Por: Rangel Alves da Costa(*)
QUE
ME VENHA A LÁGRIMA
Não vou mentir
a ninguém, não posso negar: sou mais amigo da lágrima do que do sorriso.
Tenho a
lágrima como reflexa do sentimento, da mais pura expressão da alma, do
encorajamento do espírito para manifestar seu estado.
Não que o
sorriso assome falso ao semblante, chegue carregado de hipocrisia ou se
manifeste inexpressivamente. Não. Mas não se pode negar seu dom de ser
demasiadamente desacreditado.
Com a lágrima
é diferente. Soa mais verdadeira, não pode ser negada quando o semblante, o
motivo e a circunstância se mostram tão aparentes. Dificilmente alguém finge a
lágrima quando o momento já expressa sua razão de ser.

Verdade que o
sorriso também pode provocar a lágrima; a alegria contagiante pode derramar-se
pelos olhos; a imensa satisfação provoca transbordamento de rios. Contudo, os
sentimentos são diferentes.
O sentimento
da lágrima, segundo o motivo íntimo, é irreconhecível ao outro; quando se
expressa externamente já ultrapassou montanhas e barreiras internas, já
entrecortou caminhos e cruzou as fronteiras mais íntimas.
A voz da
lágrima é tão silenciosa que, às vezes, nem a própria pessoa é capaz de
ouvi-la. Fala baixinho, sussurrando, murmurando, corroendo por dentro, tantas
vezes dilacerando, até exsurgir como grito na face.
Isto mesmo. O
grito da lágrima está na gotícula, no pingo, na água que escorre, no rio que
inunda. Na boca, que são olhos, vão surgindo as verdades jogadas de dentro, as
aflições impulsionadas para fora, as angústias rebentando as nascentes.
Não faltam motivos
para a lágrima. Por mais forte que a pessoa pareça ser, por mais que procure
retrair sentimentos, não há como fugir das nuvens internas, e muitas vezes das
tempestades e temporais.
Não faltam
motivos para a lágrima. A face sorridente nem sempre reflete o íntimo; o
contentamento talvez seja aparente; a demonstração de fortaleza inabalável nem
sempre diz do que se esconde por detrás das muralhas da alma.
Não faltam
motivos para a lágrima. Sempre é mais verdadeiro, bonito e coerente com os
sentimentos que ela venha sem disfarce, chegue sem medo, irrompa sem
interrupções. Esconder o sentir por orgulho, vergonha ou vaidade, apenas
acumula uma torrente que poderá rebentar desastrosamente.
Não faltam
motivos para a lágrima. Ela não surge ao acaso, não aparece no cantinho do olho
porque quer ver o sol, não se derrama simplesmente porque quer molhar a face.
Ela sabe o motivo, conhece o momento, até sente antes que a pessoa de repente
se veja chorando.
Não faltam
motivos para a lágrima. Alguém muito querido partiu, alguém muito amado chegou;
o álbum antigo aberto, as velhas fotografias, pessoas que ama, que sente
saudades, tudo ali adiante.
Como a lágrima
possui motivos. A saudade que dói demais, a lembrança da face amada, uma
vontade imensa de reencontrar. E no peito a dor, aflição, angústia. No
horizonte a revoada do entardecer, e a solidão com seu olho distante, com seu
pensamento em voo.

Com a lágrima
escreve-se o poema, faz molhar a lua, torna a vida mais humana. Porque ela, a
lágrima, já nasce com verso e forma, traz consigo a luz do sentimento, e faz da
incompreensão um entendimento, ainda que doloroso.
Eu choro de
olhos abertos e de olhos fechados. Diante da janela da tarde ou do anoitecer,
debaixo dos lençóis, ouvindo a velha canção, mirando a fotografia. Mas também
choro sem lágrima.
Ainda assim
sinto os olhos molhados e uma vela em mim navegando. E lentamente vou singrando
em busca de qualquer cais.
(*) Meu nome é
Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no
município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito
na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também
História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou
autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e
"Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas
Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em
"Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros
contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e
"Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada
sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão -
Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do
Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor:
Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
Poeta e
cronista
blograngel-sertao.blogspot.com
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