Por: Rangel Alves da Costa(*)
LIÇÕES DE SOL E DE LUA
Acabei de ler
a última lição: Por mais que tente escolher os instantes de recordação, de repente
trará à mente a dor e o sofrimento.
Ainda hoje já
havia lido outras lições. Ontem também, anteontem, desde que nasci. Quanta
lição em tudo e em cada canto. E não sei por que até agora aprendi tão pouco.
Mas alguma
coisa aprendi. Não me iludo mais; não guardo mais esperanças vãs; não acredito
em sonhos com olhos abertos, mas tão-somente na realidade.
Não adianta
pensar que sou espelho. Também tenha isso como lição. Não me venha com essa
boca aberta fingindo sorrir que conheço no olhar a sinceridade da alegria. Não
queira ser afável nem amigável. Seja apenas como você é. Porque não não me
iludo mais. Não mais me deixo enganar.
A pedra me
ensinou a valorizar o silêncio. Procure fazer o mesmo ao perceber que falo tão
pouco ou quase não falo. Procuro sempre dizer aquilo que for estritamente
necessário. Não sei quando o outro quer me ouvir. E também gosto de não ouvir
qualquer um.
A solidão me
ensinou a valorizar o encontro comigo mesmo. Não saio por aí querendo ou tendo
de justificar minha existência. Quando quero, faço uma multidão com meus “eus”.
E depois vou me dispersando e fico somente com aquele que me valoriza. Um.
Apenas um. E tantas vezes já é demais.
Aprendi não
ler Salmos ao acaso. Não abro a Bíblia numa página qualquer nem me satisfaço
com aquilo que me venha ao olhar. Sei onde está a prece e a oração, sei onde
está o elixir para a aflição, sei onde está a palavra que tanto preciso. Por
que sei?
Sei por que
procurei conseguir tempo para coisas importantes na vida. Jamais achei
desnecessária a leitura e a reflexão de tudo aquilo que faz parte das Sagradas
Escrituras. Avidamente um dia li Emily Brontë; outro dia me debrucei com
voracidade em Exupéry. E por que não conheceria o meu Deus?
Não. Não me
olhe assim. Sou igual a você. Só que sou diferente. Não pense no que estou
pensando, não imagine o que vou fazer, não procure ser o molde de minha sombra.
Gosto de você como está. Assim, eu aqui e você no seu lugar. Sentirá no meu
olhar acaso eu deseje te encontrar.
Ao longo dos
anos, ao longo da vida, no passo da caminhada, fui descobrindo e aprendendo
coisas de doer no coração, lancinar a alma, amordaçar o espírito. Coisas de nem
querer acreditar. Pensei que o sangue, o laço familiar, a relação de
parentesco, por exemplo, tivesse algum valor. Mas não.
Não se espante
com o que tenho a dizer. Nunca veja com grande diferença o estranho daquele que
é seu parente; nunca fuja mais do inimigo do que daquele que diz ter o seu
mesmo sangue; nunca desconfie mais daquele abominável do que daquele que diz
ser seu irmão.
Ora, os outros
são estranhos, inimigos, desconhecidos. E no mundo irascível, frio e desumano
em que vivemos tanto faz como tanto fez que simplesmente ultraje o seu ser e a
sua honra e deixe uma ferida aberta.
Mas creia,
tenha como verdade, como lição: muito pior pode acontecer dentro de sua própria
casa, no seu de sua família, por meio daquele que tem o seu sangue e sobrenome.
E também daquele que se mostra tão benevolente e amigo nas horas de precisão.
Por isso não tema apenas o estranho como inimigo.
E tanto mais
dói porque tudo é feito de forma espetacularmente insidiosa. Ontem beijava seu
rosto, afagava sua mão, entregava um presente, dizia palavras bonitas, desejava
toda a sorte do mundo. E dizia mais que poderia contar para o que desse e
viesse. O traidor beijando a face daquele que trairá.
Mas hoje parece
que você encontrou um monstro. Hoje você abriu uma jaula e uma fera faminta
avançou para lhe atacar, querendo devorar, com ares de quem quer matar. Mas
essa fera não é seu irmão, seu parente, seu tão grande amigo, aquela pessoa que
ontem estava abraçada, sorrindo ao seu lado?
Sim. As feras
andam soltas. E ao seu redor está uma selva. Aqueles parentes, amigos e
conhecidos que ontem surgiram do nada para lhe atacar, chegam de repente como
se nada tivesse acontecido. Mostram-se sempre esquecidos. Puro fingimento.
Aja diferente.
Mostre que não esquece nunca. E faça mais. Faça com que sinta sua presença e
sua importância. Mas principalmente faça de conta que tem medo que a qualquer
momento a fera ressurja. E por isso mostre que não quer aproximação com animais
selvagens, peçonhentos, traiçoeiros.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Faça uma visitinha a este site:
http://cantocertodocangaco.blogspot.com
Observação:
Nenhum comentário:
Postar um comentário