terça-feira, 5 de março de 2013

QUE ME VENHA A LÁGRIMA (Crônica)

Por: Rangel Alves da Costa(*)
Rangel Alves da Costa

QUE ME VENHA A LÁGRIMA 

Não vou mentir a ninguém, não posso negar: sou mais amigo da lágrima do que do sorriso.

Tenho a lágrima como reflexa do sentimento, da mais pura expressão da alma, do encorajamento do espírito para manifestar seu estado.

Não que o sorriso assome falso ao semblante, chegue carregado de hipocrisia ou se manifeste inexpressivamente. Não. Mas não se pode negar seu dom de ser demasiadamente desacreditado.

Com a lágrima é diferente. Soa mais verdadeira, não pode ser negada quando o semblante, o motivo e a circunstância se mostram tão aparentes. Dificilmente alguém finge a lágrima quando o momento já expressa sua razão de ser.


Verdade que o sorriso também pode provocar a lágrima; a alegria contagiante pode derramar-se pelos olhos; a imensa satisfação provoca transbordamento de rios. Contudo, os sentimentos são diferentes.

O sentimento da lágrima, segundo o motivo íntimo, é irreconhecível ao outro; quando se expressa externamente já ultrapassou montanhas e barreiras internas, já entrecortou caminhos e cruzou as fronteiras mais íntimas.

A voz da lágrima é tão silenciosa que, às vezes, nem a própria pessoa é capaz de ouvi-la. Fala baixinho, sussurrando, murmurando, corroendo por dentro, tantas vezes dilacerando, até exsurgir como grito na face.

Isto mesmo. O grito da lágrima está na gotícula, no pingo, na água que escorre, no rio que inunda. Na boca, que são olhos, vão surgindo as verdades jogadas de dentro, as aflições impulsionadas para fora, as angústias rebentando as nascentes.

Não faltam motivos para a lágrima. Por mais forte que a pessoa pareça ser, por mais que procure retrair sentimentos, não há como fugir das nuvens internas, e muitas vezes das tempestades e temporais.

Não faltam motivos para a lágrima. A face sorridente nem sempre reflete o íntimo; o contentamento talvez seja aparente; a demonstração de fortaleza inabalável nem sempre diz do que se esconde por detrás das muralhas da alma.

Não faltam motivos para a lágrima. Sempre é mais verdadeiro, bonito e coerente com os sentimentos que ela venha sem disfarce, chegue sem medo, irrompa sem interrupções. Esconder o sentir por orgulho, vergonha ou vaidade, apenas acumula uma torrente que poderá rebentar desastrosamente.

Não faltam motivos para a lágrima. Ela não surge ao acaso, não aparece no cantinho do olho porque quer ver o sol, não se derrama simplesmente porque quer molhar a face. Ela sabe o motivo, conhece o momento, até sente antes que a pessoa de repente se veja chorando.

Não faltam motivos para a lágrima. Alguém muito querido partiu, alguém muito amado chegou; o álbum antigo aberto, as velhas fotografias, pessoas que ama, que sente saudades, tudo ali adiante.

Como a lágrima possui motivos. A saudade que dói demais, a lembrança da face amada, uma vontade imensa de reencontrar. E no peito a dor, aflição, angústia. No horizonte a revoada do entardecer, e a solidão com seu olho distante, com seu pensamento em voo.


Com a lágrima escreve-se o poema, faz molhar a lua, torna a vida mais humana. Porque ela, a lágrima, já nasce com verso e forma, traz consigo a luz do sentimento, e faz da incompreensão um entendimento, ainda que doloroso.

Eu choro de olhos abertos e de olhos fechados. Diante da janela da tarde ou do anoitecer, debaixo dos lençóis, ouvindo a velha canção, mirando a fotografia. Mas também choro sem lágrima.

Ainda assim sinto os olhos molhados e uma vela em mim navegando. E lentamente vou singrando em busca de qualquer cais.

(*) Meu nome é Rangel Alves da Costa, nascido no sertão sergipano do São Francisco, no município de Poço Redondo. Sou formado em Direito pela UFS e advogado inscrito na OAB/SE, da qual fui membro da Comissão de Direitos Humanos. Estudei também História na UFS e Jornalismo pela UNIT, cursos que não cheguei a concluir. Sou autor dos eguintes livros: romances em "Ilha das Flores" e "Evangelho Segundo a Solidão"; crônicas em "Crônicas Sertanejas" e "O Livro das Palavras Tristes"; contos em "Três Contos de Avoar" e "A Solidão e a Árvore e outros contos"; poesias em "Todo Inverso", "Poesia Artesã" e "Já Outono"; e ainda de "Estudos Para Cordel - prosa rimada sobre a vida do cordel", "Da Arte da Sobrevivência no Sertão - Palavras do Velho" e "Poço Redondo - Relatos Sobre o Refúgio do Sol". Outros livros já estão prontos para publicação. Escritório do autor: Av. Carlos Bulamarqui, nº 328, Centro, CEP 49010-660, Aracaju/SE.
  
Poeta e cronista
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