domingo, 21 de abril de 2013

O QUE A PEDRA ME DIZ (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

O QUE A PEDRA ME DIZ 

Não sei se você sabe, mas a pedra fala, ouve, tem sentimentos. Digo mais: tem um coração imenso, sensível, muito mais humano do aquele existente na maioria das pessoas. O da pedra realmente existe, é verdadeiro. Não é apenas um fardo, um engodo, um arremedo levado no peito.

Sim. A pedra mesmo, aquela lá do cais ou de qualquer lugar. A pedra do quintal, da ribanceira. Não me refiro a objeto fictício ou força de expressão. Digo da pedra verdadeira, aquela que parece sempre tão silenciosa e embrutecida num canto qualquer.

Pedra sim, o agregado sólido constituído por minerais; pedaço do corpo duro e compacto das rochas; o bocado desprendido da rocha que faz moradia nalgum lugar. Ainda que tenha feição tão dura e carrancuda, não é bem verdade que seja assim.

E não é simplesmente o objeto duro e inerte que se avista, não é pedra como pedra é tida e avistada por muitos. Há vida ao seu redor, há vida em cima e embaixo dela, na sua loca, nos seus escondidos. E mais um pouco abaixo da textura sólida um coração vivo e em constante pulsação.

Não sei se você já percebeu, mas sobre a pedra se imagina tudo, menos que ela possa compartilhar sentimentos, dialogar sobre coisas profundas e de grande sabedoria, conversar sobre o que a pessoa quiser. E juro que não se importa de falar ainda que tenha alguém confortavelmente sentado em cima dela. Basta querer ouvi-la.


Daí que não fujo da pedra, nunca vou por outro caminho para evitá-la. E o poeta, ao afirmar que no meio do caminho tem uma pedra, tem uma pedra no meio do caminho, esqueceu apenas de dizer que por tal estrada deve seguir apenas aqueles que procuram encontrar um sábio, um filósofo, um velho mestre.

É este o sentido que se deve dar ao caminho que tem uma pedra. Ninguém chega ao conhecimento nem à sabedoria, ainda que esta nunca seja completamente alcançada, andando em tapetes ou sobre gramíneas floridas. Será preciso encontrar a pedra no meio do caminho para que compreenda que as dores da caminhada não são causadas nem pela pedra nem pelo espinho, mas pela incerteza de onde quer chegar.

Quando caminho sobre pedras é como se ouvisse: “Chegará um tempo que não mais sentirá minha presença senão a certeza que seguirás adiante enquanto vou ficando para trás, esperando outros viajantes”. “Já fui rocha, já fui pedreira, já fui penhasco, já fui tudo, até um dia ser arremessada quase como um grão. Ainda sou pedra, uma pequena pedra, e que qualquer dia será transformada em granito, depois areia, depois pó. Não muito diferente do homem, não é mesmo?”.

Quando subo à montanha, lá em cima, no ponto mais alto, encontro uma velha conhecida. É uma pedra grande, de musgo seco e esverdeado, que quando chove parece estender um tapete pegajoso e brilhento. Pede sempre que eu sente ao lado, em cima de uma pedra menor, de modo que não me suje e que seja mais fácil de me ouvir. E é sempre ela que puxa o assunto:

“A noite passada foi mais longa que as demais. Ao menos assim me pareceu. E também a mais triste. Disso eu tenho certeza. Uma noite sem lua e sem estrelas, apenas um negrume tomando conta de todos os quadrantes do olhar. A ventania soprava um vento melancólico, a brisa chegava sem nenhum perfume. Não vi nenhum motivo para sentir alegria. E o pior é que vivi a eternidade numa única noite. E chorei duas lágrimas. Todas as outras pedras afirmam de modo diferente, dizem que a lua era imensa e o céu estrelado. Mas não senti nem avistei nada disso. É que eu quis voar nessa noite. Apenas um voo. Mas ouvi uma voz me dizendo que ainda não havia chegado o meu tempo de me transformar em pó...”.

Perguntei por que queria voar. E a pedra respondeu quase murmurando: “Havia uma bromélia aqui. Havia uma flor em mim. Uma ventania cruel arrancou-a pela raiz e vi apenas quando já dançava no ar. Por isso eu queria voar...”.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
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