Por: Rangel Alves da Costa(*)
TENHO
SAUDADE
Sobre a
saudade já se disse tudo, já se sentiu tudo. Mas cada saudade é tão própria, é
tão particular em cada um, que os conceitos apenas floreiam o sentimento e não
aquilo que intimamente se expressa.
Gosto do que
Clarice Lispector diz sobre ela: Saudade é um pouco como fome. Só passa quando
se come a presença. Mas às vezes a saudade é tão profunda que a presença é
pouco: quer-se absorver a outra pessoa toda. Essa vontade de um ser o outro
para uma unificação inteira é um dos sentimentos mais urgentes que se tem na
vida.
E também
daquilo expressado por Neruda: Saudade é solidão acompanhada, é quando o amor
ainda não foi embora, mas o amado já...
Arriscando uma
conceituação da saudade, diria apenas que é a mente caminhando, voando,
gritando, implorando, em busca de alguém ou daquilo que parece arrebatado do
próprio ser. E parte tão importante que a vida parece não ter mais sentido sem
a sua presença.
Assim, a
saudade pode ser vista a partir de diversas concepções e sentidos. Contudo,
sempre afirmando que a conceitual apenas intui o que intimamente possui
dimensão muito maior. E isto porque não há como definir em palavras redemoinhos
mentais, alvoroços sentimentais, dolorosas situações presentes na imagem ausente
que se deseja presente.
Mas também
tenho outras saudades que não propriamente de pessoas queridas que estejam
ausentes ou distantes. Com relação a estas, num misto de dor e desassossego,
procuro fingir o que os olhos e o coração não me deixam mentir. É tudo como uma
janela aberta para o horizonte e neste uma estrada com uma curva adiante. E
tanta aflição para ver retornar.
As outras
saudades que sinto não são menos dolorosas, ainda que digam mais respeito ao
passado, aos momentos vividos, às situações sentimentalmente importantes que
foram povoando o caminho. Coisas simples para muitos, e para outros até mesmo
insignificantes, mas de profundas marcas na caminhada. Do contrário, apenas
mais uma situação vivida.
Daí que tenho
saudade da meninice traquina na minha povoação sertaneja. Vida desmedida e
desobrigada, outra coisa não fazia senão viver cada dia como se a idade fosse
um grande parque de infinitas opções. Ao lado de outros da mesma idade, cada um
querendo ser mais esperto que o outro, não havia mundo que não fosse revirado e
caminho que não fosse cruzado. Por isso hoje tanta saudade.
Tenho saudade
da completa nudez para os banhos no meio das ruas em dias de chuvarada. O que
hoje seria impensável, proibido e inaceitável, naquele tempo era feito sem qualquer
maldade ou olhares maliciosos pelas janelas e portas. Seis, sete, dez meninos,
molecotes, todos nus e saltitantes, num festeiro danado debaixo da molhação. E
depois as palmadas na bunda por causa da gripe certa.
Tenho saudade
das brincadeiras de antigamente, dos amigos que se reuniam para fazer da vida a
maior reinação. Correr atrás de uma bola murcha nos descampados espinhentos,
brincar de pega-de-boi correndo descalço no meio da mataria, tomar banho nas
águas mansas do riachinho, levar arapuca pro meio do mato pra pegar passarinho
cantador, ser grande fazendeiro de ponta de vaca.
Tenho saudade,
e muita saudade, da minha roupa festeira, da brilhantina que fazia o cabelo
reluzir, da água de colônia para ficar cheirando a jardim. E mais tarde da calça
de boca de sino, da camisa volta-ao-mundo, do espelhinho de bolso. Saudade
dessa vaidade boa, de querer ser bonito e namorador, ainda que não houvesse
beijado nenhuma boca nem sentido bico de seio perto do meu peito.
Tenho saudade
de tudo, do ontem e do mais distante. E que doce saudade recordar o primeiro
amor, não conseguir adormecer porque estava namorando, tremer o corpo inteiro
no primeiro beijo, afoguear completamente sem saber por quê. E depois os passos
pela vida, as conquistas e as alegrias. Em tudo tanta saudade. E quando me
ponho a rememorar tais instantes volto ao espelho para sentir o que ainda sou.
E o que já não
sou me foi levado por outras saudades. Estas consomem sim. Machucam, maltratam,
me deixam até com saudade das outras saudades.
(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
Se você gosta de ler histórias sobre "Cangaço" clique no link abaixo:
http://blogdomendesemendes.blogspot.com
Faça uma visitinha a este site:
http://cantocertodocangaco.blogspot.com
Observação:
Nenhum comentário:
Postar um comentário