sexta-feira, 8 de março de 2013

UM RIO PARA MINHA ALDEIA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

UM RIO PARA MINHA ALDEIA

Minha aldeia tem de tudo, menos um rio que passe ao redor. Preciso de um rio para minha aldeia.

Minha aldeia tem casa de barro e palha, tem casebre aconchegante, tem coqueiros que se dobram, tem uma montanha bem alta, tem mataria festiva, tem animais que entram nas casas, tem silêncio e ventania, tem brisa e paisagens encantadoras.

Diferente das aldeias portuguesas, aquelas maravilhosas cidadelas de casas altas construídas com cimento e pedra, cheirando a vilas medievais, minha aldeia se contenta com construções simples e rústicas, parecendo frágeis demais para a vida em eternidade.

Quem olha para minha aldeia pensa estar em um grande ninho de pássaro construído na terra, com galhos e folhagens passeando ao vento, vento fazendo curvas pelas esquinas sem ruas e pessoas bordando sonhos pelas calçadas entardecidas.

Nela também há um barco e uma canoa, mas não tem rio que passe ao redor. Preciso de um rio que passe na minha aldeia.

Não sei quem construiu ou trouxe de longe e colocou barco e canoa na minha aldeia. Quem fez isso certamente esperava que mais cedo ou mais tarde algum curso fosse desviado e entrasse ali.

Bem defronte à minha aldeia há um mar imenso, de águas azuis-esverdeadas, com ondas que se espalham feito véu de noiva, e que vai sumindo numa distância sem fim. Mas é um mar, não é um rio, e preciso somente de um rio para minha aldeia.


O mar imenso não satisfaz porque minha aldeia só saberá conviver com o rio. Nenhum aldeão jamais colocou os pés naquelas águas, saiu pra pescar ou ficou nas suas margens acenando lenços ou recebendo os que retornavam.

Não conheço ninguém na minha aldeia que já tenha singrado aquele mar, ao menos para passeio ou pescar. Nem avisto ninguém passeando na margem, colhendo os frutos das ondas, escrevendo verso na areia.

Todo mundo só quer um rio, só pensa num rio, só deseja um rio para sua aldeia. Mas não um rio qualquer que venha cortando as montanhas e siga por onde quiser. Não. O rio que se deseja tem que passar pelas entranhas da aldeia. Tem que ser veia e sangue do lugar.
O rio de minha aldeia vai passar pertinho do quintal e também da porta da frente, vai ser cheio de corredeiras e de águas mansas, em alguns lugares as águas serão azuis e esverdeadas em outros. E ainda noutros somente águas.

Até poderiam dizer que minha aldeia pensa em ser ilha cercada por esse rio, um leito que passa na porta da frente e na porta de trás. Mas não. O rio sendo só nosso, estando ao alcance da nossa mão, poderemos trazê-lo para frente ou para trás. Basta assim desejar.

Quem quiser basta sentar numa pedra e ficar conversando com a mansidão, com o percurso azul, ou estender a vara de pescar e esperar peixe bom. Vai pescar também com rede e tarrafa, mas somente quando chover trovoada na nascente.

Quero armar uma rede ali bem pertinho do rio, na frente de casa ou do quintal. Deitado, jogando pedrinhas no leito, ouvirei uma canção antiga que somente água de rio sabe cantar. Outra pessoa também sabia e me ensinou.

Alguém muito importante me ensinou em segredo e para cantar um dia, no dia que o rio passasse pela minha aldeia. A cantiga começa assim: Era nuvem, era pingo, era chuvarada, uma queda, um correr pela estrada, caminho de leito aberto, água azul no meu curso incerto...

Mas não vou cantar não. A água pode enraivecer e deixar de correr. E sem esse rio correndo pela minha aldeia não haverá mais nada a se fazer. Nunca mais alegria, nunca mais sentimento, nunca mais o olhar encontrando a vida passar, correndo, fazendo a curva, seguindo adiante...

Creio em Deus que um dia esse rio correrá na minha aldeia. Mas enquanto ele não vem, ainda não ouço seus sons quebrando nas pedras, fico lendo Fernando Pessoa. E exatamente um poema que fala sobre um rio que passa pela sua aldeia.

“O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia, porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia...”

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
  

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