins e araiçaizeiros.

Estes por sua vez se relacionam muito bem com as onças, tamanduás, cágados, preás, quatis, raposas, cobras, macacos, seriemas, passarinhos, veados, guaxinins. E todos estão ao lado e convivem bem com o ribeirão, o rio, o riacho, o córrego, a cacimba, o poço. E sustentando tudo a terra, o chão, a areia, a pedra, o leito arenoso que se estende pelas vastidões.

E como amigos dessa imensa família existem os seres encantados das florestas, como o saci-pererê, a mãe-d’água, a caipora, o fogo-corredor, a mula-sem-cabeça, a cobra-grande e muitos outros. Mas também a brisa, o vento, a ventania, a sombra e o sol, a luz e o luar, o silêncio e o murmurejar, as estações do ano e suas transformações, os encantamentos que só nas matas existem e que ninguém pode ver.

Por muito tempo discutiu-se se o homem era amigo dessa família ou não. Mesmo com toda falsidade própria do ser humano, verdade é que muitos deles são amigos inseparáveis de tudo que exista na natureza. Tem gente que vive ali dentro, convivendo com bicho e planta, sem jamais ter desrespeitado um tantinho assim da moradia dos outros.

Mas com outros é muito diferente, vez que parecem tomados de um ódio indescritível por quem jamais lhe fez qualquer mal. Estes não são apenas inimigos, mas verdadeiros perseguidores, seres violentos que adentram a grande porta para matar, saquear, destruir, tirar o equilíbrio da pacífica família e transformar negativamente tudo ao redor.

Chegam, entram sem pedir licença, sem bater à porta, sem dizer a que foram e vão logo colocando em funcionamento seus instrumentos de destruição. E é neste momento que os sentimentos dessa família brotam como laivos de dor, como veias cortadas, como gritos ensurdecidos pela ferocidade das máquinas, pelos arroubos dos homens, pela insaciável fome de aniquilamento.


E a cada passo dado, a cada nova investida, eles vão deixando rastros de morte e sofrimento, causando perdas irreparáveis para uma casa que se vê, dia após dia, mais fragilizada nos seus alicerces de sobrevivência e com menos habitantes. E muito do existente é exterminado de vez, irreparavelmente extinto sem deixar raiz ou semente, linhagem ou fotografia.

E quando a noite cai e os homens se recolhem para voltar no outro dia, bichos e plantas, e água e terra, seres e encantados, tudo se reúne para decidir o que fazer diante daquela situação. E nunca conseguem qualquer resposta, a não ser a convicta afirmação de que todo aquele que entra ali para ameaçar e destruir nada mais é do que um ser digno de compaixão.
Pensando em desfazer do outro, do irmão que invisivelmente a tudo sustenta, em tirar proveito da grande família, nada mais faz do que destruir lentamente sua própria vida.


(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


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