quinta-feira, 4 de abril de 2013

LIÇÕES DE SOL E DE LUA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)

LIÇÕES DE SOL E DE LUA

Acabei de ler a última lição: Por mais que tente escolher os instantes de recordação, de repente trará à mente a dor e o sofrimento.

Ainda hoje já havia lido outras lições. Ontem também, anteontem, desde que nasci. Quanta lição em tudo e em cada canto. E não sei por que até agora aprendi tão pouco.

Mas alguma coisa aprendi. Não me iludo mais; não guardo mais esperanças vãs; não acredito em sonhos com olhos abertos, mas tão-somente na realidade.

Não adianta pensar que sou espelho. Também tenha isso como lição. Não me venha com essa boca aberta fingindo sorrir que conheço no olhar a sinceridade da alegria. Não queira ser afável nem amigável. Seja apenas como você é. Porque não não me iludo mais. Não mais me deixo enganar.

A pedra me ensinou a valorizar o silêncio. Procure fazer o mesmo ao perceber que falo tão pouco ou quase não falo. Procuro sempre dizer aquilo que for estritamente necessário. Não sei quando o outro quer me ouvir. E também gosto de não ouvir qualquer um.

A solidão me ensinou a valorizar o encontro comigo mesmo. Não saio por aí querendo ou tendo de justificar minha existência. Quando quero, faço uma multidão com meus “eus”. E depois vou me dispersando e fico somente com aquele que me valoriza. Um. Apenas um. E tantas vezes já é demais.


Aprendi não ler Salmos ao acaso. Não abro a Bíblia numa página qualquer nem me satisfaço com aquilo que me venha ao olhar. Sei onde está a prece e a oração, sei onde está o elixir para a aflição, sei onde está a palavra que tanto preciso. Por que sei?

Sei por que procurei conseguir tempo para coisas importantes na vida. Jamais achei desnecessária a leitura e a reflexão de tudo aquilo que faz parte das Sagradas Escrituras. Avidamente um dia li Emily Brontë; outro dia me debrucei com voracidade em Exupéry. E por que não conheceria o meu Deus?

Não. Não me olhe assim. Sou igual a você. Só que sou diferente. Não pense no que estou pensando, não imagine o que vou fazer, não procure ser o molde de minha sombra. Gosto de você como está. Assim, eu aqui e você no seu lugar. Sentirá no meu olhar acaso eu deseje te encontrar.

Ao longo dos anos, ao longo da vida, no passo da caminhada, fui descobrindo e aprendendo coisas de doer no coração, lancinar a alma, amordaçar o espírito. Coisas de nem querer acreditar. Pensei que o sangue, o laço familiar, a relação de parentesco, por exemplo, tivesse algum valor. Mas não.

Não se espante com o que tenho a dizer. Nunca veja com grande diferença o estranho daquele que é seu parente; nunca fuja mais do inimigo do que daquele que diz ter o seu mesmo sangue; nunca desconfie mais daquele abominável do que daquele que diz ser seu irmão.

Ora, os outros são estranhos, inimigos, desconhecidos. E no mundo irascível, frio e desumano em que vivemos tanto faz como tanto fez que simplesmente ultraje o seu ser e a sua honra e deixe uma ferida aberta.

Mas creia, tenha como verdade, como lição: muito pior pode acontecer dentro de sua própria casa, no seu de sua família, por meio daquele que tem o seu sangue e sobrenome. E também daquele que se mostra tão benevolente e amigo nas horas de precisão. Por isso não tema apenas o estranho como inimigo.

E tanto mais dói porque tudo é feito de forma espetacularmente insidiosa. Ontem beijava seu rosto, afagava sua mão, entregava um presente, dizia palavras bonitas, desejava toda a sorte do mundo. E dizia mais que poderia contar para o que desse e viesse. O traidor beijando a face daquele que trairá.

Mas hoje parece que você encontrou um monstro. Hoje você abriu uma jaula e uma fera faminta avançou para lhe atacar, querendo devorar, com ares de quem quer matar. Mas essa fera não é seu irmão, seu parente, seu tão grande amigo, aquela pessoa que ontem estava abraçada, sorrindo ao seu lado?

Sim. As feras andam soltas. E ao seu redor está uma selva. Aqueles parentes, amigos e conhecidos que ontem surgiram do nada para lhe atacar, chegam de repente como se nada tivesse acontecido. Mostram-se sempre esquecidos. Puro fingimento.

Aja diferente. Mostre que não esquece nunca. E faça mais. Faça com que sinta sua presença e sua importância. Mas principalmente faça de conta que tem medo que a qualquer momento a fera ressurja. E por isso mostre que não quer aproximação com animais selvagens, peçonhentos, traiçoeiros.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.


Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com


Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com


Faça uma visitinha a este site:
http://cantocertodocangaco.blogspot.com


Observação:

Este endereço tem a palavra "Cangaço", mas não tem nada a ver com o tema, foi um erro no momento de sua criação. Ainda não conseguimos fazer outro link de acordo com o material postado




Nenhum comentário: