Por: Rangel Alves da Costa(*)
NOITES SEM LUA
Depois do
entardecer a noite desce fechada pelas ruas das cidades. Poucos se atrevem a
sentar nas calçadas para o proseado e a fofoca, tudo tão costumeiro. As portas
e janelas se fecham mais cedo, logo depois das seis.
As pessoas já
não arriscam caminhar debaixo da lua, aproveitando a aragem da noite,
cumprimentar um amigo, dar boa noite ao estranho. As praças não recebem mais a
juventude para suas brincadeiras, os seus namoros, as suas paqueras. Tudo se
torna deserto e feio. E perigoso. Demasiadamente ameaçador.
A violência é,
em parte, a grande culpada pelas pessoas passarem a viver tão prisioneiras.
Ficou arriscado demais estar com a porta aberta ou sentado numa cadeira de
balanço na calçada. A marginalidade não respeita nada, não considera ninguém
nem a si mesma.
Os jovens se
voltam para outros afazeres. Muitos pais gostam e preferem que seja assim.
Permanecendo em casa, trancados em seus quartos envoltos nas inovações da
informática e interagindo nas redes sociais, ao menos evitam a exposição aberta
aos perigos da noite e de seus indesejados encontros.
Já houve um
tempo de noctívagos, de errantes noturnos, de seresteiros, de pessoas que
praticamente trocavam o dia pela noite. Já houve um tempo de namorados nos
bancos das praças, seguros da paixão e do momento enluarado e tão poético. Já
houve um tempo, imagine, de estender esteiras na calçada para o cochilar.
Os meninos
gostavam de jogar bolas pelas ruas calmas e tranqüilas; seus familiares
esqueciam as novelas e os telejornais para vivenciar a vizinhança, para dar
conta das esperanças ainda existentes. O estudante retornava depois das dez sem
perigo algum. Somente num e noutro caso as corujas das sombras davam os seus
pios aterrorizantes.
Mas tudo
mudou. Tudo está muito diferente. Fechar a porta depois das seis não é mais
escolha, mas necessidade; manter os filhos dentro de casa não significa mais
senso de proteção, mas um imperioso modo de garantir a sobrevivência. Ora,
depois da calçada tudo se transforma em medo e violência.
Contudo, nem
todos optam pela forçada reclusão noturna. Muitos preferem as sombras da noite,
a escuridão, para fazer valer seus instintos, seus vícios, seus dons marginais.
Muitos jovens, principalmente, saem de suas tocas depois do entardecer e seguem
para os encontros com outros com os mesmos objetivos e intencionalidades.
Se no passado
- e sem disso fazer um tempo muito distante - grupos de jovens se reuniam nas
praças ou nas esquinas para conversas sobre namoros, futebol ou qualquer outra
coisa despida de malícia, agora é bem diferente. Dificilmente não se reúnem
para tramar maldades, para armar esquemas, para usar drogas.
Desse modo,
onde se avistava um grupo de amigos e dele podia se aproximar sem qualquer
consequência, agora é melhor nem se achegar pelos arredores. É sempre mais
seguro imediatamente voltar, procurar ou outro caminho, fazer de conta que não
viu absolutamente nada. Ver o que fazem é sinal de perigo.
Mas se
resolver seguir, e neste ato impensado não sofrer graves
consequências, certamente terá oportunidade de avistar algumas situações
curiosas. E estas dizem respeito às estratégias de proteção que utilizam para
não serem flagrados, ainda que todo mundo saiba o que fazem ali.
Sim, ao
seguir adiante logo perceberá que o grupinho imediatamente se desfez; que
passou a se sentir ameaçado e por isso mesmo passou a olhar desconfiado, de
forma ameaçadora; ou simplesmente começou a esconder os objetos e bagulhos que
estão usando. Ou não, pois tantas vezes procuram mesmo mostrar que estão usando
drogas. E isto porque logo imaginam que quem se arrisca tanto é porque está
interessado em adquirir “o seu produto”.
Assim
acontece, a cada dia e a cada noite pelas cidades. Certamente alguém dirá que
estou exagerando, acentuando demais possíveis situações. Mas afirmo que não.
Cada um, querendo, pode se arriscar um pouquinho para confirmar ou não o que
ora afirmo. E não precisa ir muito longe não.
Talvez na
esquina de sua rua esteja acontecendo o que você nem imagina. E com pessoas
conhecidas, seres que você jamais imaginou ser capazes de fazer do vício, do
uso viciante da droga, uma triste e mortal realidade para suas vidas. Ou do que
delas restar.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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