Por: Rangel Alves da Costa(*)
DELICIOSAS
SAUDADES
Os intragáveis
sabores de hoje em dia reforçam ainda mais as deliciosas saudades que sinto das
guloseimas sertanejas de outrora.
Mesmo desde
muito residindo na capital sergipana, jamais poderei esquecer a cocada de
frade, o arroz doce, os pirulitos, o doce e a cocada de coco, os bolos e outras
guloseimas deliciosas que experimentava gulosamente no meu dia a dia
interiorano.
Coisa de
menino que não podia ver um copo de arroz doce ou mungunzá, uma tábua de
pirulito ou um doce caseiro, um doce de leite cheio de bolas, gastava toda
mesada que recebia indo de canto a outro, chamando de janela a janela, fazendo
levantar a toalha das mesinhas com os doces maravilhosos.
Até que podiam
existir outras doceiras de cocada de frade em Nossa Senhora da Conceição de
Poço Redondo, mas somente uma era tida como oficial, aquela que preparava o
doce no ponto e possuía clientela garantida. E gente de toda idade, do lugar e
de fora, sendo que muitas vezes o visitante não deixava nem um taquinho pra
ninguém da terra.
Numa mesinha
na calçada, com o tabuleiro recoberto com uma toalha branquinha rendada, tendo
uma moringa ao lado, Dona Cecília recebia os fregueses enquanto já pinicava a
carne de coco para o próximo tacho. Todo mundo podia vê-la cortando o coco em
cubinhos, mas não quando preparava a cabeça-de-frade, um cacto arredondado que
retirando os espinhos e a pele faz surgir uma carne branca e saborosa.
Quando o
entardecer chegava, por volta das quatro horas, passavam pelas ruas oferecendo
arroz doce. Por cima da salva da vendedora, encoberto com pano branco e em
copos de vidro, e tendo ao lado um recipiente com canela cheirosa, estava a
delícia de coco acrescida de cravo da índia. Verdade que era um pouco menos
encorpado que a iguaria feita para uso familiar, mas não deixava de ser
apreciado por todos, sobressaindo o gosto do leite de coco entrecortado pelo
açúcar na medida.
Famoso o arroz
doce de Baíta, doceira sertaneja que tinha fama de meio maluca. Fazia a iguaria
sem igual, mas quem fosse experimentar de sua delícia na própria residência
certamente não ia entender muito bem o que ela dizia, variando muito na
sabedoria e na insanidade. Mesmo assim nada afastava a gulodice pelo arroz da
sertaneja, comprovando-se que no preparo, na medida dos ingredientes e no
sabor, não podia haver maior lucidez.
Já a cocada,
tanto mole como cortada em pedaços, tanto branca como queimada, podia ser
encontrada e saboreada em diversas janelas e residências, mas sempre à venda.
Era costume sertanejo – e ainda continua num ou noutro lugar – a oferta de
doces no umbral da janela ou numa mesinha colocada diante da casa, na calçada
ou rente à porta de entrada. Bastava chegar e bater palma que logo era servido,
perigando engordar ali mais que dez refeições.
Geralmente
depois do almoço a pessoa já podia encontrar a sobremesa logo nos arredores. No
caso da cocada, lembro bem da de frade, feita por Dona Cecília, e a de coco,
tanto mole como dura, na casa de Dona Quininha. Famosíssima era essa cocada,
uma finura ao bom paladar, um presente aos olhos cheios de gula e de amor ao
coco. Eu mesmo sempre fui um apaixonado por tudo que contenha coco, exigindo até
que o gosto seja o mais acentuado possível.
Já o doce de
leite, batido ou com bolas, também era encontrado em diversos lugares. Contudo,
doceiras existiam que reconhecidamente tinham a mão melhor para o preparo, vez
que suas delícias eram mais consistentes, encorpadas, sem permitir que o caldo
aguado se sobressaísse do resto da mistura. E hábeis assim eram, e continuam
sendo, Naní e outra que agora me foge o nome, mas sem desmerecer a habilidade
de tantas outras que vendem seus potinhos ou porções de canto a outro.
Há que
acrescentar que quem fazia arroz doce geralmente cozinhava também mungunzá; que
quem fazia bolo de ovos também produzia de milho, de leite e de macaxeira,
dentre outros. Mas por último deixei pra falar sobre o pirulito de açúcar
caramelado, e assim o fiz porque não vejo mais essa tradição ser praticada por
nenhuma doceira do meu lugar.
Nos tempos
mais distantes havia a família do cabo Cláudio que fazia os tais pirulitos que
eram vendidos pelas ruas ainda na tábua. Contudo, sem comparação aos que eram
feitos por Dona Luizinha, bem na praça da matriz. Não sei do mistério doceiro,
mas verdade é que o seu canudinho açucarado não grudava de jeito nenhum no
papel que o embrulhava.
Sei que o
caldo no ponto era despejado no pequeno cone de papel já colocado na tábua. Era
só deixar esfriar e pronto, o pirulito já podia ser vendido e devorado pela
meninada. Era feito de açúcar puro ou misturado com mel de abelha, mas do modo
que fosse era desembrulhado como se fosse picolé tirado do papel. Chega o
melado derramava pelo canto da boca. Êta vida doce meu Deus!
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
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